Rua Timbiras, 1967.
Acervo APCBH/ASCOM

"A cada golpe, caía por terra um pedaço da tradição belorizontina, imolada antes as exigências irresistíveis do progresso". Revista Três Tempos, 1962 (Corte dos Fícus da Praça Sete).

     A citação acima soa de maneira atual, uma vez que o corte diário de árvores em Belo Horizonte nos últimos anos (e a não substituição) vem atingindo níveis absurdos, no entanto foi dita há quase seis décadas atrás, no fatídico ano de 1963 que pode ser considerado como o início da erradicação dos elementos naturais da paisagem urbana de Belo Horizonte, uma vez que a massa vergel e as águas urbanas se encontravam em rota de colisão com o modelo urbano adotado na década de 1930.

      A década de 1960 foi emblemática para a capital mineira, que atingiu o seu primeiro milhão de habitantes no ano de 1967 em meio a uma reforma urbana intitulada Nova BH 66, um programa que "oficializou" o rompimento entre a sociedade e o meio, que cedeu o seu espaço, controlado ou não, para os ideais rodoviaristas que protagonizavam desde a década de 1950 as políticas urbanas de Belo Horizonte, ressaltando que as mudanças paisagísticas não se resumem apenas à pressão rodoviarista, em uma cidade que se verticalizava na mesma velocidade em que o seu tecido urbano se expandia para todos os lados.


Corte dos Fícus na Praça Sete, 1962.
Fonte: Revista Três Tempos


     O corte dos Fícus da Praça Sete em julho de 1962 deu início a derrubada maciça das árvores no município, então com cerca de 750.000 habitantes. No ano seguinte os Fícus foram novamente vitimados pela lei do machado na Avenida Afonso Pena e em outras vias, assim como os cursos d’água, que começavam a desaparecer da paisagem urbana da capital a partir das obras que tinham como um dos objetivos o alargamento das vias, ou seja, preludio do que viria após o golpe de 1964 que acabou cassando o prefeito Jorge Carone e o seu vice Jair Negrão de Lima, assumindo Oswaldo Pieruccetti, cuja gestão lançou o programa de reforma urbana Nova BH-66.

    O Nova BH 66, nascido de uma parceria entre a Prefeitura e a Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, foi criado com o objetivo de realizar a melhoria da infraestrutura urbana de Belo Horizonte, que já se encontrava em uma situação de extrema gravidade, dando sinais de colapso desde a década de 1950. Em meio a quase um milhão de habitantes, a capital apresentava problemas de toda ordem, desde córregos poluídos e esgotos transbordando até a questão da mobilidade e da segurança, com a população construindo muros e grades para se abrigar da crescente violência urbana, ao mesmo tempo em que os abastados iniciavam a “fuga” da zona planejada. Dentro dos objetivos propostos estavam as bases do projeto:

- A canalização, cobertura e alargamento dos canais de diversos cursos d’água.

- O asfaltamento dos logradouros, estreitamento das calçadas, abertura de novas vias e o abastecimento de água. 

Caminhada sobre um curso d'água canalizado.
Acervo APCBH/ASCOM

     Não é à toa que Belo Horizonte, antes aclamada pelo seu clima fantástico e águas límpidas, local singular para o tratamento de doenças respiratórias, tornou-se uma cidade que vitimava a sua própria população com doenças transmitidas pela água e pelo ar. 
     O engenheiro civil Luís Gonzaga de Sousa Lima, assumindo uma cidade mergulhada no caos, suspendeu grande parte das obras do Nova BH 66, dando prioridade apenas para as canalizações e coberturas iniciadas no ano anterior. A reestruturação administrativa iniciada por ele afetou também as obras de captação do rio das Velhas, visto que o DEMAE teve suas verbas reduzidas durante a gestão (1967-1971).

Obras de alargamento das alamedas da Praça da Liberdade.
Acervo APCBH/ASCOM

Avenida João Pinheiro, 1967/1968.
Acervo APCBH/ASCOM

     No entanto, o estrago causado pela reforma urbana já estava consolidado e a lei do machado e do rolo compressor continuou a imperar na capital. Souza Lima realizou ainda o alargamento das alamedas da Praça da Liberdade à custa do corte dos Fícus, o corte das árvores da Avenida João Pinheiro e "oficialmente" converteu os rios urbanos em emissários de esgotos, ao vislumbrar nas águas encaixotadas a “solução” para o problema sanitário de Belo Horizonte, ao esconder por alguns quilômetros a sujeira debaixo do tapete betuminoso¹.
      Desde então, o verde ficou confinado nas praças, parques e vias que conservaram sua arborização ou receberam árvores a partir da década de 1970, restringindo-se ainda a bacia do ribeirão da Onça/Izidora, guardiãs dos últimos remanescentes vergéis do município, ao mesmo tempo em que as águas passaram a correr sob os pés dos novos curralenses, a partir da ininterrupta cobertura da rede hidrográfica.
     Enfim, à custa de propagandas maciças e de atitudes vistas por muitos como imprescindíveis para a continuidade do "progresso", a urbe mineira nunca mais voltou a ser a bela e afamada cidade vergel nas primeiras décadas, devido a imposição de um modelo que contribuiu ainda mais para a ruptura entre a cidade e o meio.

