O poluído córrego do Gentio na Rua Outono em 1966, cujas margens eram utilizadas para o despejo de lixo e entulho dos moradores da região e mesmo de locais mais distantes. A imagem atesta o desrespeito da população e a negligencia do Poder Público em relação aos cursos d'água de Belo Horizonte.
O
córrego do Gentio, principal afluente do córrego do Acaba Mundo, tem as suas
nascentes localizadas na Serra do Curral, canalizadas atualmente sob as ruas
Francisco Deslandes, Vitorio Marçola e Odilon Braga (esta considerada a
verdadeira nascente do córrego, próximo a Fundação Guignard). A região
atravessada pelo curso d’água, assim como ocorreu com a sub bacia do Acaba
Mundo, foi inserida nas terras da Colônia Agrícola Adalberto Ferraz, que
existiu onde estão atualmente os bairros Carno, Sion, Anchieta e Cruzeiro. Após
a anexação à 1ª Seção Suburbana em 1912 as terras pertencentes a bacia do córrego
do Gentio foram sendo gradativamente ocupadas, apesar da falta de infra
estrutura urbana nessa porção da capital, escassamente povoada.
Assim
como os demais cursos d’água que atravessam a zona urbana de Belo Horizonte
compreendida dentro dos limites da Avenida do Contorno, o córrego do Gentio
sofreu ao longo do Século XX o mesmo processo de degradação e poluição de suas águas devido a ocupação das suas vertentes, inicialmente dos lotes mais
próximos a Avenida do Contorno e Rua Grão Mogol, e a partir da segunda metade
da década de 40 as vertentes a direita da Rua Pium i, correspondentes aos
bairros Carmo e Anchieta e a região da caixa d’água do Cruzeiro, nesse período
ocupada pela Favela do Pindura Saia. Tal degradação se deu devido a falta de
investimentos na infra estrutura urbana (principalmente o saneamento) e da
venda de diversos lotes que davam fundo para o curso d’água, onde o despejo de
esgotos e de lixo era feito diretamente nele.
Córrego do Gentio na Planta Cadastral de 1928.
Fonte: APCBH
O córrego do Gentio e as suas respectivas ruas construídas sobre o seu leito em imagem aérea de 1953. À direita parte do córrego do Acaba Mundo, encaixotado atualmente sob a Avenida Uruguai.
Fonte: APCBH
Na
década de 60, a região sul de Belo Horizonte passou a ser prioritária para a
expansão urbana da capital, visando às camadas mais abastadas (recomendo a
leitura do artigo Metamorfoses Urbanas: Avenida Afonso Pena). A arrecadação aumentaria
com a urbanização das vertentes e canalização dos córregos já poluídos da
região, no caso aqui o Gentio e seus afluentes, convertidos em emissários de
esgotos que não davam conta dos efluentes das residências, cuja ocupação seguia
para as suas cabeceiras na Serra do Curral. E sobre o seu leito seriam abertas
as principais vias de acesso aos bairros, no caso as Ruas Odilon Braga e
Vitorio Marçola, além da Avenida Francisco Deslandes.
Nesse
contexto, para a melhoria viária e sanitária, visto que os córregos se
encontravam extremamente poluídos foi empreendida pela Prefeitura o alargamento
do canal e a cobertura do Acaba Mundo entre os anos de 1963 e 1965 (recomendo a
leitura do artigo Qualquer semelhança não é mera coincidência – o destino dos cursos d’água que atravessam a capital) e em 1966 a canalização e cobertura do
córrego do Gentio e seus afluentes, além do alargamento do canal coberto na Rua
Outono. Tal obra viria a se arrastar por mais de dois anos, visto que a obra,
inserida no programa Nova BH 66¹ foi prejudicada com a
descontinuação de grande parte do programa pela gestão Souza Lima. Tal obra foi
vista por grande parte dos moradores da região como a solução dos problemas das
enchentes nos períodos chuvosos e mesmo sanitários, visto que os esgotos eram
despejados diretamente no leito do córrego e continuam sendo, apesar do seu
canal atualmente não comportar tal volume².
Alargamento da canalização e cobertura do córrego do Gentio na Rua Outono em 1966, dentro do programa Nova BH 66. Nesse período, a cobertura dos cursos d'água e o asfaltamento das vias existentes nas margens dos rios eram vistos como um embelezamento da paisagem urbana.
Inicio da antiga canalização do Gentio, no cruzamento das Ruas Outono e Andalizita em 1966.
Canalização e alargamento do canal do Gentio na Rua Andaluzita em 1966.
Rua Vitorio Marçola no final da década de 1960. Abaixo da via corre atualmente um dos braços do córrego do Gentio.
Parte da Bacia do córrego do Acaba Mundo, onde aparece em destaque o curso atual do córrego do Gentio (encaixotado).
