Parte da Planta Geodésica de Belo Horizonte do ano de 1895, onde se extraiu o trecho correspondente ao vale do córrego do Leitão, localizado na região centro sul de Belo Horizonte. 
Fonte: APCBH Acervo CCNC 



        Em Outubro de 1992 era tombado a nível municipal um dos únicos exemplares construídos no Século XIX ainda existentes na capital mineira, o casarão existente no Aglomerado Santa Lúcia. A “Casa da Fazendinha” ou simplesmente “Fazendinha” é um casarão existente no Aglomerado Santa Lúcia ou Morro do Papagaio, às margens da Barragem Santa Lúcia. Segundo consta no Guia de Bens Tombados de Belo Horizonte ele foi construído em 1894 para servir de residência, talvez para algum familiar ou mesmo para a família de Ilídio Ferreira da Luz, proprietário da Fazenda Capão, cujas terras abrangiam as cabeceiras do córrego do Leitão e o local onde se construiu o casarão. O estilo predominante no casarão era o eclético com influencia neoclássica, uma característica das primeiras construções da nova capital, nesse caso aplicada em um imóvel rural. 
      Segundo a Planta Geodésica do arraial de Belo Horizonte, confeccionada em 1895 pela Comissão construtora da Nova Capital as terras da Fazenda Capão passariam a integrar parte das zonas urbana e suburbana da nova capital, assim como as terras da Fazenda do Leitão, localizada na margem esquerda do córrego do Leitão, oposta à Fazenda do Capão. A vertente à direita do córrego do Leitão pertencia a Fazenda Capão, desde as suas nascentes até as proximidades da sede da Fazenda do Leitão, cujas terras abrangiam uma grande parte da vertente à esquerda do córrego. A divisa das duas fazendas se dava mais ou menos onde hoje está a Rua Joaquim Murtinho no bairro Santo Antônio. O fato de as terras estarem inseridas dentro da área destinada à ocupação urbana segundo a CCNC selou o destino das duas fazendas: iniciado o processo de desapropriação no final de 1894, no ano seguinte suas terras passaram a pertencer ao Estado, assim como as suas sedes e benfeitorias. 
       A Fazenda do Cercadinho, de propriedade de José Cleto da Silva Diniz abrangia as cabeceiras do córrego de mesmo nome¹ além de grande parte das suas vertentes, onde atualmente se encontram os bairros Buritis, Estoril, Havaí entre outros. A fazenda fazia limite com as fazendas do Capão e do Leitão, ao longo da crista onde hoje está a Avenida Raja Gabaglia, com a Fazenda Bom Sucesso e com o município de Nova Lima (então Villa Nova de Lima), na altura da Fazenda do Rabelo. Na porção sul ela fazia limite com a Fazenda do Calafate, que deu origem ao povoado de mesmo nome. As suas terras abrangiam também às nascentes do córrego das Piteiras ou Pau Grande, atualmente canalizado sob a Avenida Barão Homem de Melo. 
       Esse artigo visa a correção de um erro histórico que vem acontecendo nos últimos tempos por parte da imprensa local* informando que o casarão, um dos dois únicos edifícios remanescentes da época do antigo arraial pertencia a Fazenda do Cercadinho, além de trazer novamente a tona o propositalmente "esquecido" casarão. 
     É um erro afirmar que o casarão pertencia a Fazenda do Cercadinho, essa fazenda na verdade fazia limite com a Fazenda do Capão, cujas terras abrangiam às nascentes do córrego do Leitão e as terras localizadas em sua margem direita, onde se construiu o casarão. A Fazenda do Cercadinho foi desapropriada devido a inserção de suas terras na região estabelecida pela CCNC para os Sítios destinados ao abastecimento de viveres da nova capital, sendo que o córrego do Cercadinho, após a desapropriação da fazenda passou a ser utilizado como um dos mananciais responsáveis pelo abastecimento de água de Belo Horizonte, assim como o córrego da Serra. É bom salientar que o Cercadinho está na vertente oposta ao córrego do Leitão.

Planta da Fazenda Capão confeccionada em 1894 quando da sua desapropriação. Estão assinaladas na planta as cabeceiras do córrego do Leitão, os limites da fazenda do Cercadinho e a "Casa da Fazendinha", construída pouco tempo antes da desapropriação. 
 Fonte: APCBH Acervo CCNC

Planta da Fazenda do Leitão, também confeccionada para fins de desapropriação. 
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Planta da Fazenda do Cercadinho datada de 1894. À esquerda se vê a divisa com a Fazenda Capão e com a Lagoa Seca. Segundo o processo de desapropriação a Fazenda não abrangia as cabeceiras do córrego do Leitão nem a região denominada Lagoa Seca, considerada devoluta segundo a Lei de Terras de 1850. A Planta acima corrobora o processo ou seja, a Casa da Fazendinha do Aglomerado Santa Lúcia não pertencia a essa fazenda, apesar da sua contemporaneidade. 
 Fonte: APCBH Acervo CCNC

Parte da Planta Geodésica do arraial de Belo Horizonte em 1895, onde se sobrepôs o traçado planejado da zona urbana da nova capital. Em destaque estão a Fazendinha, os limites das duas fazendas em estudo, a sede da Fazenda do Leitão, atual Museu Abílio Barreto e a provável sede da Fazenda Capão, à margem da antiga estrada do Mutuca. Segundo a planta, a sede da fazenda estava inserida dentro da zona planejada, o que pode ter levado a construção da Fazendinha no vale do córrego do Leitão, cujo local nesse período apresentava uma distancia considerável da zona planejada. A Lagoa Seca figura na planta como uma das nascentes do córrego do Leitão. 
Fonte: APCBH Acervo CCNC 