Cidade Vergel, década de 1930.
Acervo BN

A frondosa arborização da Avenida João Pinheiro no 
início do século XX.
Acervo Museu Imperial

*Referência do texto: BORSAGLI, Alessandro. Sob a sombra do Curral del Rey: alcunhada Bello Horizonte, v.2. São Paulo: Clube de Autores, 2017.

**Recomendo acompanhar a página "Arvores cortadas Belo Horizonte" no Facebook para compreenderem a dimensão da questão.

¹ Rios invisíveis da metrópole mineira, 2016.

Fonte: Acervo Alessandro Borsagli

     Dentro da série "Paisagens Pretéritas" publico hoje uma imagem da década de 1920 referente a parte do bairro Funcionários e adjacências, que apresenta ao observador inúmeros elementos de uma cidade planejada para se visualizar a Serra do Curral de qualquer ponto do perímetro delimitado pela CCNC para a nova capital.

      O bairro Funcionários e a sua "massa vergel" destacam-se na paisagem urbana de uma cidade que nesse período chegava aos 100 mil habitantes e se expandia para os vales do córrego do Leitão e do Acaba Mundo, este último já parcialmente ocupado pelo bairro Funcionários. Nesse contexto, observa-se ainda a existência de sua mara ciliar, uma vez que o curso d'água permaneceu em leito natural até o ano de 1928, data da inauguração do canal construído na Rua Professor Morais e Avenida Afonso Pena.

     Destacam-se ainda a Serra do Curral e a porção do maciço arrasado pela mineração, as obras de conclusão da Avenida Afonso Pena, em direção a Praça do Cruzeiro (Praça Milton Campos) e a caixa d'água do Cruzeiro, que nesse período recebia as águas do córrego da Serra. Uma imagem que à primeira vista parece simples, no entanto rica de detalhes e informações de um período de profundas transformações espaciais em Belo Horizonte.


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     Está disponível para leitura online e compra o livro "Arraial de Bello Horizonte: a ruralidade da nova capital de Minas", elaborado durante a pesquisa realizada por mim durante os anos de 2017 e 2018, no Programa de Pós Graduação em Geografia - Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas (PPGG-TIE PUC Minas).

  O livro encontra-se dividido em dois capítulos, o primeiro capítulo trata de maneira geral de algumas das reminiscências rurais que ainda existem no município de Belo Horizonte, já publicado no livro "Sob a sombra do Curral del Rey", com alguns acréscimos de mapas e imagens identificadas e elaboradas durante a pesquisa.

   O segundo capítulo trata das propriedades rurais do limite sul do arraial de Belo Horizonte, desapropriadas no ano de 1894 pela Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC). A pesquisa, realizada há uma década, foi diversas vezes interrompida por falta de informações relativas à região e publicadas em dois artigos no blog, nos anos de 2012 e 2014 respectivamente. Nesse contexto, a partir do avanço das pesquisas, do surgimento de novas informações, até então ignoradas, e pela tecnologia, uma vez que o geoprocessamento foi crucial para a conclusão das pesquisas, foram elucidadas alguns erros que pairavam sobre as velhas fazendas do Capão, do Cercadinho e do Leitão, além da Casa da Fazendinha, construção até agora atribuída à Fazenda do Cercadinho, e a Lagoa Seca. Ou seja, entre erros, acertos e outros pormenores que há uma década coloca a paciência do pesquisador à prova, o segundo capítulo deste livro visa corrigir os erros existentes nos artigos de 2012 e 2014 e apresentar novas informações sobre o casarão, sentinela de um passado onde o rural predominava nas vastas porções de terra ocupadas pelas colônias agrícolas limítrofes à Avenida do Contorno.

     Nesse contexto, gostaria de frisar que a pesquisa se desenvolveu no período em que me encontrava como bolsista de Mestrado do CNPq, ou seja, me sinto na obrigação de disponibiliza-la de maneira gratuita, coisa que já faço com muito gosto no Curral del Rey, ao mesmo tempo em que a versão impressa está sendo vendida a preço de custo na editora, ressaltando que o autor que vos escreve não recebe um centavo das vendas da versão impressa.

