Canalização do córrego da Serra na zona urbana de Belo Horizonte em 1928.
Fonte: FGV/CPDOC
Muitos
dos artigos publicados neste Blog/Site tratam da questão da drenagem urbana e
dos cursos d’água em Belo Horizonte. É um assunto realmente interessante e singular
no caso de BH, pois os cursos d’água, com exceção do Ribeirão Arrudas e dos
metros finais do córrego do Acaba Mundo foram ignorados pela Comissão
Construtora da Nova Capital (CCNC) ao locar a Planta da Cidade de Minas no sitio do
então arraial de Belo Horizonte. Como já se expôs em outros artigos os córregos
que atravessam a zona urbana da capital[1] foram retificados e
canalizados a partir da década de 1920 para permitir a expansão urbana para a
região sul da capital, região destinada às camadas mais abastadas. Os córregos
foram retificados para as vias mais próximas do seu leito natural como os
córregos do Acaba Mundo no bairro Funcionários e o Leitão no bairro de Lourdes.
O Acaba Mundo é um bom exemplo de como se deu a retificação, antes o seu leito
atravessava as ruas Paraibuna (Professor Morais) e Rio Grande do Norte,
seguindo entre os quarteirões planejados, atravessava a Avenida Afonso Pena e
seguia paralela a Rua Bernardo Guimarães até o Largo da Boa Viagem, entrando logo
abaixo do Largo no Parque Municipal. A sua retificação e canalização para a Rua
Professor Morais e Afonso Pena proporcionou a expansão urbana do bairro
Funcionários, interrompida nesse trecho por causa do leito do córrego, que foi
então aterrado com material proveniente da Praça do Cruzeiro. Uma retificação
visa o ganho de terras para empreender a urbanização e para amenizar o efeito
causado pelas enchentes em um âmbito local.
Já
o Ribeirão Arrudas segundo a Planta de 1895 inicialmente seria retificado e
canalizado apenas no trecho que atravessa a zona urbana da capital. O trecho
compreendido dentro do projeto primitivo do Parque Municipal continuaria a
correr em seu leito natural, assim como o Acaba Mundo correria também em seu
leito natural dentro do Parque, formando os Lagos e desaguando no Arrudas. Na
verdade o projeto primitivo do Parque nunca saiu da Planta, ficando limitado à
margem direita do Ribeirão, que correu em seu leito natural nesse local até a
década de 20, quando então foi criada a Avenida do Canal, que não existia no
projeto inicial da nova capital e posteriormente rebatizada de Avenida dos
Andradas, em homenagem ao então Presidente do Estado. Entre 1897 e 1940 os diversos
trechos do ribeirão dentro da zona urbana foram sendo retificados e canalizados
em diferentes administrações, cada uma delas empregando um processo diferente
de revestimento do canal. Por isso que o Arrudas apresentava até a década de 80,
entre o Barro Preto e a região central diversos trechos diferentes entre si no
que diz respeito a largura e ao revestimento do canal.
Parte da Planta Geodésica de 1895 onde estão sinalizados os principais córregos que atravessam a Zona Urbana de Belo Horizonte e o ribeirão Arrudas, receptor das águas dos cursos d'água em destaque.
Canalização do ribeirão Arrudas em 1928. À esquerda o emissário construído ao longo da Avenida dos Andradas, cujo despejo de esgoto se dava no termino da canalização, abaixo da Ponte do Perrela.
Fonte:FGV/CPDOC
Obras de canalização no antigo leito do córrego do Acaba Mundo, posteriormente aterrado para a regularização e urbanização do bairro Funcionários.
Fonte:FGV/CPDOC
Retificação e canalização do ribeirão Arrudas na altura do bairro Carlos Prates em 1935.
Fonte: APCBH
Retificação e canalização do ribeirão Arrudas na altura do Parque Municipal em 1928.
