Já
se encontra disponível para leitura o artigo “Do protagonismo à invisibilidade:
Geografia Histórica do córrego do Acaba Mundo e a sua relação com o sítio de
Belo Horizonte/MG (1716/1973)”, publicado no periódico “Caderno de Geografia”,
editado pela PUC-Minas.
O artigo tem como objetivo analisar a relação do córrego do Acaba Mundo com o sítio ocupado pela cidade de Belo Horizonte. Correndo atualmente sob diversas vias da região centro-sul da capital mineira, o curso d’água possui grande importância não só para os estudos sobre a ocupação do sítio do arraial do Curral del Rey, mas também para a reconstrução das paisagens profundamente modificadas a partir do processo de evolução urbana de Belo Horizonte, onde a geografia histórica se encontra intrinsecamente ligada à paisagem.
A abordagem da pesquisa foi
trabalhada através da Geografia Histórica, possibilitando dessa forma a
realização de uma contextualização geohistórica da ocupação do sítio que veio a
receber a nova capital de Minas Gerais. Nesse contexto, observa-se que o curso
d’água foi de grande importância para o abastecimento e para a forma do
arraial, perdendo gradativamente importância ao longo do processo de evolução
urbana de Belo Horizonte.
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Perspectiva à montante do córrego do Acaba Mundo na Rua Bernardo Guimarães, entre os anos de 1924/1925. Ao fundo a Avenida Afonso Pena em meia pista. Acervo MHAB
A imagem acima registra a
interessante perspectiva à montante do córrego do Acaba Mundo no bairro
Funcionários, nos anos de 1924/1925. Já a imagem abaixo registra o curso d’água
a jusante, ambas feitas na Rua Bernardo Guimaraes entre a Avenida Afonso Pena e
Rua Paraíba. O Acaba Mundo, como se lê na citação abaixo, retirada do relatório
do prefeito Bernardo Monteiro, era motivo de preocupação do poder público desde
a inauguração da capital, ocorrida no ano de 1897, uma vez que o seu leito
natural atravessava uma importante e valiosa porção da zona urbana planejada.
“Resta por concluir-se o canal
destinado à mudança do leito do Acaba Mundo, que parte da Rua Grão Mogol
suburbana e vai ao Parque. Essa obra, aliás necessária, foi iniciada pela
antiga Comissão Construtora e está parada desde 1897, e dela não poderá cogitar
tão cedo” (BELO HORIZONTE, 1900, p.31).
As obras de retificação e
canalização do curso d’água, paralisadas entre os anos de 1897 e 1924 só foram
retomadas no ano de 1925, pouco antes dos registros fotográficos, raros por
sinal, do curso d’água em leito natural. Na imagem à jusante é possível
observar um imóvel eclético ainda existente no cruzamento da Rua Pernambuco e
Avenida Brasil.
É importante compreender que ambas as fotografias, atualmente com um alto valor histórico e essencial para o pesquisador que vos escreve, certamente foram feitas com a finalidade de mostrar o “problema” gerado por um curso d’água que ainda se encontrava em leito natural, onde é claramente visível que tanto a Rua Bernardo Guimarães quanto a Avenida Afonso Pena se encontravam interrompidas pelo meandro que impossibilitava a ligação direta entre as duas vias.
Como se vê na primeira imagem, nesse
trecho existia apenas uma ponte de madeira sobre o córrego, diferentemente de
outros locais onde a prefeitura, perante o adensamento do então principal bairro
da zona urbana planejada, construiu algumas pontes de alvenaria de pedra,
destacando-se as pontes da Rua Santa Rita Durão (ainda existente, porém
soterrada) e a ponte da rua Pernambuco, ambas sobre o leito natural do Acaba
Mundo.