     As Plantas acima, confeccionadas pela CCNC no final de 1894 confirmam o que foi escrito acima. A Fazenda do Cercadinho limitava-se as terras inseridas nos vales dos córregos do Cercadinho e Piteiras/Pau Grande, cuja divisa seria a crista da montanha onde se abriu a Avenida Raja Gabaglia na década de 70, ou seja, o divisor das sub-bacias dos córregos Piteiras/Pau Grande, Leitão e Cercadinho. Até meados do Século XX a morfologia do terreno era determinante na delimitação das propriedades, sendo que os marcos naturais (serras, montanhas, fundos de vale etc.) geralmente serviam como divisas entre as fazendas.    
     Ao analisar a Planta da Fazenda do Capão observa-se que já existia uma casa (sitio conforme a Planta) no local onde se encontra a “Fazendinha”, às margens do córrego do Leitão, cujo curso nessa época corria no seu leito natural, a Barragem Santa Lúcia seria construída oitenta anos mais tarde. Outra coisa que chama a atenção do observador é o fato de o curso principal do córrego a montante, um pouco acima da construção que figura nas Plantas seguir para sudeste, na mesma direção atualmente da Avenida Cônsul Antonio Cadar, construída sobre o córrego na década de 70. As curvas de nível desde o casarão, às margens do córrego até o vértice do Morro Redondo e o fato de existir uma construção no final da estrada da Fazenda, figurando tanto na Planta de desapropriação quanto na Planta Geodésica de 1895 corroboram a data de construção do casarão, provavelmente finalizado meses antes da instauração do processo de desapropriação. Como dito anteriormente, o casarão foi construído, possivelmente para abrigar um integrante da família proprietária da fazenda ou mesmo a família de Ilídio Ferreira da Luz, visto que a sede da fazenda, às margens da estrada de acesso ao Mutuca e do povoado do Olhos D’água estava inserida na zona urbana segundo a Planta de 1895, mais precisamente no quarteirão formado pelas ruas Fernandes Tourinho, Sergipe e Avenida Getúlio Vargas.

Planta das Fazendas do Capão e Leitão em 1894, onde estão destacadas a divisa com a Fazenda do Cercadinho e a Fazendinha. Também se observa nas plantas que o local da divisa das duas propriedades se deva nas proximidades da Rua Joaquim Murtinho. O córrego do Zoológico, afluente do Leitão fazia parte da Fazenda em questão, assim como grande parte das terras onde se construiu o bairro de Lourdes na década de 20. 
 Fonte: APCBH Acervo CCNC

Barragem Santa Lúcia e parte do Morro do Papagaio em imagem do inicio da década de 60, desde a antiga BR-3. A Barragem, construída anos antes, assim como a Barragem do Acaba Mundo só viria a ser utilizada de fato na década de 70. 
Fonte: Acervo IBGE

A Fazendinha no Aglomerado Santa Lúcia, em imagem datada provavelmente da década de 1970. Abaixo a barragem Santa Lúcia antes da retomada das obras para a sua conclusão (1976).
Fonte: http://observatoriovilaviva.blogspot.com.br.

      Pela sua singularidade a Casa da Fazendinha já foi objeto de estudo de vários estudantes de arquitetura que a visitavam todos os anos. Testemunho de uma paisagem já desaparecida o casarão, atualmente coberto pelas arvores que o circundam merece o devido tratamento prometido desde 1992, ano do seu tombamento a nível municipal. O mais interessante é que, passados mais de vinte anos do seu tombamento o Ministério Público passou a exigir providencias em relação à conservação do casarão, que se encontra em péssimo estado, como se pode constatar nas duas imagens abaixo. Os atuais moradores foram retirados do imóvel devido ao grande risco de desabamento, uma forma de “expulsão” já vista em casos semelhantes quando se trata de um imóvel ou de um sitio urbano tombado.
     Infelizmente o Poder Público só conserva o que é do seu interesse ou o que é do interesse da iniciativa privada, certamente se o casarão não fizesse parte do Aglomerado ele já estaria integrado ao Patrimônio Histórico Municipal, conservado e possivelmente exercendo a função para o qual foi construído, ou mesmo estando inserido no plano de mercantilização do patrimônio do Poder Público (gentrification). Mas é bom lembrar que essa política patrimonial não é exclusivamente brasileira, casos semelhantes ocorreram e ainda ocorrem em diversos países².

A Fazendinha no ano de 2006. 
Fonte: Guia de Bens Tombados de Belo Horizonte

Parte do vale do córrego do Leitão nos anos de 1956 e 2008, onde está destacada a Fazendinha. É notável a urbanização do vale entre os cinquenta e dois anos que separam as duas imagens. Na imagem superior se destaca uma parte da antiga estrada de acesso ao casarão, seguindo as curvas de nível do terreno e o curso do córrego ainda não represado. 
 Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte: FJP. 1997 e Google Earth respectivamente.

A Fazendinha no ano de 2007. 
Fonte: Foto do Autor

O mesmo casarão no ano de 2013. 
Fonte: Foto do Autor

Imagem das sub-bacias dos córregos do Leitão e do Cercadinho no ano de 2008. A partir da leitura morfológica do terreno e da analise da Planta Geodésica de 1895 é possível identificar a localização aproximada das divisas das duas fazendas, além da identificação da cabeceira dos cursos d’água, apesar do adensamento urbano nas cabeceiras do córrego do Leitão. O Cercadinho, apesar da grande ocupação urbana próxima à sua nascente ainda tem suas nascentes preservadas, lembrando que a abertura da BR-3 na década de 50 e da MG-030, além da ocupação desenfreada no bairro Belvedere fragmentou sua cabeceira. 
Fonte: Google Earth

A Casa da Fazendinha em imagem de satélite do ano de 2008. 
Fonte: Google Earth 

Sobreposição das imagens do ano de 1956 e 2008 do vale do córrego do Leitão, mais precisamente na região da Fazendinha.


*Texto do Jornal Hoje em Dia do dia 21/05/2012 referente à Fazendinha:

CENTENÁRIA CASA DA FAZENDINHA, EM BELO HORIZONTE, ESTÁ PRESTES A RUIR

Uma das construções mais antigas de Belo Horizonte ameaça ruir. A Casa da Fazendinha, única estrutura remanescente da antiga Fazenda Cercadinho, que deu origem ao aglomerado Santa Lúcia, na região Centro-Sul, está condenada pela Defesa Civil. 

Cerca de 15 pessoas de baixa renda moram em condições precárias no casarão centenário, tombado desde 1992 pelo patrimônio histórico. O risco de queda motivou o Ministério Público (MP) a exigir providências urgentes da prefeitura e da Companhia Urbanizadora e de Habitação de BH (Urbel) para recuperar o imóvel. 

Segundo a promotora de Justiça Lílian Maria Ferreira Marotta Moreira, há dois anos tramita na Justiça uma Ação Civil Pública que solicita à prefeitura a restauração da Casa da Fazendinha. Foi solicitado, de forma emergencial, que os órgãos fizessem uma limpeza do imóvel e recuperassem o piso externo, além da manutenção da rede de esgoto. Porém, nada foi feito. 

