Belo Horizonte é uma
cidade que nasceu sob os escombros do velho arraial do Curral del Rey, tido
pela Comissão construtora da Nova Capital (CCNC) como não merecedor do sítio
que habitou por quase dois séculos. O verde e o líquido elemento, que fazia
parte da paisagem do arraial, foram considerados elementos imprescindíveis para
a nova capital, que com sua racionalidade deveria controla-los dentro da cidade
rígida e inflexível.
Dentre os espaços
públicos criados para concentrar o elemento vergel dentro da urbe estava o
Jardim Zoológico, planejado pela CCNC no ano de 1895 para ocupar a porção de
uma parte do interflúvio que separava as microbacias dos córregos do Mendonça e
do Zoológico, coincidentemente (ou nem tanto, pois cabeceiras e fundos de vale
sempre foram elementos importantes na divisão de propriedades, territórios
etc.) parte dos limites das Fazendas do Capão e Leitão, desapropriadas no ano de
1894 para a construção da capital, que também divisavam com terrenos devolutos.
Ressalta-se ainda que o córrego do Zoológico certamente era um curso d’água sem
nome quando da chegada da CCNC ao arraial (1894), recebendo posteriormente o
nome que carrega até a atualidade.
O Zoológico projetado
pela CCNC ocuparia seis quarteirões na zona urbana dentro da Avenida do
Contorno, tendo como limites as ruas rio de Janeiro, Emboabas (Antônio Aleixo),
Fernandes Tourinho e Bahia, em local que inicialmente ficou de fora da primeira
ocupação urbana da nova capital, e consequentemente o Zoológico não foi
construído.
Preservada nas suas
devidas proporções até a década de 1920, a área acabou por se tornar valiosa
dentro dos planos erários de uma cidade que vivia do repasse do Estado, que por
sua vez indicava os prefeitos da capital. A área original do Zoológico, que
abrangia cerca de 110.000 metros quadrados, foi reduzida para cerca de 35.000
metros quadrados com a abertura de quatro quarteirões que não existiam na
planta original.
A área que permaneceu
desocupada correspondia às cabeceiras do córrego do Zoológico, que passou por
profundas modificações entre os anos de 1928 e 1930, uma vez que o pequeno
curso d’água foi canalizado e coberto em toda sua extensão, e as cabeceiras arrasadas
para receber um parque.
Perspectiva da área reservada para o Jardim Zoológico (1895) e a área destinada ao Parque Santo Antônio (1928) nas respectivas plantas de Belo Horizonte. Obras de canalização e terraplanagem das cabeceiras do córrego do Zoológico nos anos de
1928/1929, no momento em que o bairro Santo Antônio/Lourdes se encontrava
em urbanização. À direita a Rua Espírito Santo.
Acervo MHAB
Perspectiva de uma parte da vultosa movimentação de terra na área destinada
ao Zoológico/Parque, 1928. ao fundo a Rua Antônio Aleixo.
Acervo APM
Por parte do poder
público, pouco se fez na primeira metade da década de 1930, período de turbulência
política no país e no Estado de Minas Gerais. No entanto, a partir do ano de
1935 a cidade se tornou novamente um canteiro de obras capitaneado por
Octacílio Negrão de Lima, prefeito indicado pelo interventor estadual Benedito
Valadares. A área do ex zoológico e do parque em projeto, parcialmente terraplanada,
era então vista como um lugar insalubre e problemática dentro de uma área nobre
recém ocupada, e tornou-se prioridade de uma administração que, assim como as
demais e as atuais, se preocupava prioritariamente com a porção da cidade
dentro da Avenida do Contorno.
Alinhada à política
promovida por Getúlio Vargas, que incentivava o desenvolvimento do lazer para a
população dos centros urbanos (a construção da Represa da Pampulha também atendeu
a tais objetivos), a prefeitura deu início à construção do Parque Santo
Antônio, batizado com o nome de um bairro que então englobava as terras do
projetado Zoológico, atualmente “empurrado” para os limites da Contorno por
motivos óbvios.
Ao mesmo tempo em que a
PBH dava sequência a construção do Parque, que atenderia aos moradores da
cidade, ou de pelo menos uma parte dela, um grupo de belorizontinos buscava um
local para fundar o seu clube, vislumbrando no Parque Santo Antônio e em sua
piscina olímpica, obra que capitaneava as propagandas oficiais do período, o local ideal
para a concretização dos seus planos, observando que entre outros pormenores,
certamente a posição geográfica do local dentro de uma cidade altamente
segregacionista e elitista foi um dos fatores preponderantes para a escolha.