Na imagem abaixo, identificada
pelo autor no ano de 2016 e feita devido ao abatimento do canal construído às
pressas (para a administração municipal, era de grande importância a comercialização dos lotes atravessados pelo curso d'água) é possível ver a ponte da Rua Pernambuco sobre o córrego do Acaba
Mundo e a canalização tosca empreendida em 1926/1927. Na imagem é possível ainda
visualizar a placa com a data da construção da ponte (1909) e as iniciais do
prefeito Benjamim Brandão e do diretor de obras José Nogueira de Sá. Certamente
muitas das belas pontes do bairro Funcionários ainda existem, enterradas sob o
concreto e o asfalto das vias.
Na porção do bairro atravessado
pelo córrego do Acaba Mundo ainda deve existir cerca de quatro a cinco pontes
similares, onde se pode destacar ainda a ponte do cruzamento da Avenida Getúlio
Vargas e Rio Grande do Norte e a ponte da Rua Cláudio Manoel, todas sobre o referido
curso d’água. Nesse contexto, é importante observar que as pontes foram construídas
em caráter emergencial, uma vez que já estava prevista o desvio das águas do
Acaba Mundo para a Rua Professor Morais e Avenida Afonso Pena, obra executada
entre os anos de 1925 e 1929. O leito natural foi convertido em dreno pluvial, passando a ser responsável
pela coleta das águas de uma porção da vertente oeste do Acaba Mundo (bairro
Funcionários).
Fontes: BORSAGLI, Alessandro.
Rios invisíveis da metrópole mineira, Clube de Autores, 2016.
BORSAGLI, Alessandro. Rios
urbanos de Belo Horizonte. Clube de Autores, 2020.
Link Arraial de Bello Horizonte
Será tratada de forma breve a história da Fazenda Capitão Eduardo, sede de uma notável propriedade que se estendia desde o povoado dos Borges, na margem oeste do rio das Velhas, até a foz do ribeirão da Onça no majestoso rio. A fazenda se encontra às margens do ribeirão, mais precisamente em sua margem sul.
A fazenda foi
construída, ou adquirida no século XIX pelo Capitão Eduardo Aristides Augusto
de Lima, nascido em 1828 em Santa Luzia e falecido no ano de 1889. Seu pai, o
Tenente Coronel Serafim Timóteo de Lima, nascido em 1792, era fazendeiro e
negociante na Vila de Santa Luzia, possuindo ainda terras na região de Abre
Campo, assim como seu filho Justiniano Augusto de Lima.
A notícia mais antiga que se tem da propriedade do Capitão até o presente momento é a autorização dada pelo vice-presidente da Província de Minas, Francisco Leite da Costa Belém, que em 25 de setembro de 1871 autorizou o desmembramento da fazenda do Capitão Eduardo do município de Sabará, transferindo as terras para a freguesia de Santa Luzia, onde o Capitão ocupava o posto de comandante da 6ª Companhia aquartelada em Santa Luzia.
A fazenda teve
suas terras atravessadas pela linha-tronco da Central do Brasil por volta de
1893, que seguia em direção ao vale do rio São Francisco. A linha, após a barra
do ribeirão Arrudas, se desviava em direção à fazenda passando a poucos metros
da sede, indo novamente ao encontro do rio das Velhas após galgar o ribeirão da
Onça, sobre um pontilhão do qual atualmente se vê apenas os pilares de
alvenaria de pedra argamassada.
A questão da ferrovia já
foi abordada no capítulo 5 do Sob a Sombra,
tornando-se desnecessária uma nova explanação acerca do assunto ressaltando
que, visto que, devido a topografia do vale do rio das Velhas, mais atrativa e de menor
distância, a linha foi desviada quatro décadas mais tarde para às margens do rio
das Velhas, sendo suprimido o trecho correspondente à fazenda, que se tornou
anos mais tarde uma das principais vias do bairro Ribeiro de Abreu.
Em data
imprecisa, possivelmente no início do século XX a fazenda Capitão Eduardo foi
vendida para Antônio Ribeiro de Abreu, filho do Coronel Mariano de Abreu,
construtor da primeira sede da municipalidade, hoje Arquivo Público Mineiro.