Enfim, com a publicação desse trabalho, que é parte de um todo que merece ser pesquisado de maneira mais sistemática, espero estar contribuindo com a elucidação de mistérios e lacunas que rondam há mais de um século as terras altas do município de Belo Horizonte.

  

Fonte: Elaborado pelo Autor

Encontra-se disponível para consulta e download a dissertação "Do convívio à ruptura: a cartografia na análise histórico-fluvial de Belo Horizonte (1894/1977)", elaborada e defendida por mim no mês de março de 2019 sob orientação do Professor José Flávio Morais Castro, no Programa de Pós-Graduação em Geografia - Tratamento da Informação Espacial da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PPGG-TIE PUC Minas).

Abaixo o resumo do trabalho realizado e os links de acesso:

Resumo

A presente pesquisa aborda a relação entre a evolução urbana da cidade de Belo Horizonte e as intervenções na rede hidrográfica entre os anos de 1894 e 1977. Nesse contexto, a abordagem da pesquisa foi trabalhada através da Geografia Histórica, possibilitando dessa forma a realização de uma contextualização geohistórica da ocupação do sítio que veio a receber a nova capital de Minas Gerais. Para isso, foi necessário o levantamento de documentos sob a guarda do Arquivo Público Mineiro, Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte e Museu Histórico Abílio Barreto, além de bases disponibilizadas pela Secretaria Municipal de Política Urbana e Secretaria Municipal de Planejamento, que possibilitaram a análise e vetorização da cartografia histórica compreendida entre os anos de 1734 e 1893 e a elaboração e análises dos mapas entre os anos de 1895 e 1977. Os estudos permitiram a reconstrução de paisagens do passado, anteriores a chegada da Comissão Construtora da Nova Capital, a recuperação dos topônimos dos cursos d’água analisados, a delimitação de terrenos desapropriados no ano de 1894 para a construção da capital de Minas e das intervenções na rede hidrográfica ao longo do desenvolvimento urbano de Belo Horizonte, a partir da criação de um banco de bases vetoriais da rede hidrográfica dos seis períodos de desenvolvimento urbano da cidade, onde os períodos de evolução urbana mostraram que as obras de canalização dos cursos d’água não acompanharam a evolução do tecido urbano.

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Perspectiva oeste da Serra do Curral e da Lagoa Seca.
Acervo Alessandro Borsagli

     Encerrando a primeira parte da série "Paisagens Pretéritas", publico hoje uma imagem encontrada, identificada e adquirida por mim no ano de 2017 de um colecionador na Áustria, resultado dos benefícios da era digital e da ampla acessibilidade a documentos e imagens, ainda que a revolução da comunicação tenha dado "voz" e "visibilidade" a muitos imbecis espalhados pelo planeta. A imagem, até o presente momento, é a única que mostra a Lagoa Seca em toda sua plenitude.
       
     A identificação se deu a partir da cartografia (histórica) elaborada pela Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) no ano de 1894, um material riquíssimo de informações representadas de maneira minuciosa pela comissão, uma vez que as divisões e seções realizaram um trabalho minucioso no sítio escolhido para a construção da nova capital. Nesse sentido, entre estudos de captação de água, topografia, geodesia e dos locais que receberiam equipamentos e infraestrutura para inúmeras finalidades, a malha ortogonal da nova capital acabou sendo concebida sobre uma porção do sítio localizado a uma distância considerável da Lagoa Seca, que se encontrava em terrenos devolutos e próxima à divisa das fazendas do Capão e do Cercadinho.

         Parte do "Mapa Geológico do Quadrilátero Ferrífero" elaborado por Dorr (1969), na porção           referente a parte do município de Belo Horizonte. Detalhe para a região da Lagoa Seca (3), 
      na porção correspondente ao Grupo Itabira, e para os contatos geológicos compreendidos 
      entre o talvegue do ribeirão Arrudas e a porção centro-sul da capital.
     
