Parte da Planta de 1895 onde se vê em destaque o Córrego do Mendonça (01) e o Córrego do Zoológico (02). Sinalizado em azul está o local em que se abriu um desvio das águas do córrego no inicio do Século XX.
Conforme publicado no Artigo “Qualquer semelhança não é mera coincidência – os cursos d‘água que atravessam a capital” os córregos que atravessavam as áreas pertencentes ao arraial de Belo Horizonte e que foram incluídas nas zonas urbana e suburbana segundo a Planta Cadastral de 1895 foram ignorados pela Comissão Construtora da Nova Capital. A Planta elaborada não estava em concordância com o traçado dos cursos d’água que cortavam as ditas zonas dividindo, inclusive diversos quarteirões da zona urbana. A partir da década de 1920 os córregos da Serra, Leitão, Pastinho e Acaba Mundo foram retificados e canalizados em concordância com o traçado planejado de Belo Horizonte¹, primeiramente em canalização aberta. A partir dos anos 1960 eles foram revestidos e fechados, devido à necessidade de alargamento das vias por causa do aumento do fluxo viário e dos problemas acarretados pela poluição das águas. Os outros córregos que cortavam as zonas urbana e suburbana, em sua maioria foram também retificados e canalizados, porém revestidos e sobre eles foram abertas diversas ruas e avenidas. Podemos citar como exemplos os córregos do Gentio (Avenida Francisco Deslandes), das Piteiras (Avenida Barão Homem de Melo / Silva Lobo) e do Tejuco (Via Leste-Oeste).
Abordaremos nesse artigo o Córrego do Mendonça / Zoológico que faz parte da rede hidrográfica existente sob a capital. Posteriormente serão publicados outros dois artigos referentes aos Córregos do Pastinho e dos Pintos. Esses cursos d’água fazem parte de uma extensa rede hidrográfica que existia por toda a capital e que na sua maioria transformaram-se em condutores de esgoto ou foram extintos. Muitos cursos d’água tributários desses córregos também deixaram de existir devido a ocupação e impermeabilização de suas nascentes.
E porque estes córregos são malditos? Os córregos eram na verdade indesejados pela Comissão Construtora que os ignoraram ao projetar a Planta da Nova Capital. Muitos deles tinham as margens brejosas e pequenas lagoas em sua várzea, o que tornava em muitos casos a região insalubre para a ocupação. Para tornar as áreas adjacentes aos cursos d’água habitáveis e salubres era necessário vultuosos investimentos por parte do Poder Público além de uma dispendiosa mão de obra. Esse foi um dos principais motivos da ocupação inicial de Belo Horizonte ter sido propositalmente direcionada para a região central e parte do bairro Funcionários. Para que essas terras não permanecessem desocupadas as colônias agrícolas se instalaram nelas à partir de 1897 nos vales dos principais córregos, a saber: a Colônia Carlos Prates nos vales dos Córregos do Pastinho e dos Pintos, a Colônia Afonso Pena no vale do Leitão, a Colônia Adalberto Ferraz nos vales dos córregos do Gentio e Acaba Mundo, a Colônia Bias Fortes no córrego do Cardoso e a Colônia Américo Werneck no córrego da Mata. Anexadas a zona suburbana alguns anos mais tarde as ex colônias foram sendo sistematicamente loteadas e urbanizadas e os cursos d’água retificados e canalizados. E esquecidos, pois depois de canalizados e desviados do seu curso natural eles foram simplesmente “apagados” do meio urbano, lembrados somente nos períodos de chuva quando transbordam ou quando se faz necessária à intervenção para ampliação de galerias, reparos etc. Geralmente a população não tem noção de que ali havia um curso d’água “in natura” e muitos não conseguem compreender que um dia existiu um córrego no seu bairro. Belo Horizonte tem em seu município diversas micro-bacias. Atualmente para se conhecer os limites dessas bacias é necessário um estudo sistemático das Plantas antigas para se localizar com mais precisão o traçado dos cursos d’água pertencentes as tais bacias.
Córrego do Mendonça (01) na Planta Geodésica e Topográfica de 1895.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP; 1997.
O Córrego do Mendonça tem a sua nascente localizada na Encosta do Ilídio, na parte aonde onde se inicia a Rua Viçosa. Totalmente canalizado ele segue por uma parte desta rua, atravessa a área onde se encontra o Clube Mackenzie, segue pelas ruas Benvinda de Carvalho e Arturo Toscanini. Atravessando a Avenida do Contorno ele segue pela Rua Levindo Lopes e Antonio de Albuquerque juntando-se ao Córrego do Zoológico, que tinha a sua nascente localizada na área ocupada atualmente pelo Minas Tênis Clube. A partir daí ele segue pelas ruas Felipe dos Santos e Rio de Janeiro, indo desaguar no Córrego do Leitão no cruzamento das ruas São Paulo e Gonçalves Dias. Antes de ter suas águas desviadas o córrego do Mendonça, após atravessar a Avenida do Contorno seguia mais ou menos paralelamente as ruas Alagoas e Pernambuco, indo desaguar no Acaba Mundo nas proximidades do antigo Largo da Boa Viagem, centro do arraial do Curral del Rey. Por se um curso d’água de pouca vazão ele sequer foi cogitado para o abastecimento da nova capital. Ele apresentava um maior volume d’água somente nos períodos chuvosos, quando causava transtornos para a população de parte do bairro dos Funcionários. Na época do arraial provavelmente ele não causava contratempos para a população adjacente, pois a maior parte do seu entorno se encontrava desocupada quando do inicio da construção da nova capital no final do Século XIX. Devido ao problema que ocorria nos períodos chuvosos o seu curso foi desviado logo nos primeiros anos da nova capital, como se vê no relatório do Prefeito Bernardo Monteiro, datado de 1900:
“Para desviar as águas, que em epochas de grandes chuvas, invadiam a Rua Alagoas, parte das de Santa Rita Durão e Pernambuco, ocasionando grandes estragos, foi preciso, alem de outras providencias já tomadas, abrir na “Garganta do Ilídio” uma grande valla para lhes dar passagem da bacia do Capaosinhos para a do Leitão”.
