Propaganda de lançamento do loteamento Cidade Nova em Agosto de 1966.
Fonte: Acervo Diário de Minas


     Os diversos periódicos que circularam na capital desde a sua construção são testemunhos do desenvolvimento urbano de Belo Horizonte e das mazelas trazidas pelo acentuado crescimento e metropolização a partir da década de 1950, período em que se caracteriza pela grande verticalização da área central, onde os edifícios residenciais e conjuntos se destacavam entre os edifícios comerciais e os velhos sobrados de tijolos, grande parte substituídos pelo concreto armado.
      O adensamento da área central foi motivo de criticas em vários segmentos da sociedade, que não via com bons olhos a construção de edifícios de uso residencial em uma área que deveria ser exclusivamente de comércio e de serviços, funções que a região central passou a exercer de fato no final dos anos 1920. Mas como o regulamento de construções feito alguns anos antes pelo Poder Municipal permitia a verticalização apenas na área central e restrito ao resto da zona urbana e adjacências, era natural que ai se instalasse os grandes condomínios residenciais que ainda existem alternados com o comercio e serviços. Uma verdadeira miscelânea de funcionalidades, como escreveu Sylvio de Vasconcelos em 1956:

Consequência do crescimento que tem caracterizado ultimamente, o movimento imobiliário de Belo Horizonte, principalmente voltado para as construções de apartamentos, em altura, passou a ser objeto do maior interesse a questão da chamada zona comercial e sua ampliação, porquanto só nela se permitem edifícios de vários pavimentos. Edifícios de apartamento não é comercio. É habitação, residência, e, portanto, tais obras, devem ser construídas em zona residencial e não comercial. Por um lapso do atual regulamento de construções da municipalidade (que, parece, não os previa) ficaram enquadrados no centro da cidade, sujeitos as mesmas determinações e regalias dos edifícios para fins exclusivamente comerciais”. 

    As imagens abaixo, retirados de diversos jornais das décadas de 1950 e 1960 mostram a propaganda feita para a venda dos apartamentos de alguns dos edifícios em construção da região central além da uma matéria, possivelmente paga, para o jornal Binômio sobre a construtora Hiron, então a “serviço do progresso de Belo Horizonte”. Aproveito para mostrar também duas interessantes propagandas, uma sobre o lançamento dos loteamentos Jardim das Alterosas e Cidade Nova, esse último no ano de 1966, onde a torneira jorrando água abundante é o retrato da situação em que se encontrava o abastecimento de água da capital na década de 1960, onde o caos urbano fazia parte do cotidiano dos belorizontinos. 
     É necessário muito cuidado ao analisar os inúmeros periódicos que circularam e circulam na capital, principalmente no período abordado, onde eram comuns as matérias pagas pelo Poder Público e pelos agentes imobiliários, que louvavam a “Cidade Oficial”, com todas as suas mazelas. Mas eles são o retrato de um momento em que a sociedade encontrava-se mergulhada no caos, enalteciam o asfalto e o concreto, assim como o petróleo, considerados então imprescindíveis para o pleno desenvolvimento da metrópole mineira.

Edifício Ouro Verde em propaganda de 1957.
Fonte: Acervo jornal O Binômio.

Loteamento Jardim das Alterosas no ano de 1955.
Fonte: Acervo jornal O Binômio.

Lançamento do edifício Monte Carlo em 1957.
Fonte: Acervo jornal O Binômio.

Lançamento do edifício Panorama em 1957.
Fonte: Acervo jornal O Binômio.

Edifício Paula Ferreira em 1957.
Fonte: Acervo jornal O Binômio.

Matéria do jornal O binômio sobre a construtora em questão no ano de 1957.
Fonte: Acervo jornal O Binômio.

Parte da Fazenda Gameleira e do Instituto João Pinheiro na década de 1910.
Fonte: APM

É sabido que o transporte ferroviário no Brasil está relegado a segundo plano por razões óbvias, que não abordarei aqui, basta observar que pululam veículos movidos a gasolina e a óleo diesel em nossas cidades e estradas.
A Estação Gameleira, uma das paradas das composições do Ramal do Paraopeba, construído na década de 1910 para a ligação direta entre a capital e a cidade de Conselheiro Lafaiete sem precisar fazer baldeação, antes necessária devido à bitola da linha encontrava-se abandonada desde 1996, com a extinção da Rede Ferroviária Federal e o arrendamento das linhas exclusivamente para o transporte de cargas.
Nos últimos anos o lastimável estado de conservação da estação chamava a atenção de uma parcela da população da capital e dos antigos usuários da linha, que vislumbravam um futuro nefasto para o edifício em ruínas. Surpreendentemente, no mês de Setembro teve inicio a troca do madeirame e a reforma do telhado do edifício visando à conservação do que ainda está de pé para a posterior reforma da estação para, ao que tudo indica abrigar a sede da Escola Livre de Circo.