     A Lagoa Seca (C), um lago cárstico que se localizava entre a Serra do Curral, no trecho correspondente aos depósitos dolomíticos do Grupo Itabira, próximos às cabeceiras do Acaba Mundo, Leitão e Cercadinho, foi descrita um ano antes da chegada da CCNC ao arraial de Belo Horizonte por Samuel Gomes Pereira, engenheiro responsável pelos estudos realizados pela "Comissão de Estudos das Localidades Indicadas para a Nova Capital" no primeiro trimestre de 1893. De acordo com o engenheiro:

A Lagoa Seca é formada por uma grande depressão do terreno de forma mais ou menos elíptica, cujo fundo é de rocha, assim como as paredes que a circundam, de modo a formar um verdadeiro depósito, onde a água chega a atingir a profundidade de dois metros. O escoamento se faz completo pelas cabeceiras do córrego do Leitão, circunstancia pela qual se deu o nome de Lagoa Seca. Um açude de duzentos metros de comprimento e dois de altura, impedindo o esgoto da lagoa, daria lugar a formação de um grande tanque, o qual se poderia aproveitar com vantagem para a piscicultura (...). Às margens da Lagoa Seca estende-se vasta planície de boas terras, muito própria para a cultura de todas as plantas da zona temperada e que poderia ser aproveitada para a fundação de uma colônia. Consta-nos que o Sr. P. Michéa com este intuito requereu ao Governo do Estado a concessão de grande extensão de terrenos devolutos, nos quais estão incluídos a Vargem Grande e a Lagoa Seca, conforme verificamos pelos marcos levantados por este engenheiro na medição que fez dos terrenos que requereu, onde encontramos grande extensão de terreno roçado e um lindo viveiro de parreiras. A leste da lagoa serpenteia um pequeno córrego ao lado do viveiro e água para abastecimento da colônia não faltará, desde que se conduza para aquele ponto as águas do Capão da Posse, para que o bastará desobstruir o rego que abriu antigamente a Companhia do Morro Velho, com o intuito de leva-lo até as suas minas. (MINAS GERAES, 1893, p.27)

     O relatório apresentado pelo engenheiro a respeito da Lagoa Seca fornece importantes observações sobre a lagoa e as terras adjacentes, ao cogitar o seu aproveitamento para a produção de víveres, certamente influenciado pelo Sr. Paul Michéa, médico e botânico francês que havia realizado no período um requerimento ao Estado para concessão dos terrenos devolutos da Lagoa Seca, com a finalidade da produção de víveres de clima temperado. Para saber mais sobre o período, recomendo a leitura dos livros "Rios Invisíveis da Metrópole Mineira", "Sob a sombra do Curral del Rey" e "Arraial de Bello Horizonte", publicações que contém as informações acima e outras sobre as primeiras impressões sobre o arraial e o seu entorno.

     Nesse contexto, a imagem acima, feita de um ponto da Serra do Curral próximo a antiga estrada entre o Curral del Rey e Congonhas de Sabará (Nova Lima), um dos indícios que permitem a datação aproximada da imagem, visto que a estrada foi gradativamente abandonada até a primeira metade da década de 1920 (ler o livro Sob a Sombra do Curral del Rey), é possível visualizar ainda o local do marco geodésico "Ponta" (A), a Serra da Mutuca (B) e o Pico José Vieira (D) então o ponto mais alto do município de Belo Horizonte. Destacam-se ainda as cabeceiras do córrego das Mangabeiras e do córrego do Acaba Mundo, além das marcas da mineração no sopé da serra e a sede da mina.

     Com essa imagem, já publicada em livros e em minha dissertação de mestrado que aborda a relação entre a evolução urbana de Belo Horizonte e a rede hidrográfica, fecho a primeira série de postagens intitulada "Paisagens Pretéritas". As imagens, todas relacionadas a região centro-sul de Belo Horizonte, são o prefácio para o lançamento do livro "Arraial de Bello Horizonte: a ruralidade da nova capital de Minas", que nos próximos dias será disponibilizado gratuitamente em meio digital e vendido a preço de custo na versão impressa.

     



     A partir de agora, o Curral del Rey também está no Instagram trazendo mais imagens antigas e atuais da capital mineira, além de novidades e curiosidades sobre todo o processo de desenvolvimento urbano de Belo Horizonte, confira!

Instagram: @curraldelrey

Avenida Prudente de Morais, 1971.
APCBH acervo Sudecap


     Dentro da série "Paisagens Pretéritas", hoje publico uma imagem da abertura da Avenida Prudente de Morais no ano de 1971, perspectiva centro/bairro, no trecho próximo a Rua Antônio Dias. A Avenida, aberta sobre o córrego do Leitão, havia sido projetada na década de 1920, mas as obras de abertura se iniciaram na segunda metade da década de 1960, sendo executadas em duas partes: a primeira parte consistiu na cobertura do Leitão entre a Avenida do Contorno e Rua Joaquim Murtinho, e a segunda parte consistiu na cobertura do curso d'água entre a Rua Joaquim Murtinho e a barragem Santa Lúcia.
     
