Distância entre os
povoados representada nas Cartas Sertanistas, elaboradas na primeira metade
do século XVIII. A partir das informações contidas no importante documento
geográfico-histórico, um dos primeiros registros do arraial que se transformou em
metrópole dois séculos mais tarde, optou-se pela adoção do topônimo ‘Curral del
Rey’, de origem galego-portuguesa, no site criado
para divulgar as pesquisas
sobre o processo de desenvolvimento urbano de Belo Horizonte.
Acervo BN
Hoje, dia treze de abril, faz dez anos que realizei a
primeira publicação no Curral del Rey. De lá para cá foram mais de cento de cinquenta
textos postados no site, que se encontra com mais de um milhão de visitas, e inúmeras
publicações que abordam o processo de evolução urbana de Belo Horizonte a
partir da perspectiva da Geografia Histórica. Nestes dez anos de site só tenho
a agradecer a tod@s os leit@res e amigos que fiz ao longo das pesquisas e que
são a força motriz do trabalho realizado até agora. Abaixo parte de um pequeno texto que
escrevi para o livro “Curral del Rey: a metrópole em preto & branco
(1999-2019), que será lançado nas próximas semanas:
Muitas são as Belo Horizontes em que vivemos. Para mim,
apesar de ter nascido no ano de 1979, muitas lembranças das mudanças ocorridas
na capital desde a década de 1980 vem à tona quando começo a mexer nos arquivos
armazenados em minha mente. Morador do bairro Santo Antônio durante grande
parte da minha vida, no entanto criado em Santa Tereza, guardo em minha memória
a chácara na Rua Pitangueiras, demolida no final da década de 1980 para a
construção de um edifício residencial. Também se encontra em minhas memórias
uma tranquila Avenida Prudente de Morais sem semáforos e a agradável
perspectiva das janelas do meu apartamento, da qual era possível visualizar
quase toda a Avenida Raja Gabaglia, parte da Serra do Curral, o Neon do
hospital Biocor e o Morro do Papagaio, ouvindo ainda, nas silenciosas
madrugadas, a composição do Ramal de Águas Claras transportando o minério
extraído da Serra do Curral para o além-mar.
A barragem Santa Lúcia era um dos locais preferidos para
andar de bicicleta e brincar em meio ao mato e aos barrancos formados pelas
movimentações de terra e assoreamentos oriundos da urbanização e ocupação dos
bairros adjacentes, ocorrido ao longo das décadas de 1970 e 1980. Isso, falando
apenas do bairro Santo Antônio e adjacências. De Santa Tereza, local onde passei
boa parte da minha infância e adolescência, me lembro das remoções das favelas
ribeirinhas e do prolongamento da Avenida dos Andradas, onde aprendi a andar de
bicicleta, na vastidão dos aterros do antigo leito do Arrudas e das pipas sobre
uma inacabada ponte do Cardoso. Abaixo da Avenida Silviano Brandão havia apenas
mato e casas às margens de um ribeirão que ainda corria em seu leito natural.
Lembro ainda das terras altas da capital, pouco povoadas e
mesmo desabitadas, como a região da Lagoa Seca, região que frequentei
semanalmente a pé e de bicicleta até os meus dezenove anos, vedada a partir do
início da verticalização que encheu de pregos as vias até então desertas,
fenômeno que presenciei in loco. E por inúmeras vezes, me refugiei no alto da
Serra do Curral para assistir aos crepúsculos vespertinos mais belos que já vi.
Tudo isso nada mais é do que fragmentos de memória de uma cidade que já conheci
metrópole, com todas as suas belezas e mazelas, uma cidade caótica, mas que
apresentava um agradável relacionamento entre seus citadinos, o que,
infelizmente, em parte vem se perdendo com a consolidação de uma cultura
materialista-individualista explícita e ignorante.
Nesse contexto do resgate memorial dos fragmentos,
paisagens, percepções e mesmo situações vividas ao longo de nossa existência,
na década de 1990, mais precisamente no ano de 1996, comecei a fotografar
diversas paisagens dentro e fora de Belo Horizonte, que possibilitaram as
múltiplas percepções não só da cidade, mas também do rural, do natural e das
perspectivas e interações entre os elementos da paisagem, alguns peculiares a
Minas Gerais e utilizando uma máquina fotográfica analógica, uma vez que as
câmeras digitais eram muito caras e se encontravam em evolução, além do fato de
que na época não me atraía nem um pouco a ideia de fazer uma dezena de imagens
de um mesmo local e só aproveitar uma ou duas, visto que os filmes eram caros,
ainda mais em preto e branco. Hoje vejo que essa ideia, com as suas devidas
ressalvas, foi importante para o meu aprendizado e para a transição para o
digital.