A promotora recomendou a retirada das famílias do local, pois “o imóvel não mais oferece condições de habitação”. Ela alertou para a necessidade de recuperação do telhado e da estrutura da casa. “O objetivo dessas medidas é interromper o processo de degradação e garantir a manutenção do imóvel sem riscos, até que possa ser executado o projeto de restauro”, disse a promotora. Caso não seja realizada a reforma, o prefeito Marcio Lacerda e o presidente da Urbel, Claudius Vinícius Leite Pereira, podem responder pela “destruição de bem especialmente protegido por tombamento, segundo artigo 62 da Lei n.º 9.605/98”. 

O local, que já pertenceu a um dos fundadores de BH, João Leite da Silva Ortiz, agora está tomado por lixo, entulhos, possui rachaduras e infiltrações e fiações improvisadas. As vigas de madeira estão podres. 

A moradora mais antiga do casarão, a funcionária pública Flávia Regina Rocha da Silva, de 43 anos, diz que a família dela vive no local há quase 70 anos, e que não quer sair dali sem uma boa proposta da prefeitura. 

Ela reconhece as condições ruins do local, mas diz que, desde 1985, quando foi discutida a criação de um centro cultural no espaço, a prefeitura fala em fazer reparos na casa. Ela conta que as pessoas já consideram o lugar como deles, apesar de não terem qualquer documentação de propriedade. “Aceitaria sair se dessem uma boa oferta. Caso contrário, não, pois não temos para onde ir. O patrimônio é importante. Quero ver o casarão recuperado, mesmo que não possa mais morar nele depois”, disse. 

O pizzaiolo Moisés Jesus Pereira, de 25 anos, mora no local com esposa e filho há dois anos. Ele diz que gosta do lugar. “É um lugar histórico, mas sabemos do risco de cair. Se chover mais forte, o perigo é grande”, afirmou. 

A Urbel informou que iniciou, na última quinta-feira (17), a conversa com os moradores para convencê-los a deixar o local. Eles seriam incluídos no programa do Bolsa Moradia, recebendo o valor de R$ 500. O órgão aguarda a negociação para começar a reforma. 

Segundo a Urbel, os moradores poderão optar ainda pelo reassentamento em unidades habitacionais do programa Vila Viva, do Aglomerado Santa Lúcia. A ideia é instalar no casarão o Centro BH-Cidadania, pela Secretaria Municipal de Políticas Sociais, com o intuito de preservar a memória da cidade. (Jornal Hoje em Dia)


¹ O córrego do Cercadinho teve as suas nascentes fragmentadas quando da abertura da BR-3 na década de 50 e posteriormente da MG-030. Suas cabeceiras, em parte ainda podem ser identificadas logo acima da MG-030, na direção do Hospital Biocor. 

² Torço para que o imóvel seja plenamente recuperado, assim como fizeram com o casarão da Rua Guajajaras que também estava em ruínas. O casarão para mim é o simbolo da resistência do rural no vale, assim como a Estação Gameleira da EFCB, prestes a ruir, nos remete a um período quando os trens de subúrbio faziam parte do cotidiano do belorizontino. 

* Sobre o vale do córrego do Leitão recomendo a leitura do artigo O Vale do Córrego do Leitão em Belo Horizonte: Contribuições da cartografia para a compreensão da sua ocupação disponível no endereço abaixo: https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/BORSAGLI_ALESSANDRO.pdf
“Durante muito tempo a gloria da capital era ser a “cidade jardim”. Mas agora... no jardim que era gigantes troncos de concreto armado surgiram e, quando formos um milhão, esses troncos estarão multiplicados. Os jardins centrais que temos já estarão sacrificados pelo holocausto do progresso”. (Trecho do Diário de Minas em 1956, fazendo uma projeção de como seria Belo Horizonte em 1966)*.

O Prefeito Oswaldo Pieruccetti e autoridades observam as cabeceiras do Córrego do Gentio na Serra do Curral em 1966. Posteriormente o local foi loteado e os terrenos vendidos às camadas mais abastadas da capital, que iniciava a "fuga" da região central, que então passava por uma nova requalificação desencadeada pela congestão urbana. 
Fonte: APCBH/ASCOM   

Em 1960 Belo Horizonte já era um grande centro econômico e demográfico. O fortalecimento da economia mineira na década de 50, em particular a economia belorizontina, financiada em grande parte pelo Estado proporcionou o inicio do processo de metropolização, ao mesmo tempo em que se iniciava a construção de Brasília, que proporcionou a expansão para o oeste do Brasil. Durante toda a década de 50 a capital mineira recebeu imigrantes de diversas partes do estado e mesmo de outros estados, que procuravam melhores condições de vida e de infraestrutura. De 352.000 habitantes em 1950 Belo Horizonte registrava em 1960 uma população de 693.000 habitantes, um aumento de quase 100% em apenas uma década. A cidade crescia, a população crescia, a verticalização era uma incomoda realidade, mas os investimentos em infraestrutura urbana ficaram praticamente estagnados durante a década de 50 e as consequências dessa falta de investimento foi sentida durante toda a década seguinte. Após a Revolução de 1964 o Estado passou a receber um grande volume de capital do Governo Federal, devido à postura decisiva tomada por ele quando do golpe. Esse fator aliado aos incentivos fiscais proporcionados pelo Estado fez com que inúmeras indústrias se instalassem nos arredores da capital mineira, nas direções norte e oeste, regiões propicias para tal ocupação e principalmente, para a expansão urbana, pois essas regiões eram supridas tanto de estradas municipais federais quanto de vias arteriais.
Desde a segunda metade da década de 40 a capital já se destacava no cenário nacional como um notável centro urbano que expandia ano após ano sua influência no âmbito regional e estadual. A Cidade Industrial foi a principal responsável por essa expansão, visto que indústrias de vários segmentos, entre elas a siderúrgica se concentraram ao redor da capital mineira, estrategicamente situada nas bordas do Quadrilátero Ferrífero.