Fonte: APM
Córrego do Leitão canalizado e retificado na Rua São Paulo
Fonte: FGV/CPDOC
Córrego do Acaba Mundo canalizado na Avenida Afonso Pena.
Fonte: APM
Os leitos distintos do Ribeirão Arrudas em relatório do Plambel de 1975.
Fonte: Acervo PLAMBEL
Á
partir de 1946 a capital cresceu vertiginosamente, apresentando entre as
décadas de 1950 e 1970 a maior taxa de crescimento do país e os cursos d’água
passaram a sofrer as consequências desse crescimento. Suas águas, que desde os
primeiros anos sofriam com a poluição passaram a receber todo tipo de dejetos e
lixo domestico, visto que a coleta de lixo, precária entrou em colapso na década
de 60, o que levou uma parte da população a se livrar do lixo domestico nos
cursos d’água a céu aberto. A rede e os emissários de esgotos não davam conta
devido a falta de investimentos por parte da Prefeitura. Havia também o
problema da mobilidade urbana que, por causa do grande adensamento da região
central e adjacências e do aumento da frota de veículos já apresentavam
congestionamentos nos horários de pico em diversos locais, ao mesmo tempo em
que o transporte público de responsabilidade da Prefeitura se deteriorava em
favor dos concessionários de ônibus.
Da
mesma forma que acontecia em outros centros urbanos brasileiros, era uma
questão de tempo a cobertura dos córregos dentro da zona urbana de BH. É bom
lembrar que o córrego da Serra já se encontrava coberto desde a década de 30
dentro da zona urbana, apenas o trecho perto das suas nascentes continuava a
correr em leito natural, e o córrego do Barro Preto, poluído havia sido coberto
em 1928 em toda a sua extensão.
Entre
os anos de 1963 e 1966 o córrego do Acaba Mundo foi coberto na Rua Professor
Morais e ao longo da antiga BR-3 (Avenida Nossa Senhora do Carmo), na década de
70 ele foi coberto para a abertura da Avenida Uruguai e em 1980 ele foi fechado
no trecho da Avenida Afonso Pena. Ainda na década de 70 foram cobertos os
córregos do Leitão e do Pastinho[2], esse ultimo para o
alargamento da Avenida Pedro II, uma das vias mais problemáticas no que diz
respeito à mobilidade urbana, até os dias atuais.
Grande parte da população e o Poder Público viam esses cursos d’água como um entrave para o desenvolvimento da capital (na década de 60 as palavras sanitárias e estéticas estavam na moda nos documentos oficiais, quando se referiam as obras de lajeamento dos córregos), assim como a arborização da região central, suprimida ou substituída a partir da década de 60, em muitos casos sob protesto da população. Mas com os cursos d’água isso não aconteceu, na verdade a própria população pedia medidas urgentes para a solução dos problemas causados pelos córregos, desde o mau cheiro causado pela poluição das águas até a lama trazida pelas enxurradas nos períodos chuvosos e pelas enchentes que levavam o lixo e a sujeira dos córregos para as vias. Em muitos casos quem causava tais problemas era a própria população, devido à falta de consciência, como escrevi no artigo “Qualquer semelhança não é mera coincidência– os destinos dos cursos d’água que atravessam a capital”.
Grande parte da população e o Poder Público viam esses cursos d’água como um entrave para o desenvolvimento da capital (na década de 60 as palavras sanitárias e estéticas estavam na moda nos documentos oficiais, quando se referiam as obras de lajeamento dos córregos), assim como a arborização da região central, suprimida ou substituída a partir da década de 60, em muitos casos sob protesto da população. Mas com os cursos d’água isso não aconteceu, na verdade a própria população pedia medidas urgentes para a solução dos problemas causados pelos córregos, desde o mau cheiro causado pela poluição das águas até a lama trazida pelas enxurradas nos períodos chuvosos e pelas enchentes que levavam o lixo e a sujeira dos córregos para as vias. Em muitos casos quem causava tais problemas era a própria população, devido à falta de consciência, como escrevi no artigo “Qualquer semelhança não é mera coincidência– os destinos dos cursos d’água que atravessam a capital”.
