Córrego do Leitão e bairro Cidade Jardim em 1955. Sobre o córrego seria aberta a Avenida Prudente de Morais em 1970, visando a melhoria da mobilidade viária para os novos bairros da região sul de Belo Horizonte.
Fonte: APCBH/ Coleção José Góes
No
final do mês de Maio Belo Horizonte foi surpreendida com uma placa instalada na
Rua Padre Belchior, anunciando a renaturalização do córrego do Leitão, no
trecho compreendido entre a Rua e as Avenidas Augusto de Lima e Amazonas. Os
cursos d'água que atravessam a Zona Urbana de Belo Horizonte já foram tema de
diversos artigos do Blog, por ser um tema bem singular em nossa história
urbana.
Ignorados
pelo Poder Público, os cursos d’água que atravessam a zona urbana de Belo
Horizonte foram retificados e canalizados de acordo com os interesses do Poder
Público e dos agentes fundiários, que interferiram profundamente na produção do
espaço urbano de Belo Horizonte, lembrando que a Rua Padre Belchior não existia
na primeira planta da nova capital, ela foi aberta para a canalização do
córrego na década de 1920, assim como as ruas Barbara Heliodora e Marília de
Dirceu, ambas localizadas no bairro de Lourdes. Esquecidos e indesejados pelo
Poder Público e pela população, o anuncio de uma Renaturalização em um curso
d'água na região central de BH deixou muita gente perplexa, inclusive o autor
deste Blog, que fez questão de ir ao local conferir tal placa.
O
córrego do Leitão, segundo moradores da capital que conheceram e conviveram com
o curso d’água a céu aberto relatam que chegaram inclusive a pescar nas
proximidades de sua foz no Ribeirão Arrudas e nas pequenas lagoas que existiam
no seu entorno, tinha suas águas cristalinas, onde os peixes subiam desde o
Arrudas, um espetáculo inimaginável atualmente.
O Leitão no final do Rua Padre Belchior na década de 50.
Fonte: APCBH/ASCOM
O
vertiginoso crescimento dos centros urbanos brasileiros após 1945 acarretou
inúmeros problemas, no que diz respeito aos equipamentos urbanos, entre outras
coisas. Os cursos d’água, por falta de investimento do governo e por
conveniência passaram a receber ano após ano os esgotos dos bairros que
proliferavam em suas vertentes e cabeceiras. Na verdade desde a inauguração da
capital em 1897 os cursos d’água já recebiam os esgotos domésticos, porém em
menor quantidade. Para uma cidade criada dentro dos moldes positivistas (e
higienistas) que vedava até a aquisição de lotes dentro da zona urbana pelas camadas
menos abastadas e pelos operários, a ideia de convivência com os seus próprios
detritos era inaceitável, mas a falta de investimentos e a conveniência do
Poder Público se sobressaíram em relação à vontade do belorizontino “urbano”,
em afastar o máximo possível os seus dejetos.
Com
o córrego do Leitão não foi diferente, o emissário construído ao longo do seu
curso não comportava mais o esgoto dos bairros que ocuparam as suas vertentes, e os esgotos passaram a ser despejados
diretamente em suas águas, assim como os esgotos clandestinos. É bom ressaltar
que os precários emissários existentes em Belo Horizonte não resolviam o
problema da contaminação das águas, apenas levava o problema da poluição para
fora da zona urbana planejada, quem morasse fora dela que convivesse com os
esgotos. O despejo era feito diretamente no Ribeirão Arrudas, da mesma forma
que a cidade de Londres resolveria o problema do despejo de esgotos no Rio Tamisa
dentro do perímetro urbano no Século XIX, os esgotos eram coletados e despejados
no rio, porém fora da zona urbana da capital inglesa, uma interessante forma de
resolver o problema encontrado pelos “higienistas”.
O
mau cheiro das águas do Leitão e as constantes enchentes que levavam lama e
lixo para as ruas eram motivos de reclamações constates da população, que
passou a exigir uma solução rápida para o problema. A canalização era vista
como a solução dos problemas gerados pelo córrego além de ser considerada como
uma obra de embelezamento da capital, abalada com a perda do titulo de “Cidade
Jardim” desde o corte dos Fícus da Avenida Afonso Pena em 1963. O alargamento
das ruas atravessadas por ele também era pleiteado pela população, a Rua São
Paulo, por exemplo, possuía apenas uma pista entre o córrego e o meio fio,
causando transtornos para uma cidade que começava a priorizar o veiculo
individual nas políticas urbanas.
No
final da década de 60 iniciam-se as obras de alargamento e cobertura do córrego
do Leitão desde a Rua São Paulo até a sua foz no ribeirão Arrudas.
Paralelamente ao fechamento teve inicio em Julho de 1970 a canalização e
cobertura do Leitão na zona suburbana para a abertura da Avenida Prudente de
Morais. Essa obra visava melhorar o fluxo viário na região que se expandia para
as regiões mais altas da zona sul da capital, além de erradicar da paisagem o
curso d’água que havia se transformado em um esgoto a céu aberto, pois o
aumento da ocupação das vertentes do córrego nas proximidades de suas
cabeceiras desencadeou o lento processo de assoreamento que, nos períodos de
chuva enlameava diversas ruas ao longo do seu curso. A abertura da Avenida
extinguiu a Favela da Alvorada, que existia ao longo do curso do córrego.
Inicio das obras de canalização e cobertura do córrego do Leitão para a abertura da Avenida Prudente de Morais em 1969.
Obras de canalização do córrego no cruzamento da Rua Joaquim Murtinho em 1970.
Alargamento das galerias do córrego na Rua Bárbara Heliodora em 1971.
Fonte: Desconhecida
Desde
então encaixotado, o córrego do Leitão foi legado ao esquecimento até o
surgimento da incitante placa, que trouxe novamente à tona o problema da
poluição e do soterramento dos cursos d’água de Belo Horizonte e ao
conhecimento de muitos a existência de um Rio debaixo dos nossos pés, visto que
a erradicação dele da paisagem urbana foi realizada há mais de quarenta anos. Mas
o encaixotamento dele e de muitos outros córregos da capital não eliminou a
poluição e nem acabou com as inundações nos locais atravessados por eles, pois
as águas seguem o caminho determinado pela natureza, e que erroneamente o ser
humano tenta interferir, até hoje, ao promover a cobertura do Ribeirão Arrudas
ao longo do seu curso e o desaparecimento das várzeas, não só dele, mas de outros córregos importantes para o ecossistema local. A placa é o resgate da consciência de que ali existe um
Rio, e que uma convivência harmoniosa com o meio ainda é possível, se assim desejarmos.
A incitante placa anunciando uma revitalização do córrego do Leitão na Rua Padre Belchior.
Fonte: Foto do Autor