Inicio das obras para a ligação viária entre a Avenida do Contorno e Avenida dos Andradas.
Fonte: APCBH/ASCOM

Não é preciso falar que Belo Horizonte é uma cidade de construções e demolições constantes. A imagem acima é uma prova do que se afirmou anteriormente. A capital surgiu sobre o sitio do arraial do Curral Del Rey, arraial de origem colonial que foi completamente arrasado no final do Século XIX. Ao longo do Século XX Belo Horizonte passou por diversas mudanças expressivas na sua paisagem urbana e no espaço. Nos últimos anos mudanças significativas estão transformando drasticamente a paisagem urbana, com a acentuada verticalização dos bairros fora do perímetro da Avenida do Contorno e principalmente nas obras para a melhoria do fluxo viário na RMBH. Isso, aliás, é o principal agente responsável pelas mudanças que se verifica na capital desde meados dos anos 50.

Roberto Lobato Corrêa escreveu sobre a ação dos formadores do Espaço Urbano em seu livro “O Espaço Urbano” que “a ação destes agentes é complexa, derivando da dinâmica de acumulação de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção, e dos conflitos de classe que dela emergem. A complexidade da ação dos agentes sociais inclui práticas que levam a um constante processo de reorganização espacial que se faz via incorporação de novas áreas ao espaço urbano, densificação do uso do solo, deterioração de certas áreas, renovação urbana, relocação diferenciada da infra-estrutura e mudança, coercitiva ou não, do conteúdo social e econômico de determinadas áreas da cidade”.

Muitas dessas mudanças passaram despercebidas para a população, talvez devido à mudança espaço-tempo que acelerou e encurtou ao mesmo tempo a vida nas sociedades modernas.
É importante que se construa uma memória urbana para entender todo o processo que ocorreu nos centros urbanos, desde as mudanças urbanas mais profundas até as menos significativas, mesmo que qualquer mudança na paisagem gera um impacto, no mínimo local.


Obras na Praça Rui Barbosa que culminou com a diminuição do espaço público para a melhoria viária.
Fonte: APCBH/ASCOM

Com o título “Metamorfoses Urbanas” serão publicados posteriormente pequenos artigos sobre essa mudança espacial de Belo Horizonte, em particular as verificadas a partir da década de 50, década em que o Poder Público passou a priorizar a articulação viária, em detrimento a qualidade de vida e que levou ao rompimento do fluxo social e a degradação de diversos pontos da capital mineira. As imagens publicadas aqui corroboram isso que se afirmou acima: a intervenção feita na Praça Rui Barbosa nos anos 50 e em alguns locais da capital (abertura de novas vias, alargamento de vias, diminuição de passeios, asfaltamento etc.), foram na verdade o embrião das grandes mudanças que se iniciaram de fato na década seguinte, quando Belo Horizonte se firmou como metrópole. A priorização de vias para os veículos motorizados passou a ser o “carro chefe” das políticas urbanas a partir dessa década, em detrimento aos outros serviços públicos. E a paisagem urbana sofreu profundas modificações a partir de então.
Termino com as palavras do filosofo e sociólogo Walter Benjamin: “a memória não é um instrumento para a exploração do passado, é, antes, o meio. É o meio onde se deu a vivência, assim como o solo é o meio no qual as antigas cidades estão soterradas”.


Obras para a ligação das Avenidas do Contorno e dos Andradas.
Fonte: APCBH/ASCOM


Praça Rui Barbosa e Avenida dos Andradas em 2009, já alargada com a construção do Boulevard Arrudas.
Fonte: Google Street View


Área em que se realizou a intervenção na década de 50/60.
Fonte: Google Earth

Imagem de Satélite de Belo Horizonte em 1956.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP; 1997.

A imagem acima foi tirada no ano de 1956 pelos Serviços Aerofotogramétricos Cruzeiro do Sul na escala 1:25000 para a recém fundada Companhia Energética de Minas Gerais para fins de planejamento. Na imagem destacam-se grande parte da Zona Urbana de Belo Horizonte (trecho compreendido dentro da Avenida do Contorno) e grande parte das zonas leste e sul, sendo que esta ultima ainda se encontrava em um lento processo de expansão devido a precariedade dos acessos a região e a irregularidade do relevo, visto que suas terras compreendem grande parte das cabeceiras dos córregos que nascem nas vertentes da Serra do Curral e que atravessam a região central de Belo Horizonte.
Dois desses córregos estão sinalizados na imagem: o córrego do Leitão à esquerda e o córrego do Acaba Mundo à direita. É notável a retificação e a canalização desses cursos d’água dentro do perímetro da Avenida do Contorno, moldados conforme a Planta da capital. Já o trecho atravessado por eles na Zona Suburbana a canalização foi realizada somente nos anos 60/70 quando se dá a grande expansão urbana para o sul da capital mineira, ocupadas principalmente pelas classes mais abastadas que fugiam da iminente congestão urbana da região central de Belo Horizonte. Ainda na Zona Suburbana está destacado o curso do córrego do Pastinho que se encontrava canalizado nessa época até a Rua Manhumirim. É importante ressaltar que os três cursos d’água em questão foram retificados em canal a céu aberto, sendo cobertos somente nos anos seguintes.
O Ribeirão Arrudas também se encontrava canalizado somente na Zona Urbana, o trecho atravessado por ele fora do perímetro da Contorno nessa época ainda estava em grande parte no seu leito natural. Na imagem pode-se ver que as suas margens estavam ocupadas apenas por algumas cafuas pertencentes a Favela do Perrella, a beira da Avenida do Contorno. As Favelas União (Ilha do Urubu), Baiana, Gógó da Ema e Cardoso ainda não haviam se estabelecido as margens do Arrudas nessa época.
Na região central da capital a verticalização é notável na imagem, consolidada nessa década de 50 com o inicio da construção dos grandes conjuntos habitacionais. A ocupação urbana dentro dos limites da Contorno na década de 50 já estava quase concluída, apenas a região do bairro Santo Agostinho, na margem esquerda do Leitão ainda estava por ser urbanizada. Na zona suburbana, no que diz respeito a ocupação urbana nessa década ainda não haviam sido ocupadas as áreas mais próximas das nascentes dos córregos do Gentio (Anchieta e Comiteco) e Mangabeiras. Essas terras foram loteadas e urbanizadas na década seguinte, nos terrenos cedidos para a FERROBEL, mineradora que se instalou na Serra do Curral em 1961. O vazio existente nessas áreas e nas terras posteriormente ocupadas pelo Morro do Papagaio e cortada pela BR-3 é marcante e corrobora o que já foi exposto até agora: o vertiginoso crescimento da capital para as regiões norte e oeste proporcionado pela baixa declividade do relevo, necessidade de preservação das nascentes do Complexo da Serra do Curral além da especulação imobiliária que, aliada ao Poder Público reservou as terras mais altas para a população de maior poder aquisitivo.

Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

gif maker Córrego do Acaba Mundo 1928/APM - By Belisa Murta/Micrópolis