Algumas imagens da região central de Belo Horizonte atingidas pelas chuvas na Avenida Afonso Pena e Rua Acre em 1963. Na imagem inferior direita é possível visualizar a ponte sobre o Arrudas construída em 1940 na gestão JK.
Fonte: APCBH/ASCOM
Belo Horizonte, por estar assentada sobre mais de 700 km de cursos d’água, sejam eles em curso aberto ou fechado sob as vias, sempre sofreu com as inundações nos períodos chuvosos. Existem relatos, desde o final do Século XIX sobre os estragos causados pelas cheias dos córregos, em particular o Córrego do Acaba Mundo que atravessava o centro do arraial do Curral Del Rey¹.
Deve-se entender a diferença entre uma inundação em áreas onde a ação antrópica não interferiu profundamente na paisagem e a inundação em cidades de médio e grande porte, como Belo Horizonte. A destruição em áreas urbanas é bem elevada em relação às inundações em áreas rurais e pequenos núcleos urbanos.
O acelerado crescimento urbano da capital agravou ainda mais os problemas causados pelas enchentes, a impermeabilização do solo e a ocupação desenfreada das vertentes², das várzeas e dos fundos de vale aumentou ainda mais o poder de destruição das águas.
Os canais dos cursos d’água já canalizados, como o Acaba Mundo e o Leitão por exemplo foram alargados quando da cobertura do seu curso com a remoção da alvenaria de pedra rejuntada das paredes do canal. Mas o alargamento não acabou com as enchentes e periodicamente as águas, que continuam seguindo o seu curso natural em direção à drenagem principal – no caso os Ribeirões Arrudas e Onça, transformam as ruas e avenidas existentes sobre os córregos em verdadeiros rios, como se vê nos vídeos abaixo.
Enchente do Córrego dos Pintos canalizado sob a Rua Platina nas chuvas de 2010.
Fonte: BRAlexSilva/Youtube
Enchente na Avenida Silva Lobo, na altura do bairro Calafate.
Fonte:diegotadeu76/Youtube
Trabalhos de remoção da alvenaria das laterais do Córrego do Acaba Mundo na Rua Professor Morais em 1963 com a finalidade de alargar a sua calha que posteriormente foi coberta para a melhoria do fluxo viário.
Fonte: APCBH/ASCOM
Obras de cobertura do Córrego do Leitão em 1970 no cruzamento da Avenida Bias Fortes e Rua Mato Grosso. À direita do canal pode-se ver a desembocadura do Córrego da Barroca. Esse trecho atualmente apresenta ocorrências de alagamento nos períodos chuvosos.
Fonte: APCBH/ASCOM
O Ribeirão Arrudas, mesmo canalizado desde a década de 20 periodicamente continuou saindo do seu leito, ocupando a sua várzea - leiam-se Avenidas do Contorno e dos Andradas e os quarteirões existentes ao longo das Avenidas, causando grandes estragos para a população³ e prejuízos para o Poder Público. Com o constante crescimento da capital aliada à impermeabilização do solo as águas passaram a correr com mais velocidade, chegando ao mesmo tempo ao longo do ribeirão³¹ aumentando cada vez mais o seu poder de destruição. Quem tem mais de trinta anos certamente se lembrará das tragédias que ocorriam com freqüência nos períodos chuvosos, em particular as regiões atravessadas pelo Arrudas fora da Zona compreendida dentro da Avenida do Contorno e pelo Ribeirão do Onça.
Enchente do Ribeirão Arrudas na região central em 1947.
Fonte: Desconhecida
As imagens acima retratam a destruição causada pelas enchentes ao longo dos anos 60. As duas imagens no alto mostram a Avenida Afonso Pena em frente ao antigo DOPS e o Córrego do Acaba Mundo no Parque Municipal. Abaixo delas pode-se ver o Ribeirão Arrudas na Avenida do Contorno.
Fonte: APCBH/ASCOM
A partir da década de 70 ficou evidente que a canalização empreendida nas décadas de 20 e 30 já não era suficiente para dar a vazão as águas que a cidade necessitava. Em 1975 foi elaborado pelo PLAMBEL um plano para a melhoria da drenagem na região central. Corroborando o que foi dito acima, entre outras coisas o relatório afirmava que,
“é fácil verificar que a urbanização ocorrida na bacia do Arrudas foi superior à prevista na época da construção do canal. Assim, as vazões máximas às quais está sujeito o canal ultrapassam a capacidade de escoamento. Isto deve-se, em primeiro lugar, ao fato de que havendo maior área urbanizada, há maior área impermeável: em segundo lugar, ao fato de que o aumento do índice de impermeabilização e de canalização na bacia, provoca a diminuição de seu tempo de concentração e eleva as vazões de pico”. (Plambel, Drenagem Urbana na área Central, 1975).