Com as obras do parque
finalizadas a área acabou arrendada mediante concorrência pública (Relatório
PBH 1935-1936 p.63) para o Minas Tênis Clube, que pouco tempo mais tarde
construiu a sua sede em estilo Art Déco.
Nesse contexto, duas
coisas chamam a atenção do pesquisador: a primeira é o fato de uma espaço público
ter sido rapidamente convertido em um espaço privado, cujos frequentadores
figuravam como os mais abastados da capital, ou pelo menos alguns deles procuravam manter as
aparências para frequentar espaços "vedados" à população de menor poder aquisitivo.
Em segundo lugar, de acordo com o relatório de Negrão de Lima, o
Parque foi arrendado mediante concorrência pública, no entanto, de acordo com a
dissertação da historiadora Marilita
Aparecida Arantes Rodrigues sobre a história do Minas Tênis Clube (1996,
p.63-65) o Parque já havia sido previamente prometido à sociedade pelo prefeito, ressaltando que o arrendamento, ao que tudo indica, durou cerca de quatro anos, de acordo com relatos que se encontram na interessante pesquisa.
Abaixo uma parte do texto que pode ser consultada neste LINK:
“Para assegurar o êxito do empreendimento, resolvi colher
pessoalmente as reservas de cotas, pois muitas pessoas achavam improvável
manter um clube sem a renda que, na época, somente o futebol assegurava.
Examinávamos alguns terrenos para a construção do nosso clube, quando o
Prefeito Otacílio Negrão de Lima, preocupado em urbanizar a área de Santo
Antônio, deu início à construção da piscina olímpica, que seria complemento de
um parque público.
Ocorreu-nos, então, a
possibilidade de instalar o nosso clube no parque Santo Antônio e para isto
solicitamos uma audiência ao Prefeito, que teve a gentileza de receber uma
comissão nossa, à noite, em sua residência. Faziam parte dessa
comissão: Eu, Dr. Necésio Tavares e alguns dos seus liderados, Desembargador
Walfrido Andrade, Dr. José Mendes Júnior, Dr. Esmeraldo Borges, Gamaliel Suaris
e Adalberto Veloso de Carvalho.
O Dr. Otacílio nos ouviu
atentamente, fez várias indagações sobre a finalidade educativa do nosso clube
e terminou nos garantindo o arrendamento, assim que terminassem as obras da
piscina e quadras esportivas.
Assim, no dia 15 de
novembro de 1935, era fundado o Minas Tênis Clube, nos salões do Automóvel Clube,
assumindo a presidência o Dr. Estevão Pinto, secretariado pelos Senhores Dr.
Sady Laborne e Dr. Hélio Tavares, sendo considerados sócios fundadores do clube
os 200 primeiros sócios que assinassem a ata de fundação.
No dia 7 de janeiro de
1937, foi ultimado o contrato de arrendamento e no dia 7 de junho do mesmo ano,
lançada a pedra fundamental. A inauguração do
Minas Tênis Clube se deu no dia 27 de novembro de 1937 e a solenidade de
inauguração realizada nos dias 27 e 28, assistida por milhares de pessoas,
jornalistas esportivos de todo o país e Presidentes de várias Federações, foi
um acontecimento empolgante. No dia 24 de
fevereiro de 1939, o então presidente do clube, Major Ernesto Dornelles,
conseguiu a rescisão do contrato de arrendamento da Prefeitura. Finalmente, em 22 de dezembro de 1967, o então presidente do
clube, Dr. José Mendes Júnior, obteve da Prefeitura a sua doação, por escritura
Lavrada no cartório do Dr. Abílio Machado, na qual o Clube se obrigava a ceder,
gratuitamente, suas instalações para promoções esportivas, culturais,
artísticas e recreativas patrocinadas pelo Governo do Estado, ou do Município,
quando solicitadas.”
Ainda a respeito desta questão, a historiadora Luciana Silva Schuffner, em sua dissertação defendida no ano de 2007 (p.57) realizou algumas observações sobre o processo de conversão de um espaço público para um espaço privado:
"O grupo que fundou o MTC era liderado pelo Dr. Necésio Tavares e pelo Dr.