     A abertura erradicou a Favela da Alvorada, que ocupava as margens do curso d'água desde a década de 1950, ao mesmo tempo em que cobriu grande parte do Leitão à montante da Avenida do Contorno, ressaltando que no período o curso d'água era simultaneamente coberto na zona urbana planejada. Observa-se ainda na imagem parte dos bairros Coração de Jesus e Luxemburgo, que se encontravam em franca urbanização, e ao fundo o Mosteiro Nossa Senhora das Graças e a Casa Santíssima Trindade. Mais ao fundo destaca-se ainda uma parte da linha de cumeada correspondente ao interflúvio Leitão/Piteiras onde se abriu a Avenida Raja Gabaglia anos mais tarde.

     O córrego do Leitão, quando da chegada da Comissão Construtora da Nova Capital ao arraial de Belo Horizonte, no ano de 1894, dividia as fazendas do Capão e do Leitão, propriedades rurais que guardavam as suas cabeceiras e grande parte das terras que formavam a sua bacia. O curso d'água, coberto e esquecido por muitos sob o "asfalto do progresso", assim como outros importantes elementos de referência geográfica na paisagem da nova capital, profundamente modificada ao longo dos cento e vinte e dois anos de aterramentos, terraplenagens, esgoto, concreto e asfalto, ainda habita o pensamento de muitos dos novos curralenses (aonde, nos meus quase 40 anos de existência me incluo, por ter sido durante mais de três décadas um barranqueiro da margem leste), que buscam em suas memórias e lembranças ou nas memórias dos acervos e dos antepassados que um dia conheceram, se banharam e se hidrataram em suas águas a compreensão da importância em que o Leitão, um topônimo importante que guarda a última reminiscência curralense na paisagem urbana, possuía e possui no processo de invenção e consolidação da urbe belorizontina.        

Perspectiva de parte dos bairros Santa Lúcia e Belvedere, ao fundo o vale do córrego do
Cercadinho, segunda metade da década de 1970*.
APCBH acervo SUDECAP

      Dentro da série "Paisagens Pretéritas", a imagem acima remete à segunda metade da década de 1970 e corresponde ao período em que a Avenida Raja Gabaglia era concluída, ao mesmo tempo em que o tecido urbano se encontrava em franca expansão para o sul e para as cabeceiras do córrego do Cercadinho.

       A partir da perspectiva obtida pelo fotógrafo, o vale do córrego do Cercadinho e a sua mata ciliar se destacam na imagem em meio ao bairro Palmeiras e as embrionárias obras de abertura do bairro Buritis e Estoril, destacando-se ainda a estrutura da Mendes Júnior, que atualmente abriga um centro universitário. Em primeiro plano, observa-se parte dos bairros Santa Lúcia e Belvedere e as grandes movimentações de terra oriundas do processo de urbanização.

      Nesse contexto de expansão urbana e abertura e duplicação de vias, gostaria de destacar a Lagoa Seca, um lago cárstico que nesse período já havia desaparecido da paisagem (urbana), restando apenas parte do seu traçado, ressaltando que nos períodos chuvosos, o lago atingia a profundidade de até dois metros, como observado por Samuel Gomes Pereira (1893) em seus estudos sobre o sítio do arraial de Belo Horizonte.

     De maneira parcial, é possível visualizar no canto inferior esquerdo da imagem parte do seu leito, entre a Rua Jornalista Djalma Andrade (via aberta na década de 1960 que conectava a Mina de Águas Claras e a BR-3) e a estrada para Nova Lima. À direita, próximo ao limite entre a lagoa e o bairro Belvedere, é possível observar os restos da antiga estrada entre o Curral del Rey e a região da Mutuca, até esse momento preservados graças a tardia urbanização da região, que se encontrava inserida nos terrenos devolutos pertencentes ao Estado no ano de 1894.

* Data atribuída a partir das informações contidas no acervo da Sudecap.

Perspectiva bairro/centro da Avenida Raja Gabaglia.
APCBH acervo SUDECAP


    Apesar de nos encontramos em um momento onde a educação e a pesquisa vem sofrendo ataques e cortes constantes (entre altos e baixos a educação, obviamente, nunca foi prioridade de nenhum político ou facção nas últimas três décadas), publico hoje, dentro da série "paisagens pretéritas" e por acreditar que somente pela educação e pela disseminação e transmissão do conhecimento podemos construir um futuro melhor para as próximas gerações, (ressaltando que o professor e pesquisador que vos escreve e todo o trabalho publicado nesses nove anos de blog são frutos de mais de uma década de pesquisa e de aprendizado acadêmico, entre outras coisas), uma imagem que apresenta a perspectiva norte da Avenida Raja Gabaglia na segunda metade da década de 1970.
      