Outro fator apontado pelo Plambel era a deficiência das redes coletoras existentes e mesmo a faltas delas em alguns pontos da capital. Esse escoamento precário persiste até os dias atuais, e as águas pluviais todos os anos proporcionam o mesmo espetáculo da transformação de ruas e avenidas em verdadeiros rios.
Voltando ao caso do Arrudas: para tentar minimizar o problema a Prefeitura demoliu diversas pontes que estrangulavam o ribeirão em vários trechos da capital. Essa medida melhorou sensivelmente o escoamento das águas, não resolvendo o problema das inundações.
Na década de 80 iniciam-se as obras de alargamento do canal do Arrudas no trecho compreendido entre a Avenida Tereza Cristina e a Ponte do Perrela. Posteriormente a canalização foi estendida a montante até o cruzamento da Avenida Amazonas na Gameleira e a jusante desde a Avenida do Contorno até a Avenida Silviano Brandão, na confluência com o córrego da Mata. A canalização do Arrudas e a urbanização do seu entorno extinguiu diversas favelas que existiam ao longo do seu curso e que sofriam com as cheias do ribeirão.
Final da antiga canalização do Arrudas em 1983 na Ponte do Perrela. Ao lado da ponte é possivel ver os emissários de esgotos construídos nas décadas de 1910 e 1920 que despejavam os esgotos da capital in natura no ribeirão. A imagem data do inicio de 1983 após a grande enchente de 02 de Janeiro de 1983 que arrasou com a antiga ponte da Avenida do Contorno.
Fonte: Acervo Plambel
Favelas da Baiana e União que se localizavam às margens do ribeirão. Elas se localizavam em parte da área hoje ocupada pelo Boulevard Shopping.
Fonte: Acervo Plambel
Mapa confeccionado pelo Plambel onde está sinalizado em vermelho as áreas atingidas pela enchente de 1983. A área acima corresponde as Favelas citadas na imagem acima. As águas do Arrudas, canalizadas até as proximidades das Favelas aumentaram ainda mais o poder de destruição.
Fonte: Acervo Plambel
Ônibus arrastado para dentro do Ribeirão Arrudas na enchente de 1983, nas proximidades da Avenida Barbacena.
Fonte: Acervo Veja
Na década de 90 a canalização foi estendida desde a Gameleira até as proximidades da confluência do Córrego do Ferrugem, uma das principais drenagens da cidade de Contagem. A canalização desse trecho foi sub-dimensionada sendo as enchentes freqüentes até os dias atuais. Com a canalização grande parte dos problemas decorrentes da precária urbanização que existia ao longo do ribeirão foi resolvida, porém um possível erro ocorrido ao se calcular a vazão do ribeirão nos períodos chuvosos é aceitável.
É importante ressaltar que nessa intervenção foram removidos do entorno do ribeirão diversos aglomerados e desapropriadas uma grande quantidade de imóveis ribeirinhos. O grau de urbanização das vertentes do ribeirão, além dos córregos do Cercadinho, Bonsucesso e Ferrugem entre os anos de 1996 e 1998 quando foi empreendida a vultosa obra já era notória e certamente poderia ter sido dada uma maior atenção a essa urbanização devido a grande impermeabilização das vertentes que escoam com rapidez as águas para o ribeirão. A canalização do Arrudas na região do Barreiro e o crescimento urbano também contribuíram para o aumento da vazão do ribeirão.
Uma coisa deve ser lembrada: as áreas mais baixas e os fundos de vale sempre estarão sujeitas às inundações devido ao caminho natural das águas. Os Engenheiros sempre procuram impor um limite para os cursos d’água que atravessam o meio urbano. Mesmo canalizados ou cobertos os córregos³² e os ribeirões em algum momento desconhecerão os limites impostos pelos homens, suas águas vão reivindicar o que é seu por direito e a população continuará pagando o preço pelo mau planejamento por parte do Poder Público. E, infelizmente a tendência é só piorar, pois com o constante crescimento urbano de Belo Horizonte a impermeabilização é cada vez maior, o calor é cada vez maior e a evaporação também é maior, ou seja, as probabilidades de temporais mais frequentes na capital só irá aumentar nos próximos anos caso não se tome medidas necessárias e não tão complexas para melhorar o escoamento das águas e permitir uma maior penetração no solo.
Ribeirão Arrudas nas chuvas de 1987 no local em que está sendo coberto o ribeirão para a execução da 3ª etapa do Boulevard Arrudas.
Fonte: Acervo Manuelzão e Corpo de Bombeiros
Córrego do Ferrugem no ano de 2011 em dois momentos distintos: à esquerda ano mês de Setembro com sua vazão mínima e no mês de Novembro com a sua desembocadura obstruída devido a elevação das águas do Arrudas.
Fonte: Foto do Autor
A confluência dos dois cursos d'água também no mesmo período da imagem acima.
Fonte: Foto do Autor
Córrego do Bonsucesso com a sua vazão normal e à direita represado devido ao aumento do volume d'água do ribeirão Arrudas.