Celas de lixo na Fazenda Gameleira em 1929.
Fonte: APM

Construção da ponte sobre o ramal da E.F.C.B. na década de 1940 na Gameleira.
Fonte: Desconhecida

O local em imagem do ano de 1953, destacando-se a Estação Gameleira.
Fonte: APCBH Gabinete do Prefeito.

A Estação em imagem do ano de 1985.
Fonte: Panoramio/GELASBRFOTOGRAFIAS Geraldo Salomão

A estação em ruínas no ano de 2012.
Fonte: Foto do Autor

A estação sem o telhado em Agosto de 2014.
Fonte: Foto do Autor

Troca do madeirame da estação em Setembro de 2014.
Fonte: Foto do Autor

A troca do madeirame concluída e parte do telhado em Outubro de 2014.
Fonte: Foto do Autor

Aproveito para divulgar o projeto Fazenda Gameleira elaborado pela turma do Micropólis, que propõe uma ressignificação de um dos espaços afetados pelas obras viárias que nunca cessam em Belo Horizonte, cuja estação se encontra inserida no projeto. É importante observar que o local onde se construiu a estação na década de 1910 fazia parte da Fazenda Gameleira, comprada pelo pelo Estado em 1908 na então zona rural de Belo Horizonte. Anterior ao Parque de Exposições a fazenda abrigou as celas destinadas ao lixo recolhido na capital durante as décadas de 1920 e 1930, até a criação do parque em 1938. Segue abaixo o texto do projeto:

"Fazenda Gameleira foi o projeto ganhador do concurso nacional de paisagismo ENEPEA. Elaborado por Micrópolis, coletivo de arquitetura de Belo Horizonte (www.micropolis.com.br), o projeto propõe a ressignificação dos espaços residuais resultantes das grandes obras viárias a que foi submetido o bairro Gameleira (região oeste de Belo Horizonte) ao longo dos anos, a partir da criação de uma rede de ações baseadas na economia solidária, na habitação cooperativa e na agricultura urbana. 
O projeto prevê a construção de um galpão-sede em torno do qual se organiza esta rede, gerida pelos moradores da cooperativa. Nos bolsões entre rodovias, hoje ocupados por grama, serão cultivados alimentos orgânicos que, depois de colhidos, serão transportados para o galpão-sede, onde se realizarão os processamentos, a estocagem e a compostagem e que também abrigará cozinha experimental, restaurante e café populares e escola. É dali que sairão os legumes, frutas e derivados, prontos para a distribuição em veículos da cooperativa, que se instalarão temporariamente no espaço público dos bairros do entorno, servindo como sacolões pop-up a baixo preço e ativando espaços hoje desprovidos de sociabilidade.
A história oficial da cidade nos conta que, na época da fundação de Belo Horizonte, o território da Gameleira abrigou fazendas-modelo do estado que tinham como objetivo o abastecimento da cidade. Já as micro-histórias nos revelam que espaços que um dia serviram como depósito de lixo na região foram transformados em praças pela pressão dos moradores e, hoje em dia, recebem plantações completamente independentes da ação do poder público. Fazenda Gameleira põe em relevo estes outros modos possíveis de vida e de organização do espaço, muitas vezes embaçados pela fumaça do progresso".





É de suma importância pensarmos em um novo modelo de cidade, onde se priorize as relações sociais, a ressignificação do espaço e o uso de transportes alternativos aos impostos pelo Poder Público e pelos agentes econômicos que visam apenas o lucro a qualquer custo, em detrimento aos interesses coletivos e à custa dos elementos naturais, visto até os dias atuais como invasores da urbe. Nesse sentido boas contribuições, reflexões e maneiras de se (re)pensar o espaço serão sempre bem vindas.