Fonte: PBH
Atualmente
sabe-se que tais obras empregadas por toda Belo Horizonte não resolveram o
problema das enchentes, na verdade agravou, visto que a impermeabilização do solo, a retirada das árvores e supressão de pequenas matas, a ocupação e o adensamento desenfreado das vertentes e dos fundos de vale (as
famigeradas Avenidas “Sanitárias”) aumentou consideravelmente a vazão dos
cursos d’água de Belo Horizonte. O Gentio, atualmente identificável pelos
gradis nas ruas e pelo antigo leito, perceptível apenas na Rua Caldas é um dos
clássicos exemplos de como não deve se tratar um curso d’água no meio urbano,
ainda não assimilado pelo Poder Público, que continua a promover a cobertura do
ribeirão Arrudas e agora (2013) anunciando o aumento do coeficiente de
aproveitamento dos terrenos no vale do Arrudas, apesar do Decreto 4.408 de Janeiro de 1983 que proibia novas
edificações ao longo dos cursos d’água da capital, em particular o Arrudas,
lembrando que tanto o bairro da Lagoinha quanto o de Santa Tereza, ameaçados
pelo faraônico projeto Nova BH (2013) pertencem a bacia do Arrudas. Transcrevo
abaixo o Decreto:
O Prefeito de Belo
Horizonte, no uso de suas atribuições, considerando:
I - que as
disposições do item III, do art. IV, da Lei Federal 6.766, de 19.12.79 e o
disposto nos artigos 52 combinado com o art. 9º, § 1º da Lei
Municipal nº 2.662, de 29.11.76, justificam as determinações deste Decreto;
II - que a
inobservância daqueles dispositivos tem sido fator de graves e irreparáveis
danos causados à população, com toda a sequela de tragédias, que, não raro, se
traduzem na desolação e no lamentável desenlace fatal de muitos munícipes;
III - que, além
das providências já tomadas para diminuição dos transtornos ocasionados aos
moradores da região assolada pelas enchentes, compete ao Poder Público tomar
medidas acauteladoras, que previnam a repetição futura dos lamentáveis
acontecimentos, que tanto sofrimento e prejuízos causaram à população, decreta:
Art. 1º - As
faixas de terreno que margeiam os cursos d’água existentes em Belo Horizonte,
notadamente as que se situam de um e outro lado do Ribeirão do Arrudas e seus
afluentes, são classificados "nom aedificandi", na forma da Lei
Federal nº6.766/79.
Art. 2º - O
Município, sobre não aprovar qualquer edificação nas referidas áreas, promoverá
a erradicação das construções clandestinas ali já existentes e providenciará a
remoção dos moradores para locais adequados.
Art. 3º - A
Prefeitura fiscalizará permanentemente as regiões delimitadas para evitar novas
invasões, e demolirá as que ali se construírem, sem qualquer ressarcimento aos
que tentarem a violação das Leis e do disposto neste Decreto.
Art. 4º -
Revogadas as disposições em contrário, este Decreto entra em vigor na data de
sua publicação.
Belo Horizonte, 13 de Janeiro de 1983
Belo Horizonte, 13 de Janeiro de 1983
Júlio Arnoldo Laender
Prefeito
* Posteriormente divulgarei aqui e pela página do Facebook noticias mais detalhadas sobre a história de alguns cursos d'água de Belo Horizonte. Aguardem que virão novidades.
¹ Esse programa, lançado após o Golpe Militar de 1964 marca a prioridade do veiculo nas politicas urbanas da capital mineira, e a consequente perda de espaço na urbs pelo pedestre. Uma das prioridades do programa era a canalização e cobertura dos córregos para a ampliação das vias destinadas aos veículos individuais e coletivos movidos a Diesel. Qualquer semelhança com o Nova BH de 2013 NÃO é mera coincidência...
¹ Esse programa, lançado após o Golpe Militar de 1964 marca a prioridade do veiculo nas politicas urbanas da capital mineira, e a consequente perda de espaço na urbs pelo pedestre. Uma das prioridades do programa era a canalização e cobertura dos córregos para a ampliação das vias destinadas aos veículos individuais e coletivos movidos a Diesel. Qualquer semelhança com o Nova BH de 2013 NÃO é mera coincidência...
² Vi e ainda vejo o esgoto transbordar em diversos pontos do bairro nesses
últimos meses, provavelmente devido a impossibilidade do canal e dos emissários
comportar tamanho volume de efluentes.
Muito boa matéria, porém, como conhecedor daquela região da cidade, ficaram umas dúvidas: a primeira das fotos postadas (na qual parece estar presente o prefeito da época, Oswaldo Pieruccetti), foi tirada na esquina das ruas Outono e Pium-í (já que a rua Outono faz uma curva de cerca de 45º para a direita, depois que cruza a Pium-í) ? Qual seria o trajeto hoje (em canal subterrâneo) do córrego, a partir do cruzamento referido acima ? Outra coisa, seria possível identificar onde estão hoje as nascentes do Gentio, tanto do curso principal como dos "braços" adjacentes ? Saudações, até a próxima !
ResponderExcluirComplementando a pergunta anterior, já ouvi dizer (não sei se tem fundamento) que o córrego sob a rua Vitório Marçola tem sua nascente no cruzamento da rua Jornalista Jair Silva com av. Afonso Pena, e que justamente por tal nascente se localizar ali, não foi feita a ligação direta (para tráfego de veículos) da Jair Silva com Afonso Pena, existindo no local apenas uma mureta de contenção e uma escadaria para pedestres (parece-me que esse recurso técnico já foi empregado também em outros pontos da cidade onde existem nascentes). Ficaria grato em saber se essa versão realmente procede ou se é apenas lenda. Abraços, e felicitações mais uma vez pela qualidade dos textos publicados !
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