Rua Timbiras, 1967.
Acervo APCBH/ASCOM
"A cada golpe, caía por terra um pedaço da tradição belorizontina, imolada antes as exigências irresistíveis do progresso". Revista Três Tempos, 1962 (Corte dos Fícus da Praça Sete).
A citação acima soa de maneira atual, uma vez que o corte diário de árvores em Belo Horizonte nos últimos anos (e a não substituição) vem atingindo níveis absurdos, no
entanto foi dita há quase seis décadas atrás, no fatídico ano de 1963 que pode
ser considerado como o início da erradicação dos elementos naturais da paisagem
urbana de Belo Horizonte, uma vez que a massa vergel e as águas urbanas se encontravam em rota de
colisão com o modelo urbano adotado na década de 1930.
A década de 1960 foi emblemática para a capital
mineira, que atingiu o seu primeiro milhão de habitantes no ano de 1967 em meio
a uma reforma urbana intitulada Nova BH
66, um programa que "oficializou" o rompimento entre a sociedade e o meio, que cedeu o seu espaço, controlado ou não, para os ideais rodoviaristas que
protagonizavam desde a década de 1950 as políticas urbanas de Belo Horizonte,
ressaltando que as mudanças paisagísticas não se resumem apenas à pressão
rodoviarista, em uma cidade que se verticalizava na mesma velocidade em que o
seu tecido urbano se expandia para todos os lados.
Corte dos Fícus na Praça Sete, 1962.
Fonte: Revista Três Tempos
O corte dos Fícus da Praça Sete em julho de 1962 deu início a derrubada
maciça das árvores no município, então com cerca de 750.000 habitantes. No
ano seguinte os Fícus foram novamente vitimados pela lei do machado na Avenida Afonso Pena e em outras vias, assim como
os cursos d’água, que começavam a desaparecer da paisagem urbana da capital a
partir das obras que tinham como um dos objetivos o alargamento das vias, ou
seja, preludio do que viria após o golpe de 1964 que acabou cassando o
prefeito Jorge Carone e o seu vice Jair Negrão de Lima, assumindo Oswaldo Pieruccetti, cuja gestão lançou o programa de reforma urbana Nova BH-66.
O Nova BH 66, nascido de uma parceria entre a Prefeitura e a Escola
de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, foi criado com o objetivo
de realizar a melhoria da infraestrutura urbana de Belo Horizonte, que já se
encontrava em uma situação de extrema gravidade, dando sinais de colapso desde
a década de 1950. Em meio a quase um milhão de habitantes, a capital
apresentava problemas de toda ordem, desde córregos poluídos e esgotos
transbordando até a questão da mobilidade e da segurança, com a população construindo
muros e grades para se abrigar da crescente violência urbana, ao mesmo tempo em
que os abastados iniciavam a “fuga” da zona planejada. Dentro dos objetivos
propostos estavam as bases do projeto:
- A canalização, cobertura e alargamento dos canais de diversos cursos
d’água.
- O asfaltamento dos logradouros, estreitamento
das calçadas, abertura de novas vias e o abastecimento de água.
Caminhada sobre um curso d'água canalizado.
Acervo APCBH/ASCOM
Não é à toa que Belo Horizonte, antes aclamada
pelo seu clima fantástico e águas límpidas, local singular para o tratamento de
doenças respiratórias, tornou-se uma cidade que vitimava a sua própria
população com doenças transmitidas pela água e pelo ar.
O engenheiro civil Luís
Gonzaga de Sousa Lima, assumindo uma cidade mergulhada no caos, suspendeu
grande parte das obras do Nova BH 66, dando prioridade apenas para as
canalizações e coberturas iniciadas no ano anterior. A reestruturação administrativa
iniciada por ele afetou também as obras de captação do rio das Velhas, visto que o DEMAE teve suas verbas reduzidas durante a gestão
(1967-1971).
Obras de alargamento das alamedas da Praça da Liberdade.
Acervo APCBH/ASCOM
Avenida João Pinheiro, 1967/1968.
Acervo APCBH/ASCOM
No entanto, o estrago
causado pela reforma urbana já estava consolidado e a lei do machado e do rolo
compressor continuou a imperar na capital. Souza Lima realizou ainda o
alargamento das alamedas da Praça da Liberdade à custa do corte dos Fícus, o corte das árvores da Avenida João Pinheiro e "oficialmente" converteu os rios urbanos em emissários de esgotos, ao vislumbrar
nas águas encaixotadas a “solução” para o problema sanitário de Belo Horizonte,
ao esconder por alguns quilômetros a sujeira debaixo do tapete betuminoso¹.
Desde então, o verde ficou confinado nas praças, parques e vias que conservaram
sua arborização ou receberam árvores a partir da década de 1970,
restringindo-se ainda a bacia do ribeirão da Onça/Izidora, guardiãs dos últimos
remanescentes vergéis do município, ao mesmo tempo em que as águas passaram a correr sob os pés dos novos curralenses, a partir da ininterrupta cobertura da rede hidrográfica.
Enfim, à custa de
propagandas maciças e de atitudes vistas por muitos como imprescindíveis para a
continuidade do "progresso", a urbe mineira nunca mais voltou a ser a bela e
afamada cidade vergel nas primeiras décadas, devido a imposição de um modelo
que contribuiu ainda mais para a ruptura entre a cidade e o meio.
Cidade Vergel, década de 1930.
Acervo BN
A frondosa arborização da Avenida João Pinheiro no
início do século XX.
Acervo Museu Imperial
*Referência do texto: BORSAGLI, Alessandro. Sob a sombra do Curral del Rey: alcunhada Bello Horizonte, v.2. São Paulo: Clube de Autores, 2017.
**Recomendo acompanhar a página "Arvores cortadas Belo Horizonte" no Facebook para compreenderem a dimensão da questão.
¹ Rios invisíveis da metrópole mineira, 2016.