Cidade Industrial e Avenida Amazonas na década de 60.
Fonte: Acervo IBGE

Parte da capital mineira desde o bairro Califórnia. Abaixo o Anel Rodoviário.
Fonte: Acervo IBGE

     A verticalização da região central foi marcada nesta década com os grandes edifícios comerciais e os condomínios residenciais, cuja construção foi impulsionada pelo continuo fluxo populacional que vinha do interior do Estado. Pode-se citar como exemplos os Condomínios Pilar e Raposo Tavares, ambos na Avenida Afonso Pena além dos inúmeros edifícios residenciais que levaram a região central a apresentar uma congestão urbana ainda nessa década. Para piorar a situação as linhas de ônibus que aumentavam ano após ano tinham os seus pontos finais nas ruas próximas à Avenida Afonso Pena, contribuindo para a piora da qualidade de vida e principalmente, para a mobilidade urbana. A verticalização desenfreada nesse período extinguiu a grande maioria dos sobrados comerciais e residenciais que ainda resistiam ao acentuado crescimento urbano da capital. Belo Horizonte havia se tornado um enorme canteiro de obras, espalhadas por todos os cantos.


Região central em 1962.
Fonte: APCBH Coleção José Góes

O Prefeito em visita ao local do antigo abrigo de bondes da Avenida Afonso Pena. Nessa imagem pode-se visualizar a construção de três edifícios situados na Rua Tupis, além do desaparecimento do Palácio Hotel, onde se construiu anos mais tarde o Othon Palace.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Avenida Afonso Pena e parte da Praça Sete e Rua Rio de Janeiro em 1961.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Ponto final da linha para o bairro Santa Tereza em frente aos edifícios Sulacap e Sulamérica.
Fonte: Desconhecida

 Barracos às margens do Ribeirão Arrudas no bairro Carlos Prates, Avenida Tereza Cristina.
Fonte: APCBH/ASCOM

Favela do Perrella na década de 60.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Cafuas em local não identificado.
Fonte: APCBH/ASCOM

Favela do Pindura Saia em 1965, logo abaixo da caixa d'água do Cruzeiro.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Morro do Querosene em 1965. Ao fundo parte dos bairros Cidade Jardim e Santo Antônio.
Fonte: APCBH/ASCOM 

As obras para a melhoria da mobilidade urbana foram a marca da década de 60. Na primeira metade da década Belo Horizonte caminhava a passos largos para atingir a marca de um milhão de habitantes e ainda respirava ares interioranos, com ruas fartamente arborizadas e com largos canteiros centrais. Em prol da melhoria viária a arborização e os canteiros foram sendo sistematicamente removidos ao longo da década, principalmente na região central e bairros adjacentes, além do asfaltamento das vias que apresentavam um maior movimento nos horários de pico. O asfalto na verdade foi a força motriz das politicas urbanas dos anos 60 que viam nele a veia do progresso, assim como o automóvel também era (e ainda é) para a sociedade, pois tudo era feito em prol dos veículos movidos a combustão, tanto individuais quanto coletivos, em detrimento as formas alternativas de transporte, tais como o trem e o ônibus elétrico. O asfalto, o automóvel e os edifícios são os marcos da influência do modelo norte americano de cidade moderna, seguida fielmente pelas administrações belorizontinas, apesar da perda de qualidade de vida terem sido grandes, entre outras coisas.
A preocupação do Poder Público com a questão da mobilidade era tanta que a principal via arterial da capital, a Avenida Afonso Pena teve a sua arborização erradicada, os canteiros centrais diminuídos consideravelmente e a retirada do Obelisco em comemoração ao centenário da independência da Praça Sete, com a finalidade de se construir ai um monumento aos fundadores da capital mineira, também retirado pouco tempo depois para a desobstrução do transito na Avenida. O Obelisco foi transferido para o Museu Abílio Barreto e posteriormente para a Praça Diogo de Vasconcelos no bairro Funcionários, região que ainda não apresentava um trafego intenso, cuja centralidade só se consolidaria algumas décadas mais tarde. Pode-se ainda citar as avenidas Augusto de Lima e Bias Fores e a Rua São Paulo como outras vias da capital que viriam a sofrer grandes alterações em prol da mobilidade urbana.

 Rua Carijos no cruzamento com Avenida Paraná na década de 60.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Obras para a desobstrução da Avenida dos Andradas no inicio da década de 60. A obra tinha como finalidade estabelecer uma ligação viária da avenida com a Avenida do Contorno. A obra diminuiu consideravelmente a área da Praça Rui Barbosa, que antes fazia limite com o Ribeirão Arrudas.
                                        Fonte: APCBH/ASCOM 

O mesmo local no inicio das obras.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Asfaltamento da Avenida do Contorno no bairro Santo Agostinho.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Asfaltamento da Avenida João Pinheiro na segunda metade da década.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Avenida do Contorno e Viaduto da Floresta na mesma década.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Na primeira metade da década de 1960, devido aos constantes desastres que ocorriam na passagem dos caminhões¹² pela região central da capital¹³ realizou-se a abertura de um anel viário desde a BR-3 (BR 040), acima da Lagoa Seca até a BR-31 (BR 262), ainda em construção. Inaugurado em 1963 pelo Presidente João Goulart o Anel Rodoviário de Belo Horizonte proporcionou a ligação viária entre as rodovias responsáveis pela ligação viária dos três principais centros urbanos do país, além da ligação direta com a Cidade Industrial. Para o escoamento do minério de ferro explorado na Serra do Curral foi construído nessa década a construção do Ramal de Águas Claras até o desembocadouro do minério no Barreiro, no Ramal do Paraopeba.