      A perspectiva, obtida do local próximo ao interflúvio Leitão/Cercadinho, apresenta uma via recém inaugurada em meio às grandes movimentações de terra, ruas de terra e os metros iniciais asfaltados da Avenida Barão Homem de Melo, importante via que já se encontrava em projeto e construída na década de 1980. Destaca-se ainda a perspectiva da metrópole e toda a sua verticalização que já se encontrava em franca expansão para os bairros localizados fora da Avenida do Contorno.
      
        Nesse contexto, é importante ressaltar que a Avenida Barão Homem de Melo, em quase toda sua extensão, foi aberta no talvegue do córrego Chácara, um afluente do córrego das Piteiras e que se encontrava em grande parte inserido nas terras da Fazenda do Cercadinho, desapropriada no ano de 1894 pela CCNC. Ou seja, a linha de cumeada de parte da Avenida Raja Gabaglia corresponde a antiga divisa das Fazendas Cercadinho e Leitão, fatos que serão abordados nas duas próximas publicações e no livro que será disponibilizado nas próximas semanas. 

      Gostaria ainda de observar, um pouco fora de contexto, que muitas das imagens antigas de Belo Horizonte e suas perspectivas são carregadas de significados políticos, sociais e econômicos, ainda que a maciça contemplação das paisagens pretéritas na atualidade contribua para encobrir, ainda que parcialmente, os verdadeiros significados e os contextos para o qual a imagem foi produzida. 

Avenida Raja Gabaglia concluída, segunda metade da década de 1970.
APCBH acervo Sudecap


     Dentro da primeira parte da série "Paisagens Pretéritas", que culminará com uma publicação que será disponibilizada na segunda metade do mês de maio, nessa postagem apresento a perspectiva centro/bairro da Avenida Raja Gabaglia já concluída, na segunda metade da década de 1970. 
     
     Chama a atenção do observador uma via completamente deserta, em meio aos postes e aos taludes de uma paisagem profundamente modificada. Observa-se ainda algumas casas residenciais correspondentes ao bairro Santa Lúcia e a porção da Serra do Curral correspondente ao marco geodésico "Ponta", onde se encontram as antenas de rádio e televisão, e a porção da serra correspondente ao local que abrigava dois pequenos cursos d'água que alimentavam a Lagoa Seca e desaparecidos ao longo do século XX.
     
     A porção à direita da imagem corresponde ao interflúvio Leitão/Cercadinho que dividia as terras das fazendas do Capão e do Cercadinho, desapropriadas pela CCNC no ano de 1894. Uma paisagem modificada de maneira notável ao longo do processo de desenvolvimento urbano de Belo Horizonte, onde a ideia de que a região abrigava propriedades rurais consideráveis é praticamente desconhecida da cidade.

Perspectiva à jusante de parte do vale do córrego do Leitão, 1970.
APCBH acervo Sudecap

     Dentro da temática das paisagens pretéritas da região sul de Belo Horizonte, nessa postagem apresento a porção mais próxima das cabeceiras do vale do córrego do Leitão no ano de 1970. A imagem, pertencente ao acervo da Sudecap, autarquia fundada no ano de 1969 e guardiã de importantes informações sobre as intervenções fluviais e obras diversas na metrópole mineira, mostra uma porção dos bairros Santo Antônio (direita) e Vila Paris (esquerda), que se encontrava em urbanização, onde os edifícios e residencias unifamiliares dividiam espaço com as últimas propriedades rurais do vale do córrego do Leitão, destacando-se uma chácara na margem oeste do curso d'água, à direta da Avenida Arthur Bernardes, e as pequenas propriedades da margem leste, correspondente à porção compreendida entre as ruas Professor Aníbal de Matos, Guilherme de Almeida e Rua Pitangueiras, que se encontravam em processo de abertura no período. Destaca-se no local a propriedade que existiu até o ano de 1988, demolida para a construção de dois edifícios.

     Ao fundo à direita, é possível visualizar o antigo prédio da Fafich e as vias da zona urbana planejada correspondente ao bairro de Lourdes. À esquerda pode-se observar, entre vias, edifícios, colégios e a lavanderia Eureka, uma parte da Avenida Prudente de Morais já concluída, no trecho entre a Avenida do Contorno e Rua Joaquim Murtinho. Observa-se ainda um pequeno trecho da avenida, aberto em frente do colégio Sacré-Coeur de Jesus, onde o Leitão já corria sob a via, concluída no ano de 1972.

