Rua São Paulo no final da década de 20 com o canal do córrego do Leitão já concluído.
Fonte: APM
A Rua São Paulo atualmente é uma das
principais vias de ligação entre a região sul de Belo Horizonte com a região
central. Aberta somente na década de 20, na primeira expansão ordenada da zona
urbana promovida pelo Poder Público a rua teria um papel fundamental na urbs belorizontina: ao longo dos seis quarteirões
compreendidos entre o bairro de Lourdes e a região central seria construído o
canal destinado as águas do córrego do Leitão, que corria em seu leito natural
e retificado para a construção do bairro de Lourdes ao longo da década de 20.
Junto com a Rua São Paulo abriram-se também as ruas Barbara Heliodora e Padre Belchior
para a retificação do córrego, ruas que não existiam na planta original da
capital.
Canalização do córrego do Leitão em
1928 na Rua São Paulo e Avenida Alvares Cabral.
Fonte: Fundação Getúlio
Vargas/CPDOC
Inicio da canalização a céu aberto do
córrego do Leitão na Rua São Paulo.
Fonte: APM
O córrego no cruzamento das Ruas São
Paulo e Guajajaras em 1928.
Fonte: APM
Córrego do Leitão em
1928 na Rua São Paulo.
Fonte: Fundação Getúlio
Vargas/CPDOC
O córrego na Rua São Paulo no
cruzamento com Rua Gonçalves Dias.
Fonte: APM
O córrego no mesmo local após o término da canalização.
Fonte: APM
Parte da Planta de 1923 onde figura o
córrego canalizado e retificado para a Rua São Paulo. As obras para a
retificação nesse trecho começaram quatro anos mais tarde.
Fonte: APCBH
O adensamento da região nas décadas
seguintes, principalmente do entorno da Rua São Paulo, que assistia a expansão
da verticalização da área central para os bairros adjacentes converteu o
córrego de águas mansas e cristalinas em um emissário de esgoto a céu aberto,
visto que o emissário que existe ao longo do córrego não dava mais conta de
transportar tamanha quantidade de efluentes. Na verdade isso acontecia
simultaneamente em outras regiões da capital (e ainda acontece) nos inúmeros cursos
d’água que atravessam a capital mineira. Isso selou o destino do córrego não só
na Rua São Paulo, mas também em toda a extensão do seu curso.
Imagem aérea de 1953 onde está
sinalizado o trecho do córrego do Leitão na Rua São Paulo, entre as Ruas Padre
Belchior e Barbara Heliodora.
Fonte: PANORAMA de Belo
Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP
O córrego do apresentava um alto grau de
poluição de suas águas. A porção da capital atravessada por ele apresentava na
década de 60 um alto grau de urbanização ao mesmo tempo em que se tinha o
inicio da ocupação sistemática das suas cabeceiras. O mau cheiro de suas águas
e as constantes enchentes que levavam lama e lixo para as ruas eram motivos de
reclamações constates da população, que passou a exigir uma solução rápida para
o problema. A cobertura do canal era vista como a solução dos problemas gerados
pelo córrego além de ser considerada como uma obra de embelezamento da capital¹,
abalada com a perda do titulo de “Cidade Jardim” desde o corte dos Ficus da
Avenida Afonso Pena em 1963, das árvores das Avenidas Augusto de Lima e Bias Fortes e principalmente para a melhoria da mobilidade
urbana².
No final da década de 60 se tem o inicio das obras de cobertura do
córrego do Leitão desde a Rua São Paulo até a sua foz no ribeirão Arrudas.
Paralelamente ao fechamento teve inicio em Julho de 1970 a canalização e
cobertura do Leitão na zona suburbana para a abertura da Avenida Prudente de
Morais. Essa obra visava melhorar o fluxo viário na região que expandia a passos
largos além de erradicar da paisagem o curso d’água que havia se transformado
em um esgoto a céu aberto, pois o aumento da ocupação das vertentes do córrego
nas proximidades de suas cabeceiras desencadeou o lento processo de
assoreamento que, nos períodos de chuva enlameava diversas ruas ao longo do seu
curso, principalmente a Rua São Paulo. Após a sua cobertura em 1970 a
funcionalidade da região mudou lentamente, sendo que a grande maioria das casas
residenciais que existiam ao longo da rua foram sendo demolidas e substituídas por
edifícios e casas comerciais. Atualmente a Rua São Paulo se tornou uma das
principais vias de acesso para a região central, o que não seria possível se o
córrego ainda corresse a céu aberto.
O
córrego do Leitão, assim como o Acaba Mundo, Serra etc. foram ignorados pela
Comissão Construtora e inseridos na paisagem urbana na década de 20 foram
“escondidos”, à partir da década de 60 debaixo das vias com a finalidade de melhoria do fluxo viário e do
embelezamento urbano. Da década de 70 até os dias atuais o termo “hidrologia
urbana” tem sido usado para designar a reinserção e requalificação dos cursos
d’água no meio urbano. As formas da paisagem urbana são diversas e, segundo
(SANTOS, 1998) “é a materialização de um
instante da sociedade”. Na paisagem urbana de Belo Horizonte grande parte dos
cursos d’água foram erradicados da paisagem, sendo possível identifica-los
atualmente apenas com o auxilio de mapas.
A sociedade interfere e modifica o
meio urbano de acordo com suas necessidades. Inseridos na paisagem urbana devido
às necessidades socioeconômicas do período os cursos d'água não resistiram às grandes mudanças no espaço urbano que veio a deixar profundas marcas na paisagem
belorizontina. Apesar das políticas urbanas atuais valorizarem a inserção dos
córregos não canalizados na paisagem urbana, como um agente concreto que a
compõe, em Belo Horizonte os córregos cobertos, ao que tudo indica ainda
passarão décadas sob as vias e quarteirões até que se adote uma política de
reinserção dos cursos d’água no espaço urbano.
Casa residencial datada da primeira ocupação
urbana ainda existente na Rua São Paulo, às margens do córrego do Leitão.
Fonte: Foto do Autor
A metamorfose do espaço: A
calha do Córrego do Leitão em três momentos no mesmo local: À esquerda em 1928
quando foi retificado e canalizado no trecho compreendido na Rua São Paulo, nas
proximidades do cruzamento com a Avenida Augusto de Lima. No centro em 1971 quando da cobertura de seu canal para o alargamento da mesma Rua. À direita o
mesmo trecho em 2010.
Fonte: APM, Autoria Desconhecida e foto do Autor respectivamente.
¹ O Boulevard Arrudas é um bom exemplo de como as coisas se perpetuam no Poder Público. As mesmas justificativas usadas há 50 anos ainda servem para "explicar" e exaltar as grandes melhorias que tal obra trará para a sociedade em geral.
² Interessante é que as politicas urbanas voltadas para a
mobilidade na capital mineira são praticamente as mesmas há cinquenta anos,
sempre favorecendo a determinadas classes sociais que se perpetuam em BH como
um vírus, atrasando o desenvolvimento urbano, viário e social e seguindo desconstruindo
e derrubando o que se opõe aos seus interesses. Já passou da hora de surgir uma
gestão séria, que admita que grande parte das politicas urbanas adotadas na
capital desde a década de 50 são péssimas e que favorecem apenas a um grupo especifico
da capital mineira, no qual muitos dos administradores que passaram pela
municipalidade pertencem.
SANTOS, M. Metamorfoses do espaço
habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.