Anel Rodoviário de Belo Horizonte, inaugurado em 1963.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Nessa mesma década foram iniciados os estudos para a abertura da Avenida Américo Vespúcio e alargamento da Rua Padre Pedro Pinto em Venda Nova. O adensamento das vertentes dos inúmeros córregos espalhados por toda a capital obrigou o Poder Público a abrir as Avenidas Sanitárias, com a finalidade da melhoria viária da região, cujo acesso na maioria das vezes era realizado por vias que não comportavam mais o crescente fluxo viário das diversas regiões. Os estudos realizados, em muitos casos cometeram os mesmos erros verificados nas gestões anteriores, no que diz respeito ao dimensionamento dos canais de drenagem da bacia e no adensamento das vertentes. Esse subdimensionamento da calha dos córregos que estão sob as Avenidas acarreta, até os dias de hoje inúmeros problemas nos períodos chuvosos, quando se transformam em verdadeiros rios devido ao grande escoamento das vertentes impermeabilizadas.
    Como se verá adiante, as grandes canalizações e cobertura dos cursos d’água foram empregadas na capital a partir dos anos 1960 devido à politica de mobilidade urbana que passou a priorizar os automóveis, além da poluição dos cursos d’água, muitos então convertidos em emissários. O Ribeirão Arrudas que sempre sofreu com o despejo dos detritos da capital desde as primeiras décadas do Século XX passara a receber uma grande quantidade de esgotos em suas águas, visto que os emissários não davam mais conta de todo o esgoto urbano. Nessa década foi selado o destino do Ribeirão, devido ao mau planejamento urbano de Belo Horizonte, entre outros fatores relevantes.
Na primeira metade da década iniciaram-se os trabalhos de supressão das passagens de nível que existiam ao longo do Ribeirão Arrudas. Para se ter ideia somente na região central da capital e mais próximas da Avenida do Contorno existiam 24 passagens de nível ao longo das linhas férreas que cortavam o tecido urbano, sendo que a maioria apresentava apenas como sinalização a "Cruz de Santo André". Daí pode-se imaginar o quanto eram frequentes os acidentes dentro do perímetro de Belo Horizonte, que já apresentava um intenso fluxo viário. É bom ressaltar que grande parte dos acidentes eram causados pela imprudência dos motoristas e pedestres que se arriscavam em atravessar a linha mesmo quando a passagem já se encontrava fechada pelas cancelas.
       Diante do caos iminente causados por essa "guerra" antes silenciosa, mas que havia atingido o seu ápice em 1960 o Prefeito Jorge Carone, em uma das suas primeiras realizações como Prefeito em 1963 inicia os trabalhos de remoção dos trilhos da Rede Mineira de Viação que atravessavam a região da Lagoinha, considerada a mais perigosa passagem de nível da capital, visto que era a principal ligação da região central com as Avenidas Pedro II e Antônio Carlos, e aos bairros adjacentes às avenidas, sendo que passou a se utilizar apenas os trilhos da EFCB de bitola mista ao longo da Avenida do Contorno até a altura da Estação Carlos Prates, pertencente a RMV, além da recomposição asfáltica das vias que abrigavam os trilhos, a Avenida Nossa Senhora de Fatima por exemplo, foi alargada e rebaixada após a remoção dos trilhos dos Bondes e posteriormente do Trem. Era o inicio da lenta supressão das passagens de nível da região central, finalizada com a construção às pressas dos Viadutos da Rodoviária no final da década, marcando o inicio da requalificação, com objetivos específicos da região da Lagoinha, que tem como principal marco a demolição da Praça Vaz de Melo na década seguinte. Nessa mesma década, visando desafogar o transito intenso da região da Lagoinha, foi construída uma ponte ligando o bairro a região central via Rua Curitiba, criando assim uma alternativa para se evitar os congestionamentos nos horários de pico.


 Avenida do Contorno na região da Lagoinha na década de 60, com os trilhos já unificados da EFCB e da R.M.V. ao longo do Ribeirão Arrudas.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Composição da Rede Mineira de Viação em passagem de nível na Lagoinha em 1960.
Fonte: Acervo Revista O Cruzeiro

Lagoinha e parte da região central na década de 60.
Fonte: Acervo pessoal do Arquiteto Paulo Campos Cristo


Obras de remoção dos trilhos da Lagoinha em 1963.
Fonte: APCBH/ASCOM 


O mesmo local pouco tempo antes do seu asfaltamento.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Inicio da Avenida Nossa Senhora de Fátima onde se vê o antigo leito da RMV.
Fonte: APCBH/ASCOM 

O mesmo local em obras para o alargamento e o rebaixamento da Avenida.
Fonte: APCBH/ASCOM 

No que diz respeito aos serviços de transporte publico a década de 1960 ficou marcada por grandes mudanças no sistema. Os trólebus, apontados na década anterior como a principal modalidade de transporte da capital foi sendo abandonado ao longo da década até ser suprimido em 1969. Os Bondes já eram considerados desde a década de 1940 um serviço de transporte complementar em relação aos trólebus e foi sendo, aos poucos suprimido com a retirada dos trilhos, primeiro na Rua da Bahia, ainda na década de 1950. Na virada da década era só uma questão de tempo a extinção dos Bondes, devido principalmente aos constantes prejuízos e a falta de passageiros regulares em suas viagens. O serviço estava tão precário que na linha do Santo Antônio só se fazia o trajeto completo através de baldeação com os trólebus. O sucateamento da frota, então reduzida a poucos carros cresceu vertiginosamente entre 1960 e 1963 quando, finalmente foi extinto o sistema. As linhas, quando da extinção dos serviços atendiam apenas alguns bairros das zonas nordeste e noroeste da capital que passaram a receber o atendimento dos auto-ônibus e lotações nas novas linhas criadas pelo Departamento Municipal de Bondes e Ônibus (DMBO ex DBO). A primeira metade da década de 1960 assistiu a consolidação do poderio dos concessionários das empresas responsáveis pelo transporte coletivo sobre o Poder Público, que culminou com a supressão dos trólebus em 1969, serviço que concorria com os ônibus coletivos e, indiretamente, com a alegação de ser antieconômico, extinguiu o Ramal do Matadouro que estava sob o controle da RFFSA e que atendia grande parte da região norte da capital. No mesmo período da supressão dos Bondes foi demolida a Oficina que atendia aos Bondes e Trólebus, consolidada na Avenida Olegário Maciel. O seu terreno foi posteriormente vendido e lá se construiu anos mais tarde o Mercado Novo.
    
 Avenida Afonso Pena e Praça Sete na década de 1960. É notável a diminuição do canteiro central visando a melhoria viária no ponto mais critico da capital no período.
Fonte: Acervo pessoal do Arquiteto Paulo Campos Cristo

 Ponto de ônibus nas proximidades da Praça da Estação.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997. 

 A propaganda maciça por parte dos Concessionários das empresas de ônibus foi uma característica marcante da década de 1960. Largamente utilizada, ela foi decisiva para a mudança da visão da população em relação ao transporte púbico, que passou a enxergar os Bondes e Trólebus como sinônimos de atraso.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997.  

 A Afonso Pena no cruzamento da Rua Tamoios nos anos 60.
Fonte: Acervo pessoal do Arquiteto Paulo Campos Cristo

 A mesma avenida em frente ao Parque Municipal sem o gradil.
Fonte: Acervo pessoal do Arquiteto Paulo Campos Cristo

 Os Bondes, sucateados desde a década de 50 trafegavam durante o horário comercial lotados, em detrimento à qualidade do transporte coletivo, visto nesse período como suplementar em relação aos Trólebus.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997.  
   
 O novo e o antigo se encontram na Praça da Estação em 1961.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997. 

 Bondes sucateados na Oficina da DBO em 1963, ano de sua extinção.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997.

