Perspectiva à jusante de parte do vale do córrego do Leitão, 1970.
APCBH acervo Sudecap

     Dentro da temática das paisagens pretéritas da região sul de Belo Horizonte, nessa postagem apresento a porção mais próxima das cabeceiras do vale do córrego do Leitão no ano de 1970. A imagem, pertencente ao acervo da Sudecap, autarquia fundada no ano de 1969 e guardiã de importantes informações sobre as intervenções fluviais e obras diversas na metrópole mineira, mostra uma porção dos bairros Santo Antônio (direita) e Vila Paris (esquerda), que se encontrava em urbanização, onde os edifícios e residencias unifamiliares dividiam espaço com as últimas propriedades rurais do vale do córrego do Leitão, destacando-se uma chácara na margem oeste do curso d'água, à direta da Avenida Arthur Bernardes, e as pequenas propriedades da margem leste, correspondente à porção compreendida entre as ruas Professor Aníbal de Matos, Guilherme de Almeida e Rua Pitangueiras, que se encontravam em processo de abertura no período. Destaca-se no local a propriedade que existiu até o ano de 1988, demolida para a construção de dois edifícios.

     Ao fundo à direita, é possível visualizar o antigo prédio da Fafich e as vias da zona urbana planejada correspondente ao bairro de Lourdes. À esquerda pode-se observar, entre vias, edifícios, colégios e a lavanderia Eureka, uma parte da Avenida Prudente de Morais já concluída, no trecho entre a Avenida do Contorno e Rua Joaquim Murtinho. Observa-se ainda um pequeno trecho da avenida, aberto em frente do colégio Sacré-Coeur de Jesus, onde o Leitão já corria sob a via, concluída no ano de 1972.

     A barragem do Leitão, posteriormente rebatizada de barragem Santa Lúcia, no ano de 1970 ainda se encontrava em vias de conclusão, uma vez que as obras haviam sido interrompidas na segunda metade da década de 1950. É possível visualizar o córrego do Leitão correndo dentro da barragem, onde anteriormente existiu uma cerâmica, além dos detritos gerados não só pela pequena indústria, mas também pelas movimentações de terras em suas cabeceiras, que nesse momento se encontrava em franca urbanização.

     Esse trecho é emblemático para o pesquisador, uma vez que o córrego, nesse local, dividia as terras das Fazendas do Capão e do Leitão, desapropriadas pela CCNC no ano de 1894. O trecho, quando do ano de desapropriação, abrigava uma casa, um engenho, cafezais e canaviais que pertenciam a Fazenda Capão.    

Córrego do Leitão, 1949.
Acervo APCBH/ASCOM


      Dando continuidade às "paisagens pretéritas" da porção sul de Belo Horizonte, a imagem de hoje remete ao ano de 1949, quando das obras de construção do sistema de drenagem do bairro Cidade Jardim, localizado na margem oeste do córrego do Leitão.
      
      A imagem, identificada e datada pelo autor que vos escreve, mostra o choque de elementos rurais e urbanos, uma clara persistência do rural no vale do córrego do Leitão, que durou até a década de 1960 (recomendo a leitura do artigo O vale do córrego do Leitão, escrito em 2011), ao mesmo tempo em que ações antrópicas já impactavam o leito de maneira notável. 
    
    À esquerda da imagem se encontra parte do bairro Santo Antônio, de origem agrícola, onde o córrego figurava como um elemento que não permitia a sua expansão de maneira regular. À direita parte dos bairros Cidade Jardim e Coração de Jesus, surgidos ao longo da Rua Conde de Linhares, um antigo caminho que ligava a região central aos sítios que existiam próximos a Barragem Santa Lúcia, que nesse momento se encontrava em projeto. É importante observar que a barragem foi construída a partir dos açudes projetados pela CCNC para a região agrícola da nova capital (recomendo a leitura do livro Rios invisíveis da metrópole mineira).

      O curso d'água, no ano de 1894, era o divisor de parte das fazendas do Leitão e do Capão, ao mesmo tempo em que suas amplas cabeceiras, espalhadas por um notável anfiteatro que servia de divisa com a Fazenda do Cercadinho e os terrenos devolutos da Lagoa Seca, foram desconsideradas para o abastecimento de água da nova capital. Observa-se que, no momento da imagem, o curso d'água se encontrava retificado e canalizado a partir da Avenida do Contorno, local onde se realizou o registro fotográfico, ao mesmo tempo em que a perspectiva obtida do local possibilita a visualização das cabeceiras e respectivas divisas rurais de um passado não tão distante no período (1949).   