Aproveito para agradecer a Dona Olira e sua família pela excepcional recepção e pelos importantes esclarecimentos sobre a estação e suas belas histórias. A imagem do ano de 1985 divulgada aqui no blog é uma das únicas conhecidas do período. Os responsáveis pelas obras estão atrás de mais imagens da estação em uso, posteriormente será empreendida a reforma do edifício onde as imagens serão importantes para um restauro mais fiel. Segundo a família de Dona Olira que mora e cuida do local da estação existe algumas imagens que estão em poder de estudantes da Comunicação Social da PUC Minas, obtidas do acervo da família e nunca devolvidas, sob a alegação de digitaliza-las e entrega-las posteriormente para ilustrar um trabalho de graduação. Tal atitude por ser vista, no mínimo, como um furto não só a família dona das imagens mas a nossa própria história. 
Parte dos trilhos remanescentes do Ramal do Matadouro ao lado das antigas oficinas da Central do Brasil no Horto Florestal.
Fonte: Foto do Autor

     O Ramal Horto-Matadouro foi construído na primeira metade da década de 1930 pela Estrada de Ferro Central do Brasil (E.F.C.B.) com a finalidade de atender o Matadouro Modelo¹ recém-construído no bairro São Paulo, então a uma distancia considerável da zona central de Belo Horizonte e do Mercado Municipal. Nesse período o principal acesso ao Matadouro era a Rua Jacuí, ponto de partida da estada municipal para Santa Luzia, cujo inicio se dava no bairro Floresta. 
     O ramal, que tinha cerca de sete quilômetros de extensão partia da Estação do Horto Florestal, inaugurada em 1925 no local das oficinas da Central do Brasil, hoje pertencentes à MRS Logística. Seguia entre as ruas Gomes Pereira e Timóteo (D) e Rua Conceição do Pará (E), aberta sobre o córrego do Horto ou Santa Inês até a ponte da Rua Gustavo da Silveira (Estrada dos Borges), demolida quando da ampliação do metrô na década de 1990. A partir desse local o ramal passava pelo corte ainda existente logo abaixo da Avenida José Cândido da Silveira, seguindo ao lado da atual Rua Arthur de Sá (bairro União), aberta por partes no período da urbanização da região¹², passando inclusive a ocupar uma parte do leito ferroviário após a extinção do ramal. Nesse período o final da rua se dava no cruzamento com a Rua Pitt e o ramal seguia fazendo uma grande curva até a esplanada atravessada pela Rua Jacuí, principal ligação da sede o município com a região do Matadouro. Nesse trecho, atualmente ocupado pela Avenida Cristiano Machado o ramal seguia pelo lado direito da via, paralelo a Rua Jacuí, até os currais do Matadouro no bairro São Paulo (Ruas Andiroba e Joaquim Gouveia), onde se dava o termino da linha, ao lado do campo do Matadouro Futebol Clube. Paralelo ao ramal ferroviário se encontravam alguns empreendimentos industriais, como os depósitos da Esso e o Curtume Santa Helena, além de diversas fazendas, cujas terras seriam loteadas e urbanizadas nas décadas seguintes, com o crescimento da região nordeste da capital. 

Estação do Horto Florestal e oficinas da Central do Brasil em 1930. Desse local partia o ramal do Matadouro.
Fonte: Acervo Sr. Paulo Gabriel Alves

O ramal Horto - Matadouro em mapa de 1936.
Fonte: APM

      O ramal férreo inicialmente atenderia apenas ao transporte de gado, desde o entroncamento da linha de General Carneiro e do Ramal do Paraopeba, no caso após a Estação Central quando da transformação do ramal de Belo Horizonte em bitola mista até o Matadouro modelo, construído na região do povoado do Onça, a meio caminho da cidade de Santa Luzia. O ramal, nos anos seguintes passaria a atender o transporte de madeira e de combustíveis, observando que os armazéns da Esso Standard haviam sido construídos às margens da linha férrea e da Rua Jacuí. O gado destinado ao Matadouro seguia também pelas ruas ao longo do ramal, desde a Curva da Boiadeira no bairro São Geraldo¹³ onde existia um curral. 