Oficinas da DBO, demolida em 1964. No seu lugar foi construído anos mais tarde o Mercado Novo.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997. 

A década de 60, em particular o ano de 1963 foi marcado por uma das mais profundas transformações da paisagem urbana de Belo Horizonte: o corte dos Fícus da Avenida Afonso Pena, com a justificativa da melhoria do fluxo viário na região central e da extinção dos “tripés”, praga que acometia os Fícus desde o final da década de 1950. A arborização da Afonso Pena era a marca registrada da capital mineira e o seu desaparecimento da noite para o dia deixou marcas profundas na sociedade, que podem ser vistas até os dias atuais, nas lembranças dos moradores contemporâneos ao corte. A Avenida e suas arvores haviam sobrevivido praticamente intactas as transformações ocorridas no seu entorno durante a primeira metade do Século XX, mas não sobreviveriam ao processo de metropolização que passava a capital nesse período, responsável pelas mudanças na paisagem urbana que também sepultariam os principais cursos d’água da capital, como se verá adiante, em prol da mobilidade urbana, uma politica vigente até os dias atuais. As arvores da Praça Sete haviam sido removidas pouco tempo antes, para facilitar as instalações da rede elétrica que atendia aos trólebus que circundavam a Praça.


Parque Municipal e Avenida Afonso Pena em 1961.
Fonte: APCBH Coleção José Góes 

Corte dos Ficus da Avenida Afonso Pena em 1963. 
Fonte: Acervo Estado de Minas

Nessa mesma década, com a criação da Ferrobel² todas as terras delimitadas por uma extensa cerca que havia nas proximidades da Avenida Bandeirantes passaram a pertencer a essa Companhia, com a finalidade da expansão da exploração do minério de ferro ao longo dos anos. Porém, em 1966 foi criado o Parque das Mangabeiras nos terrenos onde a Ferrobel havia apenas iniciado a sua exploração. A companhia foi responsável pela profunda mudança no perfil da Serra do Curral, ao rebaixar uma parte da sua crista nos anos seguintes²¹.
Com esse Decreto, a Companhia entregou a iniciativa privada os terrenos de sua propriedade que se localizavam abaixo da Mina das Mangabeiras, com a finalidade de se criar um grande loteamento visando às classes mais abastadas da capital, que nesse momento procuravam fugir da iminente congestão urbana da região central e bairros adjacentes, como o bairro de Lourdes.


Serra do Curral vista desde às proximidades da Lagoa Seca. Ao fundo a área explorada pouco tempo depois pela Ferrobel.
Fonte: Acervo IBGE

O Prefeito Souza Lima em visita ao local onde se construiu a Praça do Papa, nas proximidades da Mina das Mangabeiras.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Em 1966 visando melhorar a comunicação viária entre o recém-criado bairro Mangabeiras e a zona urbana da capital teve inicio a expansão da avenida, primeiro com o encascalhamento do prolongamento iniciado em 1940 e posteriormente da finalização e asfaltamento da avenida até a Praça da Bandeira, inaugurada em 1966 e a construção da Praça Milton Campos, inaugurada em 1972. Essas intervenções realizadas pelo Poder Público também tinham como objetivo a urbanização das terras ocupadas pelo Pindura Saia e Vila Santa Isabel, que foram fragmentadas e praticamente extintas no período entre 1968 e 1975.

Avenida Afonso Pena em 1965.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Parte do prolongamento da Afonso Pena em 1966. À direita a Favela do Pindura Saia.
 Fonte: APCBH/ASCOM 

O mesmo prolongamento em 1966. À esquerda a caixa d'água do Cruzeiro.
Fonte: APCBH/ASCOM 

A ajuda financeira proveniente do Governo Federal após 1964 proporcionou a criação do projeto Nova BH 66, que tinha como objetivo melhorar a infraestrutura em toda a capital mineira, defasada devido ao acentuado crescimento desde a década de 1950. As principais realizações foram o asfaltamento e o alargamento de diversas vias publicas, a continuação das canalizações dos córregos da capital e o embelezamento das vias e praças, a cargo do Departamento de Parques e Jardins (D.P.J). É bom lembrar que grande parte dos recursos do projeto vinham do governo Federal. As obras visavam claramente a melhoria da mobilidade urbana (leia-se veículos motorizados), onde os canteiros centrais e os passeios foram diminuídos para o alargamento das ruas e avenidas. O pedestre, que antes tinha prioridade dentro da urbe foi perdendo espaço para os veículos a partir dessa década.
      O projeto foi praticamente abandonado na gestão seguinte devido a grave crise financeira que assolou a Prefeitura durante toda a década de 1960. Isso não impediu que algumas das obras do Nova BH 66 fossem finalizadas. Muitos córregos que foram canalizados e cobertos, muitos inclusive com verbas do Nova BH 66 passaram a servir exclusivamente para o transporte de esgotos até o ribeirão Arrudas. Foi a solução encontrada para se resolver hipoteticamente o problema sanitário da capital. Em outros locais, geralmente os mais afastados da região central não existiam serviços de coleta de esgotos e o abastecimento de água continuava precário, chegando mesmo a inexistir em diversas vilas e favelas.


 Obras do Nova BH 66 na Rua dos Tamoios.
Fonte: APCBH/ASCOM 


Inicio da abertura da futura Avenida Raja Gabaglia em 1967. Ao fundo a Favela do Querosene.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Canalização do córrego dos Pintos no bairro Gutierrez.
Fonte: APCBH/ASCOM 

     Durante toda a década as obras para a captação das águas do Rio das Velhas correu lentamente, chegando a ser interrompida por diversas vezes, ao mesmo tempo em que o problema do abastecimento de agua se agravava por toda a capital. Somente nos últimos anos da década é que se verifica uma sensível melhora no abastecimento, que ocorreu devido a um precário sistema de bombeamento sobre a Serra do Curral, visto que o túnel do Taquaril ainda se encontrava em construção e os outros mananciais que abasteciam a capital se encontravam sobrecarregados. A falta d’água ainda era uma incomoda realidade para a população belorizontina.
     A cidade sofreu a partir de 1965 os efeitos do novo projeto econômico do Governo Federal, o que gerou o segundo surto industrial no Estado. Já citado no inicio do artigo, essa nova onda se caracterizou pela ocupação industrial das cidades limítrofes com a capital, assim como a expansão urbana delas. A intervenção federal da segunda metade da década de 60, em parte viria a suprir a falta de investimentos maciços para a melhoria urbana da capital, que atingiria o seu primeiro milhão de habitantes ainda nessa década.