     A barragem do Leitão, posteriormente rebatizada de barragem Santa Lúcia, no ano de 1970 ainda se encontrava em vias de conclusão, uma vez que as obras haviam sido interrompidas na segunda metade da década de 1950. É possível visualizar o córrego do Leitão correndo dentro da barragem, onde anteriormente existiu uma cerâmica, além dos detritos gerados não só pela pequena indústria, mas também pelas movimentações de terras em suas cabeceiras, que nesse momento se encontrava em franca urbanização.

     Esse trecho é emblemático para o pesquisador, uma vez que o córrego, nesse local, dividia as terras das Fazendas do Capão e do Leitão, desapropriadas pela CCNC no ano de 1894. O trecho, quando do ano de desapropriação, abrigava uma casa, um engenho, cafezais e canaviais que pertenciam a Fazenda Capão.    

Córrego do Leitão, 1949.
Acervo APCBH/ASCOM


      Dando continuidade às "paisagens pretéritas" da porção sul de Belo Horizonte, a imagem de hoje remete ao ano de 1949, quando das obras de construção do sistema de drenagem do bairro Cidade Jardim, localizado na margem oeste do córrego do Leitão.
      
      A imagem, identificada e datada pelo autor que vos escreve, mostra o choque de elementos rurais e urbanos, uma clara persistência do rural no vale do córrego do Leitão, que durou até a década de 1960 (recomendo a leitura do artigo O vale do córrego do Leitão, escrito em 2011), ao mesmo tempo em que ações antrópicas já impactavam o leito de maneira notável. 
    
    À esquerda da imagem se encontra parte do bairro Santo Antônio, de origem agrícola, onde o córrego figurava como um elemento que não permitia a sua expansão de maneira regular. À direita parte dos bairros Cidade Jardim e Coração de Jesus, surgidos ao longo da Rua Conde de Linhares, um antigo caminho que ligava a região central aos sítios que existiam próximos a Barragem Santa Lúcia, que nesse momento se encontrava em projeto. É importante observar que a barragem foi construída a partir dos açudes projetados pela CCNC para a região agrícola da nova capital (recomendo a leitura do livro Rios invisíveis da metrópole mineira).

      O curso d'água, no ano de 1894, era o divisor de parte das fazendas do Leitão e do Capão, ao mesmo tempo em que suas amplas cabeceiras, espalhadas por um notável anfiteatro que servia de divisa com a Fazenda do Cercadinho e os terrenos devolutos da Lagoa Seca, foram desconsideradas para o abastecimento de água da nova capital. Observa-se que, no momento da imagem, o curso d'água se encontrava retificado e canalizado a partir da Avenida do Contorno, local onde se realizou o registro fotográfico, ao mesmo tempo em que a perspectiva obtida do local possibilita a visualização das cabeceiras e respectivas divisas rurais de um passado não tão distante no período (1949).   

Obras de abertura dos metros finais da Avenida Uruguai, 1980.
APCBH acervo SUDECAP

     Dentro da série "paisagens pretéritas", a imagem que ilustra este pequeno artigo retrata as obras de abertura, ou ligação, dos metros finais da Avenida Uruguai com a Avenida Bandeirantes no ano de 1980, cinco anos após o rompimento da barragem de retenção do Acaba Mundo, ocorrida em março de 1975. A Avenida, aberta sobre o canal do córrego do Acaba Mundo entre as décadas de 1960 e 1970, possibilitou a ligação com uma região que se encontrava em plena urbanização, ao mesmo tempo em que a cidade continuava a "subir a serra" em direção ao paredão da Serra do Curral, processo que se iniciara na segunda metade da década de 1960.

     Ressalta-se que a datação da imagem não foi realizada pelo Autor e sim pela empresa que executou os serviços fotográficos para a Sudecap, uma vez que o verso de uma parte das imagens pesquisadas se encontram carimbadas com a data do registro e a empresa responsável. 

       Na imagem a Serra do Curral emoldura a paisagem à montante do Acaba Mundo, onde é possível visualizar, entre as obras de urbanização e o barramento da pequena represa, convertida anos mais tarde em Praça JK, algumas residencias unifamiliares que não existem mais e edifícios em construção, no trecho correspondente ao cruzamento da Avenida Bandeirantes e Rua Engenheiro Caetano Lopes. 