Nos primeiros anos do século XXI eu fotografava
prioritariamente paisagens do interior de Minas Gerais e mesmo de outros
Estados, tanto a cores quanto preto e branco, utilizando para as fotografias a
cores uma Olympus Stylus portátil, que fazia fotos panorâmicas e que ao mesmo
tempo era compacta, diferentemente da Konica, utilizada para as fotografias
preto e branco e que exigia o transporte de lentes e tripé. Nesse período, as
minhas preferências eram por registros que compreendessem paisagens naturais e
as reminiscências históricas do Estado e fora dele, o que acabou por me
possibilitar conhecer uma quantidade considerável de cidades. Registrava Belo Horizonte? Sim, mas com uma frequência
irregular, uma vez que ainda não tinha uma clara percepção do espaço e das
múltiplas relações entre a sociedade e o meio que resultam na ininterrupta
transformação da cidade. A capital mineira é a minha matriz, mas na época eu
ainda não possuía uma ideia clara da importância de se registrar as paisagens
urbanas que se encontravam em transformação e as reminiscências de paisagens
pretéritas.
O ingresso no curso de Geografia da PUC Minas no ano de 2003
ampliou o meu horizonte em relação a metrópole mineira, uma urbe de vanguarda
que busca incessantemente a modernidade, uma urbe de construções e demolições
constantes, um organismo vivo de grandes pluralidades e contradições, rupturas
e permanências. Aos poucos, Belo Horizonte deixou de ser apenas a minha cidade
natal e passou a despertar sentimentos, percepções e questionamentos que foram
se ampliando nos anos seguintes, ao mesmo tempo em que a adoção da fotografia
digital, ocorrida no ano de 2005 para facilitar os registros dos trabalhos de
campo, possibilitou a captação de imagens para fins documentais, me
desobrigando dos custos de revelação.
No ano de 2006, a partir de uma pesquisa sobre a Fazenda
Capitão Eduardo, reminiscência das antigas propriedades rurais do século XIX no
município, realizada no Instituto de Geociências Aplicadas e no Arquivo Público
da Cidade de Belo Horizonte, ambos na Rua Itambé, comecei a ter contato com os
relatórios dos prefeitos da capital, publicação anual que me despertou a
atenção para os detalhes e imagens de paisagens que até então desconhecia, ainda
que, desde os meus dez anos de idade, a partir de um livro (Memória da Economia
da cidade de Belo Horizonte) do acervo da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil
localizada na Rua Carangola, comecei a ter contato com textos e imagens
históricas da capital, até então publicadas em doses homeopáticas e que ainda
não possuíam o valor atribuídas a elas na atualidade. Isso demonstra a
importância em que a leitura e as bibliotecas possuem na formação do indivíduo
e o quanto são negligenciadas na atualidade por uma parcela da sociedade cada
vez mais ignorante, alienada e estúpida, que prefere se instruir pela Internet
e redes (anti)sociais, ao invés de ler livros e debater de maneira racional as
questões pretéritas e atuais.
Ao mesmo tempo em que o contato com os acervos documentais
se intensificavam, as instituições guardiãs dos acervos fotográficos começavam
a disponibilizar em formato digital as fotografias que registravam o processo
de evolução urbana de Belo Horizonte, ou seja, esses fatores, aliados à ampla
visão que a geografia proporciona, em um momento em que a cidade e a sua
paisagem urbana se transformavam com as obras do Boulevard Arrudas e a Linha
Verde, além dos edifícios não paravam de surgir no horizonte, me despertou para
a necessidade de registrar de maneira contínua as transformações na paisagem
urbana, ao mesmo tempo em que iniciei as pesquisas sobre a capital, a partir da
perspectiva geográfica-histórica urbana.