Construção da Estação de Tratamento de Água do Rio das Velhas.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Rua Padre Belchior e córrego do Leitão na década de 60.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Mercado Central de Belo Horizonte nos anos 60.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 O mesmo Mercado visto da Avenida Amazonas.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Obras de captação na Rua Além Paraíba. 
Fonte: APCBH/ASCOM 

Pavimentação da Avenida Pedro II, no cruzamento com Rua Mariana. 
Fonte: APCBH/ASCOM 

Rua Cláudio Manoel, no bairro Funcionários em 1965.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Construção da Praça São Vicente no bairro Padre Eustáquio. 
Fonte: APCBH/ASCOM 

Rua Vitorio Marçola, no cruzamento com a Rua Francisco Deslandes no bairro Anchieta. Sob a via atualmente encontra-se canalizado o córrego do Gentio.
Fonte: APCBH/ASCOM 

  A erradicação dos córregos da paisagem urbana*

É sabido que o desenvolvimento urbano cresceu significativamente em Belo Horizonte a partir da segunda metade da década de 40, ao mesmo tempo em que se acentuou a falta de infraestrutura por parte do Poder Público para dar suporte a esse crescimento. Diversos cursos d’água da capital sofriam com a poluição desde meados dos anos 20 e o adensamento das terras pertencentes a suas bacias aumentou ainda mais o problema. Os emissários de esgoto existentes não comportavam mais a quantidade de efluentes produzidos principalmente pelas residências e a solução era o despejo nos cursos d’água.
A partir da década de 50 Belo Horizonte tomou novos rumos. O processo de metropolização se consolidava e deu a capital um ritmo no qual grande parte da população não estava acostumada. A mudança espacial era visível e a verticalização iniciada na área central começava a se espalhar dentro do perímetro da Avenida do Contorno. Para se ter ideia Belo Horizonte entre as décadas de 50 e 70 teve um aumento populacional de cerca de 350 por cento, saltando de uma população de 352.000 habitantes no inicio da década de 1950 para cerca de 1.250.000 em 1970.  
Os problemas urbanos decorrentes desse processo surgiam ao mesmo tempo em que se acentuava a falta de investimentos em equipamentos urbanos destinados para dar suporte a esse crescimento. O número de veículos aumentara consideravelmente e as ruas e avenidas, antes arborizadas e calçadas foram sendo asfaltadas e alargadas com o corte das árvores para proporcionar a melhoria do fluxo viário, um dos principais objetivos das gestões municipais desde então. O saneamento básico se encontrava em disparidade em relação ao crescimento urbano desde a segunda metade da década de 50 devido a esse crescimento. Na década de 60 ele entrou em colapso. O esgoto transbordava pelas ruas, principalmente da região central, pois os emissários não davam conta da demanda.
No caso dos córregos do Acaba Mundo e do Leitão suas águas passaram a receber além dos esgotos citados detritos provenientes da ocupação desenfreadas das suas cabeceiras e lixo domestico, pois os serviços de coleta de lixo se encontravam a beira de um colapso apesar do aumento da frota destinada ao recolhimento deste a partir de 1965.
Para agravar ainda mais a situação as enchentes eram frequentes devido à impermeabilização do solo promovida pela urbanização nas bacias dos cursos d’água e pelo fato de muitos moradores de áreas ribeirinhas despejarem o lixo domestico nos cursos d’água. As águas que antes penetravam no solo agora corriam diretamente para os cursos d’água assoreados aumentando o seu volume e o seu poder de destruição, pois suas águas saiam da calha com frequência levando lama e sujeira para as ruas. No iminente caos urbano da década de 60 não havia mais lugar para os cursos d’água dentro da urbs.  
Diante disso na primeira metade da década de 60 o Poder Público toma a decisão de fechar os cursos d’água que atravessam a zona urbana compreendida dentro da Avenida do Contorno com a finalidade de melhorar o fluxo viário e a salubridade na região atravessada por eles³. Na visão do Poder Público a cobertura dos córregos resolveria rapidamente o problema da poluição³¹ além do embelezamento da paisagem com o alargamento das vias, úteis para a vida urbana. É necessário lembrar que os dois cursos d’água em questão atravessavam a zona sul da capital, ocupado em grande parte pelas camadas mais abastadas da sociedade belorizontina.
O primeiro curso d’água a ser fechado foi o Acaba Mundo em 1963. A cobertura do canal foi realizada ao longo da Rua Professor Morais e alargado desde a Avenida Afonso Pena até a altura do Parque Municipal. Na mesma década o córrego foi canalizado ao longo da BR-3, atual Avenida Nossa Senhora do Carmo.
Suas águas, que antes alimentavam os Lagos do Parque foram também canalizadas devido ao alto grau de poluição e os lagos passaram a ser abastecidos com águas provenientes do lençol subterrâneo. O córrego, inserido na paisagem urbana na década de 20 não resistiu ao crescimento urbano, cedendo espaço para a melhoria da mobilidade urbana e da qualidade de vida da população, no que diz respeito à saúde pública.

 Rua Professor Morais em 1963.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Trabalhos de alargamento do canal do córrego do Acaba Mundo em 1963 na Rua Professor Morais.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Inicio da cobertura do canal do Acaba Mundo.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Trabalhos de remoção da alvenaria do canal.
Fonte: APCBH/ASCOM  

Rua Professor Morais em 1963, em destaque a propaganda da gestão responsável pela cobertura do canal, no caso o Prefeito Jorge Carone.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Obras de alargamento do canal na Avenida Afonso Pena.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Confluência do córrego do Acaba Mundo com o córrego do Mendonça na Rua Pernambuco.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Canalização do Acaba Mundo na Avenida Nossa Senhora do Carmo.
Fonte: APCBH/ASCOM 

O córrego do Leitão também apresentava um alto grau de poluição de suas águas. A porção da capital atravessada por ele apresentava na década de 60 um alto grau de urbanização ao mesmo tempo em que se tinha o inicio da ocupação sistemática das suas cabeceiras. O mau cheiro de suas águas e as constantes enchentes que levavam lama e lixo para as ruas eram motivos de reclamações constates da população, que passou a exigir uma solução rápida para o problema. A canalização era vista como a solução dos problemas gerados pelo córrego além de ser considerada como uma obra de embelezamento da capital, abalada com a perda do titulo de “Cidade Jardim” desde o corte das arvores da Avenida Afonso Pena em 1963. No final da década de 60 se tem o inicio das obras de fechamento e cobertura do córrego do Leitão desde a Rua São Paulo até a sua foz no ribeirão Arrudas. Paralelamente ao fechamento teve inicio em Julho de 1970 a canalização e cobertura do Leitão na zona suburbana para a abertura da Avenida Prudente de Morais. Essa obra visava melhorar o fluxo viário na região que expandia a largos passos além de erradicar da paisagem o curso d’água que havia se transformado em um esgoto a céu aberto, pois o aumento da ocupação das vertentes do córrego nas proximidades de suas cabeceiras desencadeou o lento processo de assoreamento que, nos períodos de chuva enlameava diversas ruas ao longo do seu curso.