"A falta de conscientização da população
naquela época era alarmante, pois os cursos d’água eram simplesmente tratados
como deposito de lixo, pois para eles a água leva tudo que é indesejável nos
centros urbanos como o lixo, esgotos, animais mortos etc. a Prefeitura por sua
vez não ajudava, pois o sistema de coleta de lixo estava à beira de um colapso.
As enchentes, frequentes nesse período levava para as ruas e avenidas todo o
material depositado nos cursos d’água, aumentando ainda mais o desejo de ver os
córregos erradicados da área urbana, ou seja, na verdade era esconder o
“problema” debaixo do tapete. E a população apoiou e aplaudiu os fechamentos
dos cursos d’água".
Como
se afirmou acima a cobertura dos córregos escondeu o problema da poluição “debaixo
do tapete”, além de contribuir para a melhoria da mobilidade na região central
e para o embelezamento. É bom ressaltar que tais obras estavam em conformidade
com os investimentos do Governo Federal que priorizavam a melhoria do
transporte e para o saneamento dos grandes centros urbanos. Em Belo Horizonte
tais obras contribuíram para a melhoria do transporte individual, apenas. O
transporte coletivo piorava a cada ano que passava, visto que a crescente população
passou a depender somente dos ônibus administrados pelos concessionários. Os
trólebus haviam sido extintos em 1969 após pressões exercidas pelos
concessionários, assim como os ramais férreos se deterioravam ano após ano, ao
mesmo tempo em que se criavam novas linhas de ônibus.
O Vale do córrego do Leitão, Cidade Jardim e Morro do Querosene em 1955. Sobre o córrego nesse exato local foi aberta a Avenida Prudente de Morais em 1970.
O córrego do Acaba Mundo em 1949 no cruzamento das Ruas Professor Morais e Tomé de Souza.
Córrego do Leitão na Rua Tupis na década de 50.
Ribeirão Arrudas em 1963 no bairro da Lagoinha. Ao fundo a Ponte do Bedeco e à esquerda o Cine São Geraldo.
Remoção da alvenaria de pedra para o alargamento da canalização e cobertura do córrego do Acaba Mundo na Rua Professor Morais em 1963.
Remoção da alvenaria de pedra do córrego na mesma rua.
O córrego erradicado da paisagem urbana em 1965 na Rua Professor Morais.
Cobertura do córrego do Leitão na Rua Padre Belchior em 1971.
Fonte: Desconhecida
Canalização e cobertura do mesmo córrego para a abertura da Avenida Prudente de Morais em 1970.
Muitos
de vocês devem se perguntar por que a maioria dos artigos sobre os cursos
d’água de Belo Horizonte abordam os córregos que nascem e atravessam a região
centro-sul da capital. Em primeiro lugar, por eles atravessarem a zona urbana
planejada pela CCNC, local onde se concentravam a maioria dos aparatos
administrativos, do comercio, de educação e de serviços desde 1897, ano da
inauguração da capital, é sem duvida a região que apresenta maior documentação
disponível para pesquisas, além de inúmeras imagens que nos permitem
compreender as mudanças na paisagem ao longo das décadas. A região central
(primitivamente denominada bairro comercial) de Belo Horizonte se encontra
inserida nas micro bacias dos córregos do Leitão, Acaba Mundo e Serra, além da
sub-bacia do ribeirão Arrudas.
A região sempre foi de prioridade do Poder Público para a
instalação e manutenção dos equipamentos urbanos necessários para o
funcionamento da cidade e para os espaços públicos. Esses fatores nos ajudam a
compreender o porquê da verticalização ter se iniciado na região central, e
posteriormente a congestão urbana, a decadência dos espaços públicos e o
descontrole da verticalização, que acarretou e ainda acarreta enormes problemas
para a população, que costuma culpar apenas o Poder Público, as administrações
que passaram pela Prefeitura e a falta de obras para a melhoria da mobilidade e
da qualidade de vida, perdida principalmente por causa do adensamento
populacional[3].