O ano de 2007 pode ser considerado o ponto de partida das
pesquisas, que três anos mais tarde se converteram no Curral del Rey, blog
batizado com o nome do povoado que deu lugar a nova capital de Minas. Adotou-se
o topônimo primitivo (Rey), de origem galego-portuguesa e amplamente utilizado
na primeira metade do século XVIII, ao invés do topônimo (Rei), este último utilizado
de maneira frequente a partir da segunda metade do século XVIII. Ressalta-se
que os dois topônimos se encontram corretos ao se referir ao arraial e se
encontram em diversos documentos entre 1720 e 1890. O blog foi criado para
promover o amplo acesso às pesquisas realizadas por mim e publicadas numa
linguagem simples e direta, pois a pesquisa não se deve restringir a academia e
nem se prender a uma linguagem puramente técnica, lembrando que a sociedade deve tomar
conhecimento e se beneficiar de tudo que é produzido pela ciência.
Nos últimos quatorze anos, realizei mais de seiscentas
pesquisas de campo em Belo Horizonte, não só para registro fotográfico, mas
também para tomar conhecimento das peculiaridades, realidades, aspectos e para
o registro das memórias e informações sobre a cidade, sem contar as visitas aos
arquivos, bibliotecas, aquisição de material sobre a capital, livros (inclusive
as publicações originais da CCNC e o relatório de 1893), revistas e
fotografias, além de conversas e encontros com pesquisadores e citadin@s, que
oxigenam o cérebro e aprofundam a discussão sobre Belo Horizonte e suas
múltiplas faces.
As imagens, antigas e atuais, procuram atestar toda a
mudança paisagística da capital mineira, onde a concentração e atuação ao longo
das décadas de determinados grupos em determinadas áreas geraram formas e
deixam marcas na paisagem, adaptada e modificada a partir de suas necessidades
e interesses. Nesse contexto, as fotografias ainda possuem a função de
complementar as pesquisas realizadas sob a ótica geográfica-histórica, um campo
de estudo que pode ser definido como um ramo da Geografia que estuda o presente
que existiu em algum momento do que hoje é passado (Silva, 2012), que se
preocupa em recuperar as espacialidades pretéritas que marcam as espacialidades
atuais (Erthal, 2003).
Dentro dessa perspectiva, a construção e metropolização da
cidade de Belo Horizonte se concentram em um período de setenta anos (1896/1966),
ou seja, um espaço de tempo consideravelmente pequeno e repleto de informações
abordadas de maneira pontual, parcial ou nunca abordadas, o que acabou por
criar lacunas espaciais e temporais nos registros sobre o processo de evolução
urbana. Ressalta-se que, nesse mesmo período, a fotografia se popularizou e
passou a ser utilizada como propaganda oficial e não oficial, atestando toda a
mudança paisagística de uma cidade que se reinventou e se modernizou ao longo
do século XX.
Enfim, entre erros e acertos, a pesquisa sempre procurou
explicitar as múltiplas faces de uma cidade de ares joviais e ao mesmo tempo
tradicionais, onde muitos ainda acreditam que se afastar dos seus elementos e
do meio ambiente é necessário para atingir a tão almejada modernidade, uma modernidade
que gera notáveis disparidades espaciais, sociais e contrastes tão peculiares à
metrópole mineira, uma urbe que ao mesmo tempo em que queria e quer ser moderna
e plural, ainda conserva algumas tradições e costumes que estranhamente se perpetuam em um
Estado guardado pelas montanhas.
Abaixo algumas imagens feitas nos primeiros anos de pesquisa e registro e fotos de algumas das pesquisas de campo realizadas no munício de Belo Horizonte e em suas bacias hidrográficas.
Cachoeira do Freitas (ribeirão Arrudas) 1999: uma das primeira imagens de BH feitas pelo Autor.
Acervo Alessandro Borsagli
Mina de Águas Claras, 2000
Acervo Alessandro Borsagli
Rosa dos Ventos (PUC Minas) pouco antes da substituição da pintura por pedra, 2003.
Acervo Alessandro Borsagli
Hotel Imperial, 2003.
Acervo Alessandro Borsagli
Antiga Fafich e os anseios por liberdade, 2004.
Acervo Alessandro Borsagli
Morro das Pedras e bairro Gutierrez, 2004.
Acervo Alessandro Borsagli
Abertura da Avenida do Cardoso, 2007.
Acervo Alessandro Borsagli
Linha Verde, 2008.
Acervo Alessandro Borsagli
Metrô de Belo Horizonte, 2009.
Acervo Alessandro Borsagli