Após a morte de
Ribeiro de Abreu, a fazenda e suas terras passaram para sua esposa, que
posteriormente as partilhou com os herdeiros as terras do futuro bairro Ribeiro
de Abreu. A fazenda possuía, de acordo com o registro de partilha datado do ano
de 1943, cerca de quatrocentos e setenta alqueires, culturas, pastos, e uma
parcela de cerrado ainda preservada, sendo que uma porção considerável da
fazenda se encontrava em terreno inundável, correspondente ao baixo Onça e suas
planícies de inundação. O documento ainda se refere à Fazenda como casa de construção antiga, que pertencia agora a
Ambrosina de Castro Abreu, viúva de Antônio Ribeiro de Abreu.
A partir desse
momento as terras da fazenda seriam sucessivamente parceladas pelos herdeiros,
desapropriadas para finalidades diversas (linha férrea, aterro sanitário e
moradias populares) e invadidas a partir da década de 1970, deflagrada pela
pressão urbana que empurrou a população de menor poder aquisitivo para fora do
município.
A propriedade,
ilhada pelo bairro Ribeiro de Abreu, se resumia no final do século XX a sede e
benfeitorias próximas, mantidas pelo último proprietário da fazenda, o Sr.
André Gustavo de Abreu Pereira Pinto, que empreendeu uma reforma no velho
casarão na década de 1990, suprimindo parcialmente suas características
originais na parte correspondente à fachada, de acordo com informações dos
moradores locais. A propriedade foi vendida à Companhia de Saneamento de Minas
Gerais (COPASA) para a construção da estação de tratamento de esgotos do
ribeirão da Onça, que ali instalou o seu escritório quando das obras da ETE.
Nesse período, a propriedade e sua arquitetura rural, tão viva em Minas Gerais e resumida apenas à Fazenda do Leitão, começou a atrair a atenção do Autor, visto que até o ano de 2008 ainda era possível visualizar o casarão da Rodovia MG-020, cuja entrada era vedada pela Copasa.
Finalmente, no mês de abril de 2016, após inúmeros pedidos de visita e pesquisas diversas, o Autor conseguiu entrar na propriedade, então abandonada. Não é necessário descrever a sensação e satisfação que teve o pesquisador ao se deparar com um imóvel genuinamente rural, de características que remetem aos períodos colonial e imperial, cuja importância e existência é desconhecida por muitos na capital.
Diante de tal
constatação, iniciou-se uma pesquisa mais detalhada sobre a fazenda, em parceria
com Marluce Nogueira Quaresma e descobriu-se que se trata de um dos imóveis
mais antigos do município de Belo Horizonte, apesar da propriedade ter
pertencido anteriormente a Sabará e Santa Luzia, em região anexada à capital
poucos anos após a sua inauguração (1897).
O horizonte é raso e as pressões políticas-imobiliárias são verdadeiras. E assim a ruralidade desaparece por completo no município, a partir do desprezo histórico-cultural pelas reminiscências de um período que representa o atraso perante um progresso a base de concreto, de asfalto e embebido de esgoto. O breve histórico aqui apresentado é uma pequena contextualização de um dos imóveis mais antigos do município.
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Instagram: @curraldelrey
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Contato do Autor
- Alessandro Borsagli
- Professor e pesquisador, graduado em Geografia (PUC-MG) e História (UNIFRAN) e Mestre em Geografia pelo PPGG-TIE da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Do convívio à ruptura: a cartografia na análise histórico-fluvial de Belo Horizonte - 1894/1977). Pesquisador atuante na área de Geografia Urbana, Geografia Histórica, Memória Urbana, Hidrogeografia e Estudos da Paisagem, com foco no Estado de Minas Gerais. Autor do site Curral del Rey, destinado ao resgate da memória urbana e a análise sobre o processo de evolução urbana de Belo Horizonte e das mudanças ocorridas na paisagem urbana da capital mineira, dos livros Rios invisíveis da metrópole mineira, Horizontes Fluviais, Rios urbanos de Belo Horizonte e de diversos livros sobre a cidade de Belo Horizonte. Email:borsagli@gmail.com