Parte das Plantas Topográfica e Geral elaboradas em 1895 onde se destacam os cursos d'água ignorados pela CCNC e o ribeirão Arrudas, que seria canalizado na região central.
Planta de 1923 onde figuram os córregos que atravessam a zona urbana planejada de BH retificados de acordo com a Planta de 1895.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte: FJP. 1997.
Região central de BH onde se destacam em marrom os cursos d'água canalizados.
Fonte: PLAMBEL, 1975
Pois
bem, a cobertura dos córregos nas décadas de 60 e 70 trouxe uma melhoria momentânea
no fluxo viário, principal motivo apontado pelo Poder Público para a execução
de tais obras, até o presente momento (2013) e amenizando o mau cheiro nas
regiões atravessadas por eles. Com o passar dos anos e a acentuada
verticalização e adensamento da região sul, impulsionada pela abertura da
Avenida Prudente de Morais e pela demolição das primeiras casas residenciais
construídas nos bairros Santo Antônio, São Pedro, Sion, Anchieta etc. os
congestionamentos se estenderam para as principais vias da região, muitas delas
construídas sobre os córregos, nas drenagens e nos fundos de vale.
De
fato a partir da década de 1990 os velhos problemas das enchentes e do mau cheiro
voltaram a rondar os locais atravessados pelos córregos do Leitão e do Acaba
Mundo[4]. O adensamento e
urbanização das vertentes dos córregos assim como a impermeabilização do solo e
o esgoto despejado em suas águas sobrecarregaram os cursos d’água, que passaram
a sair da sua calha periodicamente nos períodos chuvosos. As canalizações
naturalmente não comportariam tal volume d’água, pois o crescimento urbano foi
bem maior do que a previsão feita pelos engenheiros quando da confecção do
projeto, da mesma forma que não se imaginava que a verticalização atingiria
tais proporções na região sul e nas cabeceiras dos córregos.
Exceção
feita ao ribeirão Arrudas, a principal drenagem de Belo Horizonte, um
verdadeiro emissário a céu aberto que sofre com a poluição e com o despejo dos
esgotos desde o inicio do Século XX e tornou-se um curso d’água “morto” na
década de 1970 e o ribeirão do Onça, a principal drenagem
da região da Pampulha e Venda Nova, os córregos poluídos poderiam ter sido salvos?
Na minha analise eu acredito que sim, pois passaram pela Prefeitura ao longo das décadas diversos profissionais, em particular o Engenheiro Sanitarista Lincoln Continentino (que sugeriu em 1941 um conjunto de parques ao longo do Arrudas, no prolongamento da Avenida dos Andradas vislumbrado por ele) que tinham plenas condições que elaborar e executar um plano de saneamento das micro bacias dos córregos e mesmo na bacia do Arrudas que impedisse que os esgotos, o lixo e outros poluentes atingissem os cursos d’água, além de cuidar das suas cabeceiras visando amenizar o assoreamento deles. Um plano dessa magnitude executado no momento que se iniciava a urbanização da região certamente teria salvado os cursos d’água hoje cobertos e transformados em emissários de esgotos, além do próprio Arrudas. Mas também tinha o grave problema financeiro que assolou a Prefeitura desde a inauguração da capital, grande parte das obras executadas nas primeiras décadas foram financiadas na sua totalidade pelo Governo Estadual, em particular as executadas na década de 1920, década da retificação e canalização dos córregos aqui abordados, a despoluição na verdade nunca esteve em pauta nas politicas urbanas de grande parte do Século XX. A partir da década de 1940 teve o problema do acentuado crescimento da capital, que as administrações municipais não acompanharam sob a alegação de falta de recursos para a instalação dos equipamentos urbanos necessários para dar suporte ao crescimento urbano.