O ramal e à esquerda a Rua Jacuí em mapa de 1937. A partir da Cidade Ozanan o ramal e a rua, antiga estrada municipal seguiam paralelamente até o Matadouro.
Fonte: Acervo MHAB

Armazéns da Esso na região da Cachoeirinha na segunda metade da década de 1950. Ao lado está a Rua Jacuí e o ramal do Matadouro, onde é possível visualizar parte de uma composição. Abaixo à esquerda parte do córrego da Cachoeirinha já poluído.
Fonte: Acervo IBGE 

Caminhões da Esso na Rua Jacuí no ano de 1956. À esquerda parte dos trilhos de ligação entre os armazéns e o ramal da E.F.C.B.
Fonte: APCBH/ASCOM

Imagem aérea do ano de 1953 onde se destacam o Ramal do Matadouro (E.F.C.B.), detalhes do trajeto e região adjacente.
Fonte: APCBH Gabinete do Prefeito

Parte do Ramal e adjacências e as instalações do Matadouro Modelo na Planta de 1953, confeccionada a partir do levantamento aerofotogramétrico realizado no mesmo ano. Na imagem é possível visualizar a Rua Jacuí e o final da linha férrea.
Fonte: Prodabel 

     O continuo crescimento urbano da capital a partir de 1945 fez com que a Central do Brasil implantasse os trens de subúrbio com trajeto desde Horto Florestal em 1953 e do Barreiro até o Matadouro a partir de 1957. É interessante observar que o subúrbio do Barreiro, operado pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA) era 100% urbano, visto que a composição só circulava dentro do município da capital, utilizando parte da linha do Paraopeba e dos ramais de Belo Horizonte, construído pela CCNC e do sub-ramal do Matadouro. 
     O ramal receberia dois anos mais tarde vultosos investimentos com a finalidade da eletrificação da rede, implementado nos anos seguintes. O ramal passaria a ter cinco paradas, duas estações terminais além de preço único das passagens, com trens que realizariam o percurso em menos de trinta minutos. Era um plano indesejado pelos concessionários de ônibus da capital, que ganhavam ano após ano mais força para defender os seus interesses, que iam claramente contra a incrementação do transporte ferroviário² e da implementação dos trólebus. Uma das supostas alegações contrarias a eletrificação do ramal era a necessidade da construção de muros isolando a linha férrea, um argumento no mínimo estranho visto que o serviço visava a melhoria da mobilidade da população de Belo Horizonte, que se encontrava a mercê dos precários ônibus, ressaltando que nesse período o serviço de Bondes estavam quase extintos e os Trólebus restritos a zona planejada e poucos bairros adjacentes. 

Mapa de 1955 onde se destacam os armazéns da Esso e o Matadouro, ponto final do ramal e a Rua Jacuí.
Fonte: Acervo do Autor

Prédio do Matadouro Modelo e Rua Jacuí na década de 1960.
Fonte: APCBH/ASCOM

Rara imagem do trem de subúrbio Barreiro - Horto Florestal - Matadouro na primeira metade da década de 1960 na Estação Horto Florestal, com a eletrificação da linha concluída.
Fonte: Acervo RFFSA

      O transporte coletivo da capital sob administração pública seria sucateado e extinto ao longo da década de 1960, em beneficio aos concessionários de ônibus, que passariam a controlar todo o serviço a partir da década seguinte. Os trólebus seriam extintos sob alegação do alto custo da energia elétrica, da topografia da capital e do traçado urbano. 
     A linha suburbana Barreiro - Matadouro teve a sua eletrificação concluída em 1962. Nos anos seguintes a queda na demanda dos trens era notável, visto que a ampla concorrência dos ônibus, incentivada pelo município e a promessa de um trajeto rápido sobre trilhos, eliminando as passagens de nível da capital nunca seria concretizada²³. Em 1968 a media diária de embarque na Estação do Barreiro era de quatrocentos passageiros. Nesse período o subúrbio passaria ter o seu termino no local denominado Posto 651, em frente aos armazéns da Esso. 