Nos anos que se sucederam o desvio das águas do Córrego do Mendonça o restante do seu leito não sofreu alterações. Somente na década de 20 é que se inicia a ocupação sistemática das áreas adjacentes ao seu curso. Diante dessa expansão urbana a Prefeitura realizou nos últimos anos da década os serviços de canalização do Córrego do Zoológico (Mendonça) na Rua Levindo Lopes, segundo o relatório do Prefeito Christiano Machado em 1929:
“Este serviço foi feito a partir do ponto em que o córrego encontra a 1ª face da Avenida Contorno”. “A canalização foi conduzida por esta avenida ate a Rua Levindo Lopes e por esta ate a Rua Antonio de Albuquerque ligando-se ali a canalização já existente.”
Canalização do Córrego do Mendonça na Rua Levindo Lopes no final dos anos 20. Ao fundo a Rua Leopoldina, parte do bairro Santo Antônio e o bairro Sion em formação.
Fonte: APM
Canalização do Córrego do Zoológico nos terrenos do Minas Tênis Clube (Parque Santo Antônio) em 1929.
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Christiano Monteiro Machado, 1929.
Canalização do córrego do Zoológico e calçamento da Rua Rio de Janeiro, nas proximidades do cruzamento com a Rua Alvarenga Peixoto.
Fonte: APM
Pode-se observar que a canalização ocorreu somente nas áreas atravessadas pelo córrego dentro da Contorno. As áreas mais próximas da sua nascente localizadas na zona suburbana correspondente a parte dos bairros Santo Antonio e São Pedro foram ocupadas de fato a partir dos anos 50 sendo o córrego então canalizado ate as proximidades da sua nascente. Com o saneamento dos quarteirões correspondentes ao local onde se estabeleceria o Zoológico no inicio dos anos 30 o Córrego do Zoológico, que recebia grande parte das águas desviadas do Córrego do Mendonça foi também canalizado até a sua confluência com o Córrego do Leitão. Durante um período os Córregos do Mendonça e do Zoológico ficaram livres dos esgotos, apesar do crescimento urbano de Belo Horizonte ter se expandido para essas áreas. A partir de 1930 os emissários construídos para tal finalidade ainda suportavam a quantidade de efluentes gerados pela população. Com o vertiginoso crescimento a partir dos anos 40 eles se converteram em emissários de esgotos, pois o Poder Público não acompanhou o crescimento populacional no que diz respeito aos equipamentos urbanos.
Foto aérea de 1953 e 1956 respectivamente onde está destacado o leito do Córrego do Mendonça na área onde atualmente está o Clube Mackenzie e a Rua Benvinda de Carvalho. É importante lembrar que nos períodos chuvosos os quarteirões e construções edificadas sobre o leito dos cursos d'água costumam apresentar sérios problemas em decorrência do aumento do volume d'água no canal.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte: FJP. 1997.
Alargamento das galerias do Córrego do Mendonça na Rua Arturo Toscanini no final dos anos 60.
Fonte: APCBH/ ASCOM
Canalização do Córrego do Zoológico/Mendonça na Rua Rio de Janeiro.
Fonte: APCBH/ ASCOM
Canalização do mesmo córrego no cruzamento das ruas Rio de Janeiro e Antônio Aleixo.
Fonte: APCBH/ ASCOM
Nos anos 60 o canal do córrego foi reaberto com a finalidade de aumentar a sua galeria ao longo da Rua Rio de Janeiro até sua confluência com o Leitão. Desde então foram feitas apenas algumas manutenções periódicas em suas galerias. O córrego do Mendonça é o exemplo clássico de como os cursos d’água de menor importância para Belo Horizonte foram erradicados do meio urbano em prol do embelezamento da capital e do progresso. No caso a canalização do Mendonça foi realizada entre as décadas de 30 e 60 permitindo a abertura de quarteirões no seu antigo leito e a ocupação de uma parte significativa do bairro São Pedro.
Córrego do Zoológico em foto de 2008.
Fonte: Acervo SUDECAP
Manutenção das galerias do Córrego do Mendonça no ano de 2011 sob a Rua Congonhas.
Fonte: Foto do Autor
Traçado atual do Córrego do Mendonça/Zoológico e o antigo leito do Mendonça canalizado no bairro Funcionários.
Fonte: Google Earth
¹ Foram abertas três novas ruas quando da canalização do córrego do Leitão: Padre Belchior, Marilia de Dirceu e Bárbara Heliodora. Já o córrego do Pastinho foi canalizado de acordo com o projeto da Avenida Sanitária (Pedro II) elaborado no final dos anos 1920.
Muito maneiro, não sabia da existência dele, apesar de sempre ouvir do meu avo de Bh que tinha mais córregos do que minha geração sabia, uma dúvida: vc sabe a origem desse nome "Mendonça"?
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho de vocês! Não sabia sobre o Córrego do Mendonça e isso explica o motivo de diversos edifícios da parte baixa do St Antônio apresentarem problemas de umidade em andares térreos.
ResponderExcluirno funcionarios, na rua grao para, tem uma agua limpida que brota da rua, no meio do asfalto
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