Existia uma consciência em relação à poluição das águas dos cursos d’água, é bom lembrar que Belo Horizonte foi concebida para ser uma cidade que primava pela salubridade e pela higiene[5], conceitos que foram sendo deixados de lado ao longo dos anos. Apesar de tal consciência os cursos d’água iam se tornando mais poluídos ao longo dos anos, de fato conveniente para o Poder Público que não precisaria se preocupar no momento com a construção de novos emissários de esgotos, os córregos fariam esse papel. Entre 1897 e 1972 60% da rede de esgoto de Belo Horizonte havia sido construída pela Comissão Construtora da Nova Capital. Os Sanitaristas que realmente se preocupavam com um real saneamento ficaram de mãos atadas pelo Poder Público, os cursos d’água pagaram um preço alto e a população belorizontina, que sofria com a falta d’água diária foi aos poucos sendo privados dos cursos d’água utilizados por muitos para a captação de água local, se banhar ou mesmo lavar roupas, lembrando que as colônias agrícolas que existiram em BH entre 1897 e 1913 foram assentadas nas vertentes dos córregos que banham a zona suburbana da capital, origem das suas nascentes.
Na minha analise eu acredito que sim, pois passaram pela Prefeitura ao longo das décadas diversos profissionais, em particular o Engenheiro Sanitarista Lincoln Continentino (que sugeriu em 1941 um conjunto de parques ao longo do Arrudas, no prolongamento da Avenida dos Andradas vislumbrado por ele) que tinham plenas condições que elaborar e executar um plano de saneamento das micro bacias dos córregos e mesmo na bacia do Arrudas que impedisse que os esgotos, o lixo e outros poluentes atingissem os cursos d’água, além de cuidar das suas cabeceiras visando amenizar o assoreamento deles. Um plano dessa magnitude executado no momento que se iniciava a urbanização da região certamente teria salvado os cursos d’água hoje cobertos e transformados em emissários de esgotos, além do próprio Arrudas. Mas também tinha o grave problema financeiro que assolou a Prefeitura desde a inauguração da capital, grande parte das obras executadas nas primeiras décadas foram financiadas na sua totalidade pelo Governo Estadual, em particular as executadas na década de 1920, década da retificação e canalização dos córregos aqui abordados, a despoluição na verdade nunca esteve em pauta nas politicas urbanas de grande parte do Século XX. A partir da década de 1940 teve o problema do acentuado crescimento da capital, que as administrações municipais não acompanharam sob a alegação de falta de recursos para a instalação dos equipamentos urbanos necessários para dar suporte ao crescimento urbano.
Existia uma consciência em relação à poluição das águas dos cursos d’água, é bom lembrar que Belo Horizonte foi concebida para ser uma cidade que primava pela salubridade e pela higiene[5], conceitos que foram sendo deixados de lado ao longo dos anos. Apesar de tal consciência os cursos d’água iam se tornando mais poluídos ao longo dos anos, de fato conveniente para o Poder Público que não precisaria se preocupar no momento com a construção de novos emissários de esgotos, os córregos fariam esse papel. Entre 1897 e 1972 60% da rede de esgoto de Belo Horizonte havia sido construída pela Comissão Construtora da Nova Capital. Os Sanitaristas que realmente se preocupavam com um real saneamento ficaram de mãos atadas pelo Poder Público, os cursos d’água pagaram um preço alto e a população belorizontina, que sofria com a falta d’água diária foi aos poucos sendo privados dos cursos d’água utilizados por muitos para a captação de água local, se banhar ou mesmo lavar roupas, lembrando que as colônias agrícolas que existiram em BH entre 1897 e 1913 foram assentadas nas vertentes dos córregos que banham a zona suburbana da capital, origem das suas nascentes.