     Esse trecho é emblemático na história da ocupação do perímetro delimitado pela Comissão de Estudos das Localidades para a Nova Capital no ano de 1893, adotado e ampliado pela Comissão Construtora da Nova Capital no ano de seguinte, pois se encontrava inserido nos vastos terrenos devolutos da Serra do Curral, um dos principais motivos (oficiais) que levaram a escolha do sítio estudado, uma vez que a existência de grandes extensões de terra públicas desobrigava o Estado de dispensar grandes quantias para a desapropriação do perímetro, ficando as desapropriações restritas ao arraial e as propriedades rurais que se encontravam dentro do perímetro.  
  
Obras de abertura da Avenida Raja Gabaglia, 1976.
APCBH acervo Sudecap

  No segundo artigo da série “paisagens pretéritas”, onde serão postadas, como uma espécie de prefácio para o mês de maio, algumas imagens das grandes alterações ocorridas em Belo Horizonte, mais precisamente em sua porção sul, mais uma vez a Avenida Raja Gabaglia é a protagonista, assim como as alterações promovidas no interflúvio Leitão/Piteiras, ocorridas a partir da abertura da Avenida.

  Nesse sentido, onde o ser humano adapta o meio de acordo com os seus interesses e necessidades, é possível observar em primeiro plano os cortes realizados para a abertura da via, trechos posteriormente removidos para a construção dos edifícios compreendidos entre a Avenida Barão Homem de Melo e Rua Amoroso Costa. Ao fundo uma parte do trecho publicado na semana passada e as cabeceiras do córrego do Leitão, fragmentadas pela avenida. Imaginem o quanto foi afetado os processos geomorfológicos no local, de declividade considerável e composição frágil.

  É importante observar que nesse trecho do corte se dava o contato das divisas das fazendas do Capão e do Cercadinho, desapropriadas pela CCNC no ano de 1894. Ao fundo à direita é possível visualizar o local do marco geodésico da Boa Vista, extremo sul do perímetro delimitado pela CCNC para a nova capital, sobre as quais  serão publicadas/disponibilizadas informações e outras coisas mais no mês de maio.


* Para os replicantes das imagens e integrantes ávidos de grupos de fotografias antigas & afins: citem por favor as fontes, pois é uma falta de respeito não só com os acervos que detém a guarda das imagens, mas também com todo o trabalho realizado pelo autor que vos escreve, pois, as imagens que ilustram os artigos e os livros são utilizadas para fins de visualização e compreensão das mudanças ocorridas na paisagem urbana de Belo Horizonte, obtidas nos acervos a partir de solicitações (e muitas vezes compradas de algumas instituições fora do Estado e de periódicos) e, em alguns casos, identificadas a partir de trabalhos que demandam tempo e $. Portanto, peço que tenham a fineza de reconhecer todo o trabalho que se encontra atrelado a elas, ressaltando que todas as imagens que foram e estão sendo divulgadas na série "Paisagens Pretéritas" foram obtidas a partir de uma solicitação de pesquisa realizada no ano de 2017, sendo até o presente momento inéditas na internet. 




 Obras de abertura da Avenida Raja Gabaglia, entre a Avenida Barão Homem de Melo e BR-356.
APCBH acervo Sudecap


     Construída sobre uma parte considerável da linha de cumeada dos contrafortes da Serra do Curral, no divisor de águas das sub bacias dos córregos do Leitão e Piteiras, afluentes da margem sul do ribeirão Arrudas, a Avenida Raja Gabaglia possibilitou a ligação direta entre a antiga BR-3 (BR-356) e os bairros recém criados pela Companhia Urbanizadora da Serra do Curral (CIURBE) com a zona urbana planejada de Belo Horizonte. A metrópole mineira, na segunda metade da década de 1960, avançava em direção a Serra do Curral e a Lagoa Seca, nesse período explorada para extração de brita calcária.
     A imagem apresenta uma paisagem em profunda transformação, onde a rocha metassedimentar, escavada durante milênios pela notável rede hidrográfica do Curral, rapidamente era adaptada e retirada para a adequação do meio, de acordo com os interesses e necessidades de uma urbe que finalmente escalava a serra. É importante ressaltar que uma parte das nascentes do córrego do Leitão se encontravam nesse trecho, que até então emoldurava com persistente ruralidade a urbe mineira.
     A paisagem pretérita da Avenida Raja Gabaglia inaugura uma série de postagens similares que culminarão em uma surpresa para os leitores nas próximas semanas, aguardem!




Praça da Liberdade 1898 (ler os primeiros anos)
Livro Sedução do Horizonte (1997)

Praça da Liberdade 1913.
Acervo do autor

Praça da Liberdade 1950.
Acervo APCBH/ASCOM

Praça da Liberdade 2018.
Foto do autor




Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

gif maker Córrego do Acaba Mundo 1928/APM - By Belisa Murta/Micrópolis