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1963: Obras no canal do córrego do Acaba Mundo pouco antes da sua cobertura, Rua Professor Morais.
Fonte: APCBH/ASCOM

Já se encontra disponível para leitura o artigo “Do protagonismo à invisibilidade: Geografia Histórica do córrego do Acaba Mundo e a sua relação com o sítio de Belo Horizonte/MG (1716/1973)”, publicado no periódico “Caderno de Geografia”, editado pela PUC-Minas.

O artigo tem como objetivo analisar a relação do córrego do Acaba Mundo com o sítio ocupado pela cidade de Belo Horizonte. Correndo atualmente sob diversas vias da região centro-sul da capital mineira, o curso d’água possui grande importância não só para os estudos sobre a ocupação do sítio do arraial do Curral del Rey, mas também para a reconstrução das paisagens profundamente modificadas a partir do processo de evolução urbana de Belo Horizonte, onde a geografia histórica se encontra intrinsecamente ligada à paisagem. 

A abordagem da pesquisa foi trabalhada através da Geografia Histórica, possibilitando dessa forma a realização de uma contextualização geohistórica da ocupação do sítio que veio a receber a nova capital de Minas Gerais. Nesse contexto, observa-se que o curso d’água foi de grande importância para o abastecimento e para a forma do arraial, perdendo gradativamente importância ao longo do processo de evolução urbana de Belo Horizonte.

Link para leitura: Clique Aqui


      Perspectiva à montante do córrego do Acaba Mundo na Rua Bernardo Guimarães, entre os anos     de 1924/1925. Ao fundo a Avenida Afonso Pena em meia pista. Acervo MHAB


A imagem acima registra a interessante perspectiva à montante do córrego do Acaba Mundo no bairro Funcionários, nos anos de 1924/1925. Já a imagem abaixo registra o curso d’água a jusante, ambas feitas na Rua Bernardo Guimaraes entre a Avenida Afonso Pena e Rua Paraíba. O Acaba Mundo, como se lê na citação abaixo, retirada do relatório do prefeito Bernardo Monteiro, era motivo de preocupação do poder público desde a inauguração da capital, ocorrida no ano de 1897, uma vez que o seu leito natural atravessava uma importante e valiosa porção da zona urbana planejada.

“Resta por concluir-se o canal destinado à mudança do leito do Acaba Mundo, que parte da Rua Grão Mogol suburbana e vai ao Parque. Essa obra, aliás necessária, foi iniciada pela antiga Comissão Construtora e está parada desde 1897, e dela não poderá cogitar tão cedo” (BELO HORIZONTE, 1900, p.31).

As obras de retificação e canalização do curso d’água, paralisadas entre os anos de 1897 e 1924 só foram retomadas no ano de 1925, pouco antes dos registros fotográficos, raros por sinal, do curso d’água em leito natural. Na imagem à jusante é possível observar um imóvel eclético ainda existente no cruzamento da Rua Pernambuco e Avenida Brasil.

Perspectiva à jusante do mesmo trecho, anos de 1924/1925. Ao fundo um imóvel eclético ainda
existente no cruzamento da Avenida Brasil e Rua Pernambuco.
Acervo MHAB

É importante compreender que ambas as fotografias, atualmente com um alto valor histórico e essencial para o pesquisador que vos escreve, certamente foram feitas com a finalidade de mostrar o “problema” gerado por um curso d’água que ainda se encontrava em leito natural, onde é claramente visível que tanto a Rua Bernardo Guimarães quanto a Avenida Afonso Pena se encontravam interrompidas pelo meandro que impossibilitava a ligação direta entre as duas vias.

Como se vê na primeira imagem, nesse trecho existia apenas uma ponte de madeira sobre o córrego, diferentemente de outros locais onde a prefeitura, perante o adensamento do então principal bairro da zona urbana planejada, construiu algumas pontes de alvenaria de pedra, destacando-se as pontes da Rua Santa Rita Durão (ainda existente, porém soterrada) e a ponte da rua Pernambuco, ambas sobre o leito natural do Acaba Mundo.