O ribeirão Arrudas em 1967, logo abaixo da Avenida do Contorno e em 2008, canalizado e retificado no mesmo trecho. A canalização empregada na década de 80 proporcionou a mudança das linhas férreas que seguem ao longo do ribeirão, porém erradicou as Favelas da Baiana, União e Urubus da paisagem, além de extinguir parte da Favela do Perrela na margem esquerda.
Fonte: APCBH e Google Earth
Ribeirão Arrudas na região leste de BH no final da década de 70. Abaixo a Favela Gogó da Ema, desaparecida quando da retificação e canalização e Vila São Rafael.
Fonte: APCBH Coleção José Góes
Final da antiga canalização do Arrudas em 1983 na Ponte do Perrela. Ao lado da ponte é possível ver os emissários de esgotos construídos nas décadas de 1910 e 1920 que despejavam os esgotos da capital in natura no ribeirão. A imagem data do inicio de 1983 após a grande enchente de 02 de Janeiro de 1983 que arrasou com a antiga ponte da Avenida do Contorno.
Fonte: Acervo PLAMBEL
Mapa do Plambel que mostra a canalização e retificação a serem empregadas no Arrudas, realizada no decorrer da década de 80.
Fonte: Acervo PLAMBEL
Obras de retificação e canalização do Arrudas, no trecho mostrado na imagem anterior. À direita o ribeirão desviado para um canal provisório, aterrado para o prolongamento da Avenida dos Andradas em 1986. A esquerda o bairro de Santa Tereza.
Fonte: Acervo SUDECAP
Com
tudo que se expôs acima vem a pergunta: seria possível promover hoje uma
renaturalização dos córregos atualmente cobertos na zona urbana? Nas atuais
circunstâncias não, pelo menos enquanto o automóvel continuar sendo o
protagonista das politicas urbanas na capital. Inicialmente seria necessária a
revitalização dos cursos d’água, obra extremamente dispendiosa devido a
necessidade de se construir e ampliar toda a rede de esgoto das micro bacias,
além da construção de novos emissários para a captação dos esgotos sanitários,
evitando o despejo nos córregos. Seria necessária uma medição da vazão do curso
d’água, pois a bacia se encontra totalmente impermeabilizada e certamente
muitas das nascentes podem estar aterradas ou desaparecidas, lembrando que os
cursos d’água que foram retificados e canalizados apresentam um processo de
renovação natural prejudicado.
Renaturalizar
os córregos significa abrir a sua calha novamente, e em muitos casos os
voltando para o seu curso original. No caso do Acaba Mundo e Leitão, que abordo nesse artigo seria
impossível reconduzi-los para o seu leito natural, aterrado e urbanizado há décadas.
Para eles voltarem a correr a céu aberto seria inevitável a supressão de uma a duas
pistas das vias existentes ao longo do curso. Isso acarretaria toda uma mudança
na circulação viária, com grande prejuízo para a mobilidade urbana, que se
encontra atualmente em um estado critico. Certamente a grande maioria da
população seria contra essa medida, da mesma forma que foram a favor da cobertura
nas décadas de 60 e 70. Sem duvida o nível de conscientização ambiental vem
crescendo a cada dia, e uma renaturalização seria vista com bons olhos, mas seria
possível somente se medidas similares como as expostas acima fossem tomadas,
além de outras tantas necessárias para uma renaturalização que se harmonize com
o meio urbano.
Atualmente
grande parte da população belorizontina desconhece a existência desses cursos
d’água correndo sob seus pés e residências, visto que eles foram cobertos há
pelo menos cinquenta anos tornando-se quase impossível ter uma noção da
geografia que os conformam. Infelizmente o ribeirão Arrudas terá o mesmo destino
dos córregos, visto que a cobertura da sua calha é uma das prioridades das
administrações municipais e estaduais nos últimos anos para a melhoria da
mobilidade, contrariando toda a política de renaturalização vigente no planeta e o DRENURBS.