Waldomiro Salles Pereira. A Prefeitura de Belo Horizonte doou, para a construção do clube, a
área onde seria construído um parque público, denominado Parque Santo Antônio, para a
população da cidade. Nesse local, a prefeitura já havia começado as obras para a construção
do parque esportivo. Assim, o MTC foi contemplado com as benfeitorias pagas com dinheiro
público:
Dessa forma, uma obra idealizada, inicialmente, como um espaço público de lazer,
construída com dinheiro público, passou atender interesses particulares de um grupo
interessado em construir ali um clube para os seus associados [...]. O processo de
nascimento do MTC mostra-nos que o sonho desse clube foi desenhado em um
grande quadro sócio-cultural, que possibilitou atender à vontade de um grupo da
elite política e econômica de Belo Horizonte, que se reuniu em torno de um objetivo da criação de um espaço para a prática esportiva como lazer. (RODRIGUES, 1997,
p. 485)."
Parte destinada aos jogos infantis, 1936.
Acervo APCBH
Perspectiva da piscina olímpica em construção, 1936.
Acervo APCBH
Página extraída do relatório de Octacílio Negrão de Lima, 1936, destacando o trecho referente
ao Parque Santo Antônio.
Acervo APCBH
Nesse período o espaço arrendado pelo Minas
Tênis Clube acabou ainda se tornando um ponto central nas visitas de Getúlio
Vargas a Belo Horizonte durante o Estado Novo (1937-1945), onde se promoviam
desfiles cívicos e demonstrações de esporte, principalmente da mocidade
belorizontina, ressaltando que o governo fascista no qual o Brasil se
encontrava (a ditadura de Vargas de fato foi fascista entre os anos de
1937-1939) enxergava a pratica de esportes como um importante elemento aperfeiçoador
e disciplinador, imprescindível para a formação do caráter da sociedade moderna, e ao que tudo indica em Belo Horizonte o clube se tornou no período o representante oficial da
política do Estado, onde predominavam os princípios da “eugenia e o aperfeiçoamento da raça” como se lê na propaganda abaixo, veiculada pelo Estado em agosto de 1939**.
O clube acabou tendo uma
participação importante para a plena ocupação do seu entorno, ao mesmo tempo em
que acabou se tornando um importante marco da paisagem urbana da capital
mineira, sendo “vendido” em matérias veiculadas na imprensa e em postais como
um importante elemento de uma capital que desde sempre buscou a modernidade,
ainda que, ao longo da história de Belo Horizonte, espaços inicialmente
destinados à população em geral, como o Zoológico e o Parque Santo Antônio
acabaram convertidos em espaços destinados a uma parcela dela. É sem dúvida um capítulo da história da capital que merece maior aprofundamento por parte dos pesquisador@s, ainda que Arantes Rodrigues, e principalmente Schuffner (cujos links se encontram no final do texto) já realizaram isso com grande relevância.
Propaganda veiculada pelo Estado na Revista Alterosa em agosto de
1939. Detalhe para os trechos "cultura e de aperfeiçoamento da raça"
e "grandiosa obra de eugenia e civilização", o que demonstra o
alinhamento social, político e cultural entre o estado e o governo federal
Acervo APCBH
Visita de Getúlio Vargas a Belo Horizonte, 1939
(inauguração do parque infantil)
Acervo Arquivo Nacional
Visita de Getúlio Vargas a Belo Horizonte, 13 de maio de 1940
(inauguração da Avenida do Contorno)
Acervo Arquivo Nacional
* O Autor gostaria de
ressaltar que possui respeito pela história do MTC, sabendo da sua
importância para uma parte da população de Belo Horizonte ao longo dos oitenta e cinco anos de existência. O que foi exposto no
presente artigo são fatos que se encontram em documentos da época (1895/1940),
ressaltando ainda que as informações aqui apresentadas se encontram registradas
nos relatórios dos prefeitos, revistas do período analisado, em trabalhos
acadêmicos e em acervos iconográficos que se encontram sob a guarda do APCBH e
do Arquivo Nacional.
** Recomendo a leitura da
dissertação da historiadora Marilita
Aparecida Arantes Rodrigues sobre a história do Minas Tênis Clube,
que realiza uma interessante abordagem sobre o papel do Estado no período (p.77-82), que
alinhado ao poder central agia em busca de um ideário político de eugenização
do Brasil, no qual as dependências do clube foram frequentemente utilizadas. A dissertação pode ser consultada neste LINK
*** Recomento a leitura da dissertação da historiadora Luciana Silva Schuffner, intitulada "O Minas Tênis Clube e o Estado Novo: moldando corpo e mente da juventude de Belo Horizonte (1935-1945)", uma pesquisa de grande importância que pode ser consultada este LINK
**** Links para ler com
atenção (clique nos links). Gostaria de observar que os links 2 e 3 saíram do ar após a publicação do texto. No entanto, os mesmos ficarão aqui disponíveis caso voltem ao ar:
Link 1
Link 2
Link 3