O prefeito Souza Lima às margens do poluído córrego da Cachoeirinha em 1967. Ao fundo os armazéns da Esso e à esquerda a linha férrea do ramal.
Fonte: APCBH/ASCOM

O ramal férreo Horto - Matadouro nos mapas de 1958, 1964 e 1970 respectivamente.
Fonte: Acervo MHAB

Imagem aérea do ano de 1967 onde se destacam os armazéns da Esso, a linha do subúrbio Barreiro - São Paulo e as instalações do Matadouro, agora às margens do Anel Rodoviário, inaugurado em 1963. Na imagem é possível visualizar a Rua Jacuí fragmentada e as aglomerações ao longo do córrego da Cachoeirinha e do ribeirão do Onça, provocada pela pressão urbana que marginalizaria as várzeas e parte das terras adjacentes aos rios urbanos de Belo Horizonte.
Fonte: APCBH

Parte do Ramal em imagem aérea do mesmo ano, onde é possível identificar a linha férrea e a Rua Arthur de Sá ao lado dela até o cruzamento da Rua Pitt. Parte do leito desse trecho (bairro União) encontra-se atualmente ocupado por diversas residências, comércios e por um campo de futebol, ao mesmo tempo em que o irregular traçado da rua, no trecho próximo a Rua Felipe de Melo mantém-se inalterado. A imagem mostra ainda uma parte do tecido urbano da região desaparecida com a abertura da Avenida Cristiano Machado na década de 1970.
Fonte: APCBH

    A diminuição dos horários de partida dos trens e a substituição pelo sistema diesel-elétrico eram os prelúdios do que aconteceria no ano seguinte. Em 1969 o subúrbio Barreiro - Matadouro seria extinto, sob a alegação de ser antieconômico. O subúrbio então passaria a correr até a Estação do Horto Florestal, trecho erradicado no inicio de 1994.  
     Nos anos seguintes à supressão do trecho do Matadouro seria inaugurada, mas nunca utilizada a variante entre o bairro São Paulo (Matadouro) e Capitão Eduardo para atingir as oficinas do Horto Florestal, com a finalidade de se diminuir os custos com o ramal de General Carneiro, mais oneroso desde a linha tronco e como parte integrante da Ferrovia do Aço, cujas reminiscências do desperdício ainda estão presentas na paisagem de Belo Horizonte e região metropolitana. O trecho Horto Florestal - Matadouro também fazia parte do projeto da Ferrovia do Aço, com um novo traçado a partir dos tuneis construídos sob a Avenida José Cândido da Silveira. Com exceção de um túnel, os demais seriam abandonados³, assim como o ramal alternativo, idealizado e construído pelo Departamento Nacional de Estradas de Ferro (DNEF), extinto em 1974 e pela RFFSA. Uma parcela do antigo ramal e da variante seriam ocupadas por pequenas favelas nos anos seguintes, ressaltando que a pressão urbana exercida na capital acaba por marginalizar tais locais, da mesma forma que aconteceu - e acontece, com as várzeas dos cursos d'água não canalizados.

O ramal na Carta de 1979, onde foi incluída a variante de Capitão Eduardo, atualmente ocupada por parte da Rua Padre Argemiro Moreira e por diversas casas.
Fonte: IBGE

Parte do trecho da variante Matadouro - Capitão Eduardo no bairro Belmonte no ano de 2012.
Fonte: Foto do Autor

Ponte férrea da variante sobre o córrego Gorduras no ano de 2012.
Fonte: Foto do Autor

    O crescimento desordenado da região nordeste de Belo Horizonte contribuiu para a ocupação dos terrenos pertencentes à RFFSA, de parte da Rua Jacuí e do próprio Matadouro no bairro São Paulo. No bairro União a faixa de domínio e o próprio leito da ferrovia seriam ocupados por diversas residências, bloqueando inclusive parte da Rua Arthur de Sá, no trecho paralelo ao antigo leito. A abertura da Via 710 irá dar novamente uma nova configuração à região, visto que parte das terras da RFFSA ocupadas pelas residências serão utilizadas na abertura da via. Serão 649 famílias que terão suas residências desapropriadas para a abertura da via³². 
     Do antigo sub-ramal do Matadouro restam a lembrança dos moradores da região e poucos vestígios na paisagem urbana, visto que o trem de subúrbio que corria no trecho aqui abordado foi erradicado há quarenta e cinco anos. Não é necessário dizer sobre a profunda mudança da região nas últimas décadas. Dos sete quilômetros do ramal existem atualmente cerca de trezentos metros de trilhos e alguns postes da eletrificação da linha. O restante dos trilhos foi suprimido ou se encontram escondidos sob o asfalto e sob algumas casas da Rua Arthur de Sá, construídas sobre o leito do antigo ramal. Grande parte dos cortes e dos aterros feitos para a passagem da linha desapareceram na ocupação urbana da região, assim como os dormentes. A identificação do traçado só foi possível graças à cartografia produzida pelo município entre 1936 e 1970, e pela visita in loco dos locais atualmente ocupados por parte dos bairros São Geraldo, Santa Inês, União e São Paulo³³, além do bairro Belmonte.