Para que houvesse um início de mudança no que diz respeito ao tratamento dos
córregos cobertos seria bem vindo um trabalho de conscientização da população,
apresentando a ela os cursos d’água que correm em seus bairros, excursões aos
fundos de vale, mesmo urbanizados e as suas nascentes etc. além de um trabalho
de paisagismo caso os cursos d’água voltem a correr a céu aberto. Se a
população não tomar conhecimento da existência deles, como então exigir uma
renaturalização e conservação, ainda mais que a retificação e a canalização são
“vendidas” como a melhor solução para o problema desde a construção da capital. Aliás, os cursos d’água que
cortam centros urbanos no Brasil são tratados como um grave problema e cabe ao
ser humano corrigir tal erro da natureza, segundo o Poder Público.
Córrego do Acaba Mundo sob a Rua Professor Morais.
Fonte: Foto do Autor
Inicio da canalização coberta do córrego do Acaba Mundo na Praça JK, antiga barragem de contenção das cheias do córrego.
Fonte: Foto do Autor
Córrego do Gentio na Rua Outono em dois momentos: em 1966 a céu aberto e em 2013 sob a via.
Fonte: APCBH/ASCOM e foto do Autor
Cobertura do ribeirão Arrudas na Avenida Tereza Cristina em 2012.
Fonte: Foto do Autor
A metamorfose da paisagem urbana: o ribeirão Arrudas a céu aberto em 2011 e coberto (Boulevard Arrudas) em 2013.
Fonte: Foto do Autor
Fonte: Foto do Autor
Córrego da Ponte Queimada, receptor de grande parte dos esgotos do bairro Buritis, Palmeiras entre outros, além dos despejos irregulares de resíduos, como se vê na imagem.
Fonte: Foto do Autor
Confluência dos córregos da Ponte Queimada e Cercadinho, as principais drenagens do bairro Buritis, Estrela Dalva entre outros bairros, completamente poluídos.
Fonte: Foto do Autor
Cachoeira do ribeirão do Onça no bairro Novo Aarão Reis. O ribeirão do Onça é formado pelos córregos da Ressaca, Sarandi e o ribeirão Pampulha, entre outros cursos d'água, muitos deles originários de Contagem.
Fonte: Foto do Autor
As
canalizações empregadas em Belo Horizonte são um reflexo do seu tempo, onde
obras de tal magnitude representavam o progresso e o avanço da sociedade
mineira. Infelizmente tais processos e pensamentos ainda persistem na capital
mineira, em desacordo com as politicas urbanas e ambientais adotadas em outros
locais no planeta que passaram por processos similares e que adotaram a
política de reabilitação dos rios devido ao alto grau de poluição das águas,
que acarretavam problemas mais dispendiosos do que se continuassem canalizados.
Pode demorar 30, 40 ou 50 anos, mas um dia a sociedade e a natureza exigirá a
reinserção dos córregos limpos e tratados na paisagem urbana. Abaixo um trecho
extraído do artigo “Os córregos e a metrópole:a inserção no espaço urbano dos cursos d’água que atravessam a zona urbana de Belo Horizonte” apresentado em 2011 no XII Simpósio Nacional
de Geografia Urbana:
“A sociedade interfere e modifica o meio
urbano de acordo com suas necessidades. Inseridos na paisagem urbana devido às
necessidades socioeconômicas do período eles não resistiram às profundas
mudanças no espaço urbano que veio a deixar profundas marcas na paisagem
belorizontina. Apesar das políticas urbanas atuais valorizarem a inserção dos
córregos não canalizados na paisagem urbana, como um agente concreto que a
compõe, os córregos cobertos, ao que tudo indica ainda passarão décadas sob as
vias e quarteirões até que se adote uma política de reinserção dos cursos
d’água no espaço urbano.”