Obras de abertura dos metros finais da Avenida Uruguai, 1980.
APCBH acervo SUDECAP

     Dentro da série "paisagens pretéritas", a imagem que ilustra este pequeno artigo retrata as obras de abertura, ou ligação, dos metros finais da Avenida Uruguai com a Avenida Bandeirantes no ano de 1980, cinco anos após o rompimento da barragem de retenção do Acaba Mundo, ocorrida em março de 1975. A Avenida, aberta sobre o canal do córrego do Acaba Mundo entre as décadas de 1960 e 1970, possibilitou a ligação com uma região que se encontrava em plena urbanização, ao mesmo tempo em que a cidade continuava a "subir a serra" em direção ao paredão da Serra do Curral, processo que se iniciara na segunda metade da década de 1960.

     Ressalta-se que a datação da imagem não foi realizada pelo Autor e sim pela empresa que executou os serviços fotográficos para a Sudecap, uma vez que o verso de uma parte das imagens pesquisadas se encontram carimbadas com a data do registro e a empresa responsável. 

       Na imagem a Serra do Curral emoldura a paisagem à montante do Acaba Mundo, onde é possível visualizar, entre as obras de urbanização e o barramento da pequena represa, convertida anos mais tarde em Praça JK, algumas residencias unifamiliares que não existem mais e edifícios em construção, no trecho correspondente ao cruzamento da Avenida Bandeirantes e Rua Engenheiro Caetano Lopes. 

     Esse trecho é emblemático na história da ocupação do perímetro delimitado pela Comissão de Estudos das Localidades para a Nova Capital no ano de 1893, adotado e ampliado pela Comissão Construtora da Nova Capital no ano de seguinte, pois se encontrava inserido nos vastos terrenos devolutos da Serra do Curral, um dos principais motivos (oficiais) que levaram a escolha do sítio estudado, uma vez que a existência de grandes extensões de terra públicas desobrigava o Estado de dispensar grandes quantias para a desapropriação do perímetro, ficando as desapropriações restritas ao arraial e as propriedades rurais que se encontravam dentro do perímetro.  
  
Obras de abertura da Avenida Raja Gabaglia, 1976.
APCBH acervo Sudecap

  No segundo artigo da série “paisagens pretéritas”, onde serão postadas, como uma espécie de prefácio para o mês de maio, algumas imagens das grandes alterações ocorridas em Belo Horizonte, mais precisamente em sua porção sul, mais uma vez a Avenida Raja Gabaglia é a protagonista, assim como as alterações promovidas no interflúvio Leitão/Piteiras, ocorridas a partir da abertura da Avenida.

  Nesse sentido, onde o ser humano adapta o meio de acordo com os seus interesses e necessidades, é possível observar em primeiro plano os cortes realizados para a abertura da via, trechos posteriormente removidos para a construção dos edifícios compreendidos entre a Avenida Barão Homem de Melo e Rua Amoroso Costa. Ao fundo uma parte do trecho publicado na semana passada e as cabeceiras do córrego do Leitão, fragmentadas pela avenida. Imaginem o quanto foi afetado os processos geomorfológicos no local, de declividade considerável e composição frágil.

  É importante observar que nesse trecho do corte se dava o contato das divisas das fazendas do Capão e do Cercadinho, desapropriadas pela CCNC no ano de 1894. Ao fundo à direita é possível visualizar o local do marco geodésico da Boa Vista, extremo sul do perímetro delimitado pela CCNC para a nova capital, sobre as quais  serão publicadas/disponibilizadas informações e outras coisas mais no mês de maio.


* Para os replicantes das imagens e integrantes ávidos de grupos de fotografias antigas & afins: citem por favor as fontes, pois é uma falta de respeito não só com os acervos que detém a guarda das imagens, mas também com todo o trabalho realizado pelo autor que vos escreve, pois, as imagens que ilustram os artigos e os livros são utilizadas para fins de visualização e compreensão das mudanças ocorridas na paisagem urbana de Belo Horizonte, obtidas nos acervos a partir de solicitações (e muitas vezes compradas de algumas instituições fora do Estado e de periódicos) e, em alguns casos, identificadas a partir de trabalhos que demandam tempo e $. Portanto, peço que tenham a fineza de reconhecer todo o trabalho que se encontra atrelado a elas, ressaltando que todas as imagens que foram e estão sendo divulgadas na série "Paisagens Pretéritas" foram obtidas a partir de uma solicitação de pesquisa realizada no ano de 2017, sendo até o presente momento inéditas na internet. 




Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

gif maker Córrego do Acaba Mundo 1928/APM - By Belisa Murta/Micrópolis