Estação Horto Florestal nos dias atuais.
Fonte: Foto do Autor

Parte remanescente do ramal do Matadouro na curva da Boiadeira.
Fonte: Foto do Autor

Parte dos trilhos enterrados no local, ao lado das oficinas da MRS.
Fonte: Foto do Autor

Postes da eletrificação do Ramal no bairro Vista Alegre. 
Fonte: Foto do Autor

Parte do leito e dos túneis construídos pela RFFSA no bairro Santa Inês.
Fonte: Foto do Autor

Rua Arthur de Sá no bairro União, seguindo pelo antigo leito do ramal. À direita parte do corte realizado quando da abertura do ramal.
Fonte: Foto do Autor

Parte da mesma rua, onde se vê o corte no barranco e à direita parte da drenagem que existiu sob a linha e restos de brita.
Fonte: Foto do Autor

O ramal Horto - Matadouro em imagem de satélite do ano de 2009.
Fonte: Google Earth

     A extensão da linha do Metrô para a região na década de 1990 acabaria por aproveitar uma parte do trecho do antigo ramal no bairro Santa Inês, construindo os tão indesejados muros e fragmentando parte dos bairros atravessados por ele. Um dos túneis construídos pela RFFSA passaria a ser utilizado pelo trem urbano, cujo crescimento da linha mais uma vez é adiada pelo Poder Público – nenhuma novidade visto que, se dependesse dos tubarões do transporte público, cuja parcela de culpa na extinção dos outros modais de transporte de Belo Horizonte e região metropolitana é conhecida por todos, construiriam mais uma linha do BRT no leito do metrô, pois o futuro segundo eles e o próprio Poder Público, é movido a diesel e não sobre trilhos. 

Previsão das linhas do Metrô em 1986. Destaque para o aproveitamento do trajeto do subúrbio Barreiro - Matadouro, nunca concretizado.
Fonte: Arquivo CBTU

Via 710, prevista para construção à partir desse ano (2014) e que irá aproveitar parte do leito do antigo ramal e terras adjacentes.
Fonte: PBH


* Publicado no primeiro volume do livro "Sob a sombra do Curral del Rey" com mais imagens e pesquisa mais detalhada.

**Recomendo a leitura do artigo “Benéficos ou Malditos? Os ramais férreos na história de Belo Horizonte”, publicado no ano de 2012. Recomendo também a excelente dissertação da historiadora Helena Guimarães Campos “Da Inclusão à Exclusão Social: A trajetória dos Trens de Subúrbio da região metropolitana de Belo Horizonte (1976 - 1996)”.

***Aproveito para agradecer ao Arquivo Público da cidade de Belo Horizonte e a Círlei Aparecida Rocha da Sala de Consultas do APCBH pela imprescindível ajuda na realização das pesquisas. Sem a disponibilidade do acervo sob a guarda do arquivo as pesquisas realizadas sobre o Ramal e mesmo sobre o desenvolvimento urbano de BH seriam incompletas, visto a profunda mudança espacial da capital nestes 116 anos de existência.

¹ O primeiro Matadouro da capital ficava nas proximidades do local atualmente ocupado pelo Boulevard Shopping no bairro Santa Efigênia, às margens do ribeirão Arrudas, este ainda corria em seu leito natural. Com a expansão urbana e a precariedade do antigo prédio, tornou-se necessária a construção de um nodo edifício, cujo local escolhido seria na região do Onça, nas terras pertencentes ao Sr. José Cleto Diniz. Para o transporte da carne existia um Bonde exclusivo para tal serviço, não aproveitado no novo Matadouro, visto que a linha de Bonde mais próxima do Matadouro terminava na Rua Jacuí, na Cidade Ozanan, cerca de dois quilômetros do novo Matadouro. 

¹² Segundo o Sr. Jairo, morador do bairro Boa Vista por essa rua passava os bois que vinham dos currais existentes às margens do ribeirão Arrudas, no bairro São Geraldo. Os bois eram transportados até as imediações das oficinas da E.F.C.B. no Horto Florestal, daí seguiam paralelamente a linha férrea do Matadouro, até os currais do bairro São Paulo. 