E nesse exato momento
está sendo finalizada a cobertura do ribeirão Arrudas visando o alargamento da
Avenida Tereza Cristina para a melhoria da mobilidade urbana, uma excelente
solução adotada para esconder o que foi estragado por eles mesmos, ao permitir o
crescimento desordenado da capital sem estabelecer critérios para tal, como o
crescimento centro-periferia sugerido por Aarão Reis e resgatado em parte por
Lincoln Continentino e a instalação das indústrias na bacia do Arrudas sem estabelecer
critérios para o controle da poluição do ar, dos desmatamentos e do despejo de resíduos nas águas dos cursos d’água. O
próximo trecho a ser coberto, de acordo com o que foi anunciado é o trecho compreendido entre a Alameda Ezequiel
Dias e a Avenida no Contorno, na Ponte do Perrela. O ribeirão daqui a alguns
anos só correrá a céu aberto nos trechos periféricos, na região central, por
motivos óbvios ele estará totalmente erradicado da paisagem urbana. Sem dúvida
um Boulevard no melhor estilo Hausmann, asfaltado e sem pedestres ao modo Le
Corbusier.
Nascente do córrego do Leitão no bairro Santa Lúcia.
Fonte: Foto do Autor
Córrego da Serra no Parque das Mangabeiras.
Fonte: Foto do Autor
Córrego do Acaba Mundo na vila de mesmo nome em 2011.
Fonte: http://interessecoletivovanessapsem2011.blogspot.com.br/ Vanessa P
Cachoeira natural do córrego do Acaba Mundo que existiu no Parque Municipal. Imagem de 1904 que nos leva a pensar como seria bom se existisse uma convivência harmoniosa do ser humano com o meio em que habita.
Fonte: APCBH
[1] É bom lembrar que a CCNC dividiu a
nova capital em três setores: A zona urbana planejada dentro dos limites da
Avenida do Contorno, a zona suburbana e a zona dos sítios.
[2] Citei apenas três das dezenas de
cursos d’água existentes em Belo Horizonte e que se encontram na sua maioria
canalizados e cobertos. Os cursos d'água que ainda correm a céu aberto optei por citar os da bacia do córrego do Cercadinho. Existem ainda inúmeros cursos d'água a céu aberto, como os afluentes do Ribeirão do Onça e os da região do Izidoro, pertencentes a Bacia do Onça.
[3] A atual gestão pretende promover,
erroneamente a meu ver, um crescimento – leia-se verticalização, em direção à
periferia de BH. Isso nos remete ao distante ano de 1895 quando Aarão Reis, ao
apresentar a Planta da nova capital para o então Presidente do Estado Afonso
Pena afirmou que pretendia ordenar o crescimento da nova capital a partir do
centro para a periferia. Na prática não foi o que aconteceu, pois a zona
planejada só foi totalmente urbanizada na década de 60, enquanto a zona
suburbana, apesar da falta dos equipamentos urbanos básicos cresceu
vertiginosamente desde os primeiros anos da nova capital, devido aos preços
módicos dos lotes e da “discreta” proibição imposta pelas administrações em
relação a ocupação da zona planejada.
[4] Como afirmei anteriormente,
trabalharei apenas com os problemas ocorridos com os dois cursos d’água. É
sabido que em inúmeros locais os cursos d’água tomam o que é seu por direito
nos períodos chuvosos (Av. Francisco Sá, Silva Lobo, Tereza Cristina etc.), mas
por ora abordarei apenas os dois em questão.
[5] Os primeiros emissários construídos
na infante capital levavam os esgotos captados até a região do Matadouro, nas proximidades do Boulevard Shopping no bairro Santa Efigênia . Lá deveria ter
sido construída uma Estação destinada ao tratamento dos esgotos captados. Os
emissários continuaram despejando o esgoto no Ribeirão Arrudas, fora dos limites
da Avenida do Contorno ao longo do século XX e a ETE nunca chegou a ser
construída.