 Canal do córrego do Leitão na Rua Mato Grosso em 1969.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 O córrego canalizado no bairro Cidade Jardim em 1970. Sobre ele foi aberta a Avenida Prudente de Morais.
Fonte: APCBH/ASCOM 

O córrego no cruzamento das Ruas Tupis e Mato Grosso. Ao fundo a confluência com o córrego da Barroca.
Fonte: APCBH/ASCOM  


O córrego do Leitão canalizado na Avenida Prudente de Morais.
Fonte: APCBH/ASCOM 

     Outros córregos que foram canalizados e cobertos na década de 1960 foram o córrego dos Pintos até as suas nascentes, localizadas no bairro Gutierrez, o córrego do Gentio no bairro Anchieta, o que proporcionou a abertura da Rua Francisco Deslandes e o prolongamento da Rua Vitorio Marçola. A canalização do córrego das Piteiras em 1966 proporcionou a abertura da Avenida Silva Lobo, uma alternativa para a melhoria do fluxo viário da Avenida Amazonas.


Inicio da canalização do córrego do Gentio na Rua Outono em 1965.
Fonte: APCBH/ASCOM  


Canalização do córrego do Gentio no bairro Carmo.
Fonte: APCBH/ASCOM 


Canalização do córrego do Gentio/Acaba Mundo na Rua Grão Mogol.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Canalização do córrego da Serra na Rua Palmira.
Fonte: APCBH/ASCOM 

O mesmo curso d'água no bairro Serra.
Fonte: APCBH/ASCOM        


Córrego dos Pintos no bairro Gutierrez.
Fonte: APCBH/ASCOM  

Ribeirão Arrudas no bairro Calafate.
Fonte: APCBH/ASCOM 

    A população da capital em 1970 era de 1.255.415 habitantes. Os ares interioranos e a conversa tranquila debaixo dos Ficus da Avenida Afonso Pena haviam deixado de fazer parte do cotidiano do belorizontino para integrar a historia da capital e o imaginário das gerações futuras. Tudo em nome do progresso, vislumbrado pelos representantes da municipalidade ainda nos primeiros anos da nova capital.
    A metropolização de Belo Horizonte a inseriu definitivamente no eixo Rio-São Paulo se caracterizando pela grande concentração de renda no município, um reflexo da política econômica do Estado Autoritário proporcionado principalmente pelas novas zonas industriais que se instalaram em seus limites, o que levou a expansão urbana para os municípios limítrofes e ao um novo boom populacional, culminando com a criação da Região Metropolitana em 1973.

Região central em 1970.
Fonte: BH Nostalgia  

Praça da Estação e adjacências no final da década de 60.
Fonte: BH Nostalgia 

Marca da resistência ao autoritarismo vigente em 1968: ônibus circulando pela região central de Belo Horizonte pichado por estudantes.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997. 



Trecho extraído do artigo Os córregos e a metrópole - a inserção no espaço urbano dos cursos d’água que atravessam a zona urbana de Belo Horizonte  de minha autoria e da Engenheira Fernanda Guerra Lima Medeiros.

Recomendo também a leitura do excelente artigo Os rios e a cidade: espaço, sociedade e políticas públicas em relação ao saneamento básico de Belo Horizonte 1964-1973, do historiador Yuri Mello Mesquita.


¹² Ainda hoje, infelizmente, ocorrem desastres de grandes proporções na Avenida Nossa Senhora do Carmo, parte da antiga BR-3 devido à imprudência e a teimosia dos motoristas que insistem em passar pela região centro sul da capital mineira com veículos inadequados para se trafegar nos centros urbanos. 

¹³ Existia uma casa residencial na Avenida do Contorno que, devido aos constantes desastres que aconteciam no final da BR-3 foi comprada pelo DNER.  

² Lei 898/61 de 30 de outubro de 1961 "AUTORIZA A ORGANIZAÇÃO DA FERRO DE BELO HORIZONTE S. A. - (FERROBEL) - SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA POR AÇÕES, DESTINADA A EXPLORAR, COMERCIAR E INDUSTRIALIZAR MINÉRIOS EM GERAL - BEM COMO A ABERTURA DE CRÉDITOS ESPECIAIS PARA O MESMO FIM E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS". A partir dai a história é bem conhecida pelos belorizontinos, basta olhar para a Serra do Curral na direção do Parque dos Mangabeiras...

²¹ Além da Mina das Mangabeiras a Ferrobel foi autorizada a explorar no mesmo período o local denominado “Mina do Cercadinho”, mais ou menos próxima a Faculdade Milton Campos. Porém, devido a pressão popular e de entidades preocupadas em preservar o Complexo da Serra do Curral a Mina não chegou a entrar em funcionamento.

³ A falta de conscientização da população naquele período era alarmante, os cursos d’água eram simplesmente tratados como deposito de lixo. As enchentes, frequentes nesse período, levava para as ruas todo o material depositado nos cursos d’água, aumentando ainda mais o desejo de ver os córregos erradicados da área urbana, na verdade era esconder o “problema” debaixo do tapete. E a população apoiou e aplaudiu o fechamento dos cursos d’água.

³¹ Junto com a poluição esperava-se também a erradicação das doenças causadas pela poluição dos córregos, como se lê no Relatório do Prefeito Sousa Lima em 1969: “Nas obras de canalização e esgotos está surgindo a solução para o problema sanitário de Belo Horizonte”. É necessário entender que foi na nessa gestão que o sistema de esgotos de Belo Horizonte entrou em colapso, transbordando em diversos pontos da capital.

Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

gif maker Córrego do Acaba Mundo 1928/APM - By Belisa Murta/Micrópolis