Na imagem abaixo, identificada pelo autor no ano de 2016 e feita devido ao abatimento do canal construído às pressas (para a administração municipal, era de grande importância a comercialização dos lotes atravessados pelo curso d'água) é possível ver a ponte da Rua Pernambuco sobre o córrego do Acaba Mundo e a canalização tosca empreendida em 1926/1927. Na imagem é possível ainda visualizar a placa com a data da construção da ponte (1909) e as iniciais do prefeito Benjamim Brandão e do diretor de obras José Nogueira de Sá. Certamente muitas das belas pontes do bairro Funcionários ainda existem, enterradas sob o concreto e o asfalto das vias.

Perspectiva à jusante da ponte sobre o córrego do Acaba Mundo na Rua Pernambuco.
Acervo MHAB

Na porção do bairro atravessado pelo córrego do Acaba Mundo ainda deve existir cerca de quatro a cinco pontes similares, onde se pode destacar ainda a ponte do cruzamento da Avenida Getúlio Vargas e Rio Grande do Norte e a ponte da Rua Cláudio Manoel, todas sobre o referido curso d’água. Nesse contexto, é importante observar que as pontes foram construídas em caráter emergencial, uma vez que já estava prevista o desvio das águas do Acaba Mundo para a Rua Professor Morais e Avenida Afonso Pena, obra executada entre os anos de 1925 e 1929. O leito natural foi convertido em dreno pluvial, passando a ser responsável pela coleta das águas de uma porção da vertente oeste do Acaba Mundo (bairro Funcionários).

Perspectivas à montante das obras de construção do dreno no leito natural do córrego do Acaba 
Mundo sob a ponte da Rua Pernambuco, 1927/1928. Na imagem à direta é possível visualizar 
o dreno construído no antigo leito do córrego do Mendonça, no exato local de confluência 
com o Acaba Mundo.
Acervo APM

 Com as obras de retificação e canalização concluídas no ano de 1929, o córrego do Acaba Mundo pode ser considerado o primeiro curso d’água completamente canalizado dentro do perímetro da Avenida do Contorno, ou zona urbana planejada.

Canal do córrego do Acaba Mundo na Avenida Afonso Pena, 1929. Na imagem é possível visualizar
a casa da primeira imagem (A) localizada na Rua Bernardo Guimarães e o antigo leito (aterrado)
do Acaba Mundo (B) e um imóvel ainda existe (C) na Rua Rio Grande do Norte.
Acervo APM

Fontes: BORSAGLI, Alessandro. Rios invisíveis da metrópole mineira, Clube de Autores, 2016.

BORSAGLI, Alessandro. Rios urbanos de Belo Horizonte. Clube de Autores, 2020.


 
Sede da Fazenda Capitão Eduardo no ano de 2016.
Foto do Autor

*Publicado no livro “Arraial de Bello Horizonte: a ruralidade da nova capital de Minas”, disponível para leitura no link abaixo:

 Link Arraial de Bello Horizonte

 Será tratada de forma breve a história da Fazenda Capitão Eduardo, sede de uma notável propriedade que se estendia desde o povoado dos Borges, na margem oeste do rio das Velhas, até a foz do ribeirão da Onça no majestoso rio. A fazenda se encontra às margens do ribeirão, mais precisamente em sua margem sul.

A fazenda foi construída, ou adquirida no século XIX pelo Capitão Eduardo Aristides Augusto de Lima, nascido em 1828 em Santa Luzia e falecido no ano de 1889. Seu pai, o Tenente Coronel Serafim Timóteo de Lima, nascido em 1792, era fazendeiro e negociante na Vila de Santa Luzia, possuindo ainda terras na região de Abre Campo, assim como seu filho Justiniano Augusto de Lima.

A notícia mais antiga que se tem da propriedade do Capitão até o presente momento é a autorização dada pelo vice-presidente da Província de Minas, Francisco Leite da Costa Belém, que em 25 de setembro de 1871 autorizou o desmembramento da fazenda do Capitão Eduardo do município de Sabará, transferindo as terras para a freguesia de Santa Luzia, onde o Capitão ocupava o posto de comandante da 6ª Companhia aquartelada em Santa Luzia.

Lei de transferência da Fazenda Capitão Eduardo para o município de Santa Luzia.
Acervo APM

A fazenda teve suas terras atravessadas pela linha-tronco da Central do Brasil por volta de 1893, que seguia em direção ao vale do rio São Francisco. A linha, após a barra do ribeirão Arrudas, se desviava em direção à fazenda passando a poucos metros da sede, indo novamente ao encontro do rio das Velhas após galgar o ribeirão da Onça, sobre um pontilhão do qual atualmente se vê apenas os pilares de alvenaria de pedra argamassada.