¹³ Informações fornecidas pelo Sr. Jairo, morador do bairro São Geraldo. 

² Jornal Diário da Tarde 10/06/1960, ”Movimento contra eletrificação é inspirado por concessionários de transportes coletivos”. 

²² Pode-se citar como exemplo das antigas passagens de nível deste ramal, a partir do Horto Florestal as ruas Conceição do Pará, Pitt e Angola. 

²³ Os túneis podem ser vistos no município de Sabará, sob a Serra do Curral e no bairro Capitão Eduardo, nas proximidades do antigo leito da E.F.C.B. de bitola métrica, hoje Rua Paulo Campos Mendes no bairro Ribeiro de Abreu. A variante aberta na região na década de 1970 foi ocupada quase na sua totalidade, com exceção de alguns metros dos aterros e cortes realizados no bairro Belmonte e proximidades. 

³ O que nos leva a questionar tais obras, pois precisamos principalmente de um transporte público - leia-se metrô, de qualidade, linhas mais extensas e carros mais modernos e rápidos. 

³² Aproveito para agradecer aos Sr. Jairo (Bar Sô Lazaro no bairro Boa Vista), Sr. Geraldo e Sra. Maria Rosa, moradores do bairro União, contemporâneos e usuários do subúrbio. Sem a ajuda deles teria sido impossível resgatar a memoria do “Subúrbio do Matadouro”, denominação usada por todos os entrevistados. Não esquecerei do semblante do Sr. Geraldo contando, com nostalgia, do barulho que fazia a locomotiva elétrica ao passar no local atualmente ocupado pela Rua Arthur de Sá ou do Sr. Jairo relembrando das boiadas que passavam ao lado da linha férrea em direção ao Matadouro. É uma pesquisa gratificante e um belo aprendizado.
     
Composição do Vera Cruz na Avenida do Contorno em Belo Horizonte, no ano de 1974. À direita casa residencial da praticamente extinta Rua Muriaé e ao fundo o Elevado Castelo Branco. O ribeirão Arrudas à esquerda, com a canalização realizada em 1940 chama a atenção do observador, no local coberto no final de 2010 para a "melhoria viária" da capital.
Fonte: Flickr/George Palmer Wilson-Landerson Egg

     É sabido que as ferrovias representam um capitulo a parte na história de Minas Gerais e de Belo Horizonte (recomendo a leitura do artigo “Benéficos ou malditos? Os ramais férreos na história de Belo Horizonte"). É indiscutível a importância que o transporte sobre trilhos representou e representa para o crescimento econômico e o desenvolvimento da capital mineira desde o final do século XIX, cujo prazo para a construção da nova capital só pôde ser cumprido graças a construção do ramal de Belo Horizonte desde General Carneiro, lembrando que a grande maioria dos engenheiros da Comissão Construtora haviam trabalhado anteriormente na Central do Brasil, cuja linha tronco ainda se encontrava em construção no período.
     Durante grande parte do século XX, as ferrovias seriam responsáveis não só pelo escoamento da produção industrial e mineral da capital e arredores, mas também do transporte de passageiros em viagens de longa ou curta distância, em uma cidade ainda fragmentada e sem uma plena ligação regular dos outros modais de transporte, cuja prioridade era o atendimento da zona planejada e alguns bairros adjacentes.
      A priorização dos investimentos na malha rodoviária estadual e municipal a partir da década de 1950 contribuiu decisivamente para a lenta agonia do transporte ferroviário de passageiros em Belo Horizonte e arredores¹, assim como as manobras politicas arquitetadas pelos grupos interessados em explorar o transporte coletivo do município, iniciadas no final da década de 1940, onde a população seria (e ainda é) a mais prejudicada. Tudo em prol da modernização do Brasil, cujas ideias foram erroneamente absorvidas pela população e repetidas em nossa sociedade até os dias atuais.