Fonte: Foto do Autor
Córrego do Cercadinho na altura da confluência com o Ribeirão Arrudas em 2011.
Fonte: Foto do Autor
Córrego do Acaba Mundo em 1999 na Rua Grão Mogol.
Fonte: Foto do Autor
Ribeirão Arrudas nas chuvas de 2002 na altura do cruzamento das Avenidas do Contorno e Barbacena. Nesse mesmo local acaba de ser finalizada a segunda etapa do Boulevard Arrudas.
Fonte: Foto do Autor
Enchente do Arrudas na Avenida Tereza Cristina na virada de 2008/2009.
Fonte: Portal UAI/EM
Enchente na Avenida Silva Lobo. Sob a Avenida está o Córrego das Piteiras.
Fonte: Desconhecida
Ribeirão do Onça nas chuvas de 2010, na altura do bairro Ribeiro de Abreu.
Fonte: Portal UAI/EM
Enchente do Ribeirão do Onça na Avenida Cristiano Machado em 2010.
Fonte: Portal UAI/EM
Cheia do Ribeirão Arrudas nas chuvas de Dezembro de 2011.
Fonte: Foto do Autor
* Impressiona o pesquisador a falta de critério em relação aos nomes dos cursos d’água da capital. Com exceção dos córregos que atravessam a área planejada dentro dos limites da Avenida do Contorno os outros cursos d’água existentes, na sua maioria, constam nas cartas confeccionadas pela Prefeitura como “sem nome” ou com os nomes trocados. Muitos deles aparecem com dois ou três nomes ao longo do seu curso, adotando sempre o nome das ruas ou avenidas que existem sobre ele. Se o curso d’água não deixou de existir não justifica, propositalmente, trocar o seu nome ou simplesmente esquecê-lo, lembrando que grande parte das denominações dos córregos foram dadas há pelo menos cento e cinquenta anos, em conformidade com a tradição portuguesa na escolha dos nomes (Toponímia). Atualmente se encontram disponibilizadas em meio digital as cartas e plantas cadastrais de Belo Horizonte, inclusive as confeccionadas pela Comissão Construtora no final do Século XIX. Isso facilitou o acesso a estes documentos evitando assim algumas burocracias perante os órgãos detentores das plantas e cartas citadas. Poucas horas de pesquisa são suficientes para corrigir todos os lamentáveis equívocos que se vê nas cartas atuais das sub-bacias de Belo Horizonte e região.
¹ Uma dessas enchentes data de 09 de Janeiro de 1900 na qual se registraram diversas mortes e desabamentos causados pelo aumento do nível das águas dos cursos d’água. Diversos curralenses que foram testemunhas dessa enchente afirmaram na época que nunca viram uma enchente dessa magnitude no arraial. As fotos publicadas no decorrer do artigo são uma pequena parte das inúmeras inundações que atingiram (e ainda atinge) Belo Horizonte ao longo das décadas.
² Belo Horizonte apresenta algumas características físicas que aumentam ainda mais a velocidade e o poder de destruição das águas: suas vertentes apresentam na sua maioria uma grande declividade. Mesmo profundamente modificadas pela ocupação urbana e abertura de vias algumas dessas vertentes ainda apresentam declividades consideráveis; o bairro Santo Antônio, localizado na margem direita do córrego do Leitão e o bairro Grajaú, localizado na margem direita do córrego das Piteiras são bons exemplos dessa declividade que existe em várias regiões da capital. As alterações morfológicas do terreno promovidas pelo homem não amenizou os problemas causados pelas enchentes, na verdade essas alterações modificaram profundamente o curso natural das águas, a meu ver as tragédias que se vêem todos os anos em Belo Horizonte só têm um culpado: as sociedades modernas, que ainda não aprenderam (ou desaprenderam) a conviver em harmonia com o meio.
³ Segundo alguns relatos, nas enchentes desciam pelo ribeirão na região central desde geladeiras, sofás, até toras de madeira e latas de óleo carregadas dos postos de gasolina da Avenida do Contorno.
³¹ É sempre bom lembrar que os Ribeirões Arrudas e do Onça são as principais drenagens de Belo Horizonte. A quase totalidade dos cursos d’água existentes na capital vertem para esses dois cursos d’água.
³² Ainda veremos por muitos anos a Avenida Prudente de Morais e Rua São Paulo (Leitão), Avenida Francisco Sá e Rua Jaceguai (Pintos), Avenida Silva Lobo (Piteiras) Avenida Tereza Cristina (Arrudas) se transformarem em verdadeiros rios nos períodos chuvosos, que na verdade correm por baixo dessas vias construídas nos fundos de vale da capital. Citei apenas uma pequena parte dos cursos d’água de Belo Horizonte, existem muitos outros espalhados (e enterrados) pela capital que também se transformam em verdadeiros rios nesse período.