A questão da ferrovia já foi abordada no capítulo 5 do Sob a Sombra, tornando-se desnecessária uma nova explanação acerca do assunto ressaltando que, visto que, devido a topografia do vale do rio das Velhas, mais atrativa e de menor distância, a linha foi desviada quatro décadas mais tarde para às margens do rio das Velhas, sendo suprimido o trecho correspondente à fazenda, que se tornou anos mais tarde uma das principais vias do bairro Ribeiro de Abreu.

Em data imprecisa, possivelmente no início do século XX a fazenda Capitão Eduardo foi vendida para Antônio Ribeiro de Abreu, filho do Coronel Mariano de Abreu, construtor da primeira sede da municipalidade, hoje Arquivo Público Mineiro.

Após a morte de Ribeiro de Abreu, a fazenda e suas terras passaram para sua esposa, que posteriormente as partilhou com os herdeiros as terras do futuro bairro Ribeiro de Abreu. A fazenda possuía, de acordo com o registro de partilha datado do ano de 1943, cerca de quatrocentos e setenta alqueires, culturas, pastos, e uma parcela de cerrado ainda preservada, sendo que uma porção considerável da fazenda se encontrava em terreno inundável, correspondente ao baixo Onça e suas planícies de inundação. O documento ainda se refere à Fazenda como casa de construção antiga, que pertencia agora a Ambrosina de Castro Abreu, viúva de Antônio Ribeiro de Abreu.

A partir desse momento as terras da fazenda seriam sucessivamente parceladas pelos herdeiros, desapropriadas para finalidades diversas (linha férrea, aterro sanitário e moradias populares) e invadidas a partir da década de 1970, deflagrada pela pressão urbana que empurrou a população de menor poder aquisitivo para fora do município.

A propriedade, ilhada pelo bairro Ribeiro de Abreu, se resumia no final do século XX a sede e benfeitorias próximas, mantidas pelo último proprietário da fazenda, o Sr. André Gustavo de Abreu Pereira Pinto, que empreendeu uma reforma no velho casarão na década de 1990, suprimindo parcialmente suas características originais na parte correspondente à fachada, de acordo com informações dos moradores locais. A propriedade foi vendida à Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) para a construção da estação de tratamento de esgotos do ribeirão da Onça, que ali instalou o seu escritório quando das obras da ETE.

Nesse período, a propriedade e sua arquitetura rural, tão viva em Minas Gerais e resumida apenas à Fazenda do Leitão, começou a atrair a atenção do Autor, visto que até o ano de 2008 ainda era possível visualizar o casarão da Rodovia MG-020, cuja entrada era vedada pela Copasa.

Fazenda Capitão Eduardo fotografada pelo Autor no ano de 2007.
Foto do Autor

Finalmente, no mês de abril de 2016, após inúmeros pedidos de visita e pesquisas diversas, o Autor conseguiu entrar na propriedade, então abandonada. Não é necessário descrever a sensação e satisfação que teve o pesquisador ao se deparar com um imóvel genuinamente rural, de características que remetem aos períodos colonial e imperial, cuja importância e existência é desconhecida por muitos na capital.

Diante de tal constatação, iniciou-se uma pesquisa mais detalhada sobre a fazenda, em parceria com Marluce Nogueira Quaresma e descobriu-se que se trata de um dos imóveis mais antigos do município de Belo Horizonte, apesar da propriedade ter pertencido anteriormente a Sabará e Santa Luzia, em região anexada à capital poucos anos após a sua inauguração (1897).

O horizonte é raso e as pressões políticas-imobiliárias são verdadeiras. E assim a ruralidade desaparece por completo no município, a partir do desprezo histórico-cultural pelas reminiscências de um período que representa o atraso perante um progresso a base de concreto, de asfalto e embebido de esgoto. O breve histórico aqui apresentado é uma pequena contextualização de um dos imóveis mais antigos do município.

Perspectiva da varanda, voltada para o vale do ribeirão da Onça. Ao fundo o velho curral.
Foto do Autor

Perspectiva lateral.
Foto do Autor

Armário de um dos cômodos da fazenda, datado da segunda metade 
do século XIX, possivelmente uma reminiscência dos 
tempos do Capitão Eduardo.
Foto do Autor




Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

gif maker Córrego do Acaba Mundo 1928/APM - By Belisa Murta/Micrópolis