Estação Central de Belo Horizonte (E.F.C.B.) no inicio da década de 1960.
Fonte: Desconhecida

      A extinção da linha da E.F.C.B. Barreiro-Matadouro (bairro São Paulo) em 1969, sob justificativa de ser antieconômico e o corte da energia fornecida pela Cemig para o transporte ferroviário seria o inicio da supressão dos trens de subúrbio da capital mineira, que finalizaria no ano de 1996 com a extinção dos últimos trens de subúrbio operados pela RFFSA, no momento da privatização da malha ferroviária do país, cuja licitação abrangia apenas o transporte de carga. A partir daí o transporte público de Belo Horizonte e região metropolitana passariam a ser de responsabilidade dos concessionários, cuja influencia na politica municipal e mesmo estadual atrasam o desenvolvimento do transporte público, prejudicando inclusive o desenvolvimento urbano não somente do município, mas de todo o estado. Nesse contexto quem sairia perdendo (como sempre) seriam as camadas menos abastadas que dependem exclusivamente do transporte coletivo onde os trens, pelo seu baixo custo eram importantíssimos para a manutenção da vida diária dos trabalhadores.

Composição da E.F Vitória Minas em 1977 na Estação Central de Belo Horizonte.
Fonte: Flickr/Jorge Ciawlowski

Subúrbio de Rio Acima no cruzamento da Avenida Francisco Sales em 1978.
Fonte: Flickr/George Palmer Wilson-Alexandre Almeida

    As recentes imagens desse pequeno artigo nos lembram de que, apesar do concreto vertical e dos veículos movidos à gasolina e óleo diesel ainda figurarem como um dos protagonistas das politicas urbanas de Belo Horizonte, tal modelo desenvolvimentista adotado por aqui e por outros centros urbanos brasileiros já se mostrou inviável na prática, apesar de ainda ser defendido por indivíduos que lucram com as nefastas obras empregadas por aqui, e por pessoas engessadas que não conseguem vislumbrar um outro horizonte para a capital e para suas vidas. Assim como uma real melhoria do transporte coletivo as Ferrovias são o futuro para a mobilidade urbana de Belo Horizonte assim como as bicicletas², só depende da nossa insistência e da boa vontade do Poder Público para aplica-las e da participação, da conscientização e do respeito de uma grande parcela da população, que acredita que com tais modais de transporte estaríamos voltando ao século XIX. Então seria melhor voltarmos ao século XIX não?

Composição na Estação de Calafate/Carlos Prates em 1980. À direita a Estação Carlos Prates da Rede Mineira de Viação, demolida pouco tempo depois deste registro. Ao fundo o Viaduto da Rua Santa Quitéria.
Fonte: Flickr/Palmer

Estação do Calafate em 1980, também demolida.
Fonte: Flickr/Palmer

A mesma Composição e Estação em 1980.
Fonte: Flickr/Palmer

Trem de passageiros saindo da Estação Calafate em 1982, em direção a cidade de Conselheiro Lafaiete. A linha seria suprimida em 1989.
Fonte: Flickr/ Antônio Marques-Paulo Roberto Oliveira

Trem de Subúrbio entre as estações de General Carneiro e Sabará no ano de 1980.
Fonte: Flickr/Ramiro

A mesma composição em direção a Belo Horizonte.
Fonte: Desconhecida

Composição oriunda da Mina de Águas Claras no ano de 1977, no pátio da Lagoa Seca. Ao fundo a Serra do Curral.
Fonte: Flickr/ George Palmer-Alexandre Almeida

A composição saindo da Mina de Águas Claras em 1980.
Fonte: Flickr/Paulo Roberto de Oliveira

Pátio da Lagoa Seca em Maio de 1981. À direita parte do BH Shopping e ao fundo parte das vertentes do córrego do Cercadinho. Á esquerda a Seis Pistas. Atualmente o local está envolto por um muro de concreto dos dois lados.
Fonte: Flickr/Alexandre Almeida


¹ E em todo o Brasil.
² Esse discurso de que a cidade apresenta um relevo acidentado, não convidativo para o uso da bicicleta, ou que o clima não ajuda já se tornou no mínimo ridículo, sustentado por quem não quer sair do sedentarismo e da comodidade em que se encontra, além de ser economicamente ruim para muita gente, que lucra com a especulação sobre o automóvel, venda de combustível etc. Recomendo para quem acha que bicicleta é coisa do passado ou transporte de “pobre” procurar material a respeito delas, a tecnologia empregada e o seu uso em países cultuados pela maioria que nega o seu uso por aqui. 
Recomendo o site BH em Ciclo para se conhecer melhor o uso da bicicleta como transporte.

* Agradeço ao Sr. Johannes Smit pelas divulgação e disponibilização das belas imagens. 

Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

gif maker Córrego do Acaba Mundo 1928/APM - By Belisa Murta/Micrópolis