Moradores de Rua na margem esquerda do Ribeirão Arrudas, no cruzamento da Avenida do Contorno e Rua Conquista.
Fonte: APCBH/ASCOM 

      Belo Horizonte já nasceu como uma cidade segregacionista. Desde a sua construção sempre houve um esforço por parte do Poder Público para tentar afastar ao máximo os operários e moradores de baixa renda da Zona Urbana compreendida dentro dos limites da Avenida do Contorno, além de parte dos antigos moradores do arraial do Curral del Rey (recomendo a leitura do subcapítulo “As Favelas da Capital” dentro do Artigo dedicado a Década de 50). Ainda assim, apesar dos esforços por parte dos governantes e das leis segregacionistas elaboradas por eles para a urbanização e venda de lotes na zona planejada uma grande parcela da população segregada formaram as primeiras favelas da capital, sendo que grande parte delas se encontravam dentro dos limites da Contorno nas primeiras décadas do Século XX, mais precisamente no Barro Preto e ao longo do Córrego do Leitão. É bom ressaltar que foi cogitada por alguns políticos mineiros a "devolução" dos operários brasileiros que construíram a nova capital para os seus locais de origem após o término das obras, uma ideia que, de tão absurda, não merece comentários aqui¹.   
      No decorrer das décadas do Século XX essa população foi sendo, aos poucos, expulsas de suas moradias na medida em que se urbanizavam as áreas ainda não regularizadas conforme a Planta da CCNC de 1895, sendo obrigadas a ocupar as áreas mais afastadas do centro e as várzeas e vertentes dos cursos d’água, como por exemplo os Córregos do Leitão e Piteiras. Um caso clássico dessa expulsão foi a Favela da Barroca, que existiu na região hoje ocupada pela Assembleia Legislativa. Os moradores (ou operários), expulsos no período da criação do bairro Santo Agostinho formaram o Morro do Querosene e a Vila dos Marmiteiros, áreas consideradas periféricas e que se encontravam fora dos limites da Contorno. Vale destacar que a presença da população de baixa renda (os operários) dentro da zona urbana projetada pela CCNC se configurava perante a sociedade belorizontina e ao Poder Público como uma ameaça ao projeto concebido para uma elite especifica e com recursos suficientes para adquirir os lotes disponibilizados pelo Poder Público na medida em que este urbanizava as áreas conforme a Planta de 1894. 
     A partir da década de 50 houve um grande aumento do número de Favelas devido ao aumento populacional de Belo Horizonte, que havia se tornado um importante polo de atração da população do interior do Estado e mesmo de outros Estados, visto que a capital mineira estava no caminho via ferrovia de São Paulo, que havia se tornado o centro convergente de grande parte dos imigrantes nordestinos e também a meio caminho do Rio de Janeiro, então Capital Federal. É bom lembrar que a Linha do Centro da Central do Brasil passava pela capital mineira e era por ela que o imigrante nordestino que vinha de Trem se deslocava, desde o entroncamento da Central com a VFFLB (Viação Férrea Federal do Leste Brasileiro) em Monte Azul. Na virada da década de 50 para 60 Belo Horizonte não estava preparada para receber tamanha população, visto que os equipamentos urbanos necessários para dar tal suporte não foram expandidos pela Municipalidade para todas as áreas, sob a alegação de falta de recursos. E as favelas foram se formando em todas as direções, principalmente para oeste, atraídas pela proximidade da Cidade Industrial. 
     A década de 60 foi marcada pelo caos urbano em quase todos os setores, desde o saneamento básico até a limpeza de ruas e a coleta de lixo. Quem mais sofria com esse caos era a população de baixa renda, que penava com a falta de água encanada e a coleta de esgoto (houve nessa década diversas epidemias em Belo Horizonte que assolaram principalmente a população carente). A questão das moradias também se agravou e o número de moradores de rua aumentou consideravelmente ao longo da década, sendo que a grande maioria se concentrava nas áreas mais próximas ao centro da capital. 
    As encostas dos morros próximos a Avenida do Contorno também foram sistematicamente ocupadas, assim como as margens dos cursos d’água, em particular o Ribeirão Arrudas, que já apresentava um alto grau de poluição em suas águas. Essa ocupação irregular era a mais preocupante, pois as enchentes do Ribeirão eram constantes e sempre faziam vitimas fatais. Somente na década de 70 é que se teve inicio a remoção, de forma bastante lenta das famílias ribeirinhas, mas esse período ficou marcado por duas grandes tragédias: as grandes tragédias dos períodos chuvosos de 79 e 83. 
    Mas por ora iremos nos deter na década de 60, década das fotos aqui publicadas. Esse período se caracterizou pela grande favelização, talvez proporcionado não só pela metropolização, mas também pelos movimentos sociais que surgiram entre 1960 e 1964, período em que as invasões e ocupação de áreas inabitadas e inabitáveis se espalharam por toda Belo Horizonte, desde morros adjacentes aos bairros até as margens das linhas férreas e as margens dos cursos d’água.

Favela Buraco do Peru no Carlos Prates em 1965.
Fonte: APCBH/ASCOM

Favela não identificada em um fundo de vale.
Fonte: APCBH/ASCOM

Parte da Favela do Pindura Saia no bairro Cruzeiro em 1966.
Fonte: APCBH/ASCOM

A mesma Favela logo acima da Caixa D'água do Cruzeiro.
Fonte: APCBH/ASCOM

Barracos construídos nas margens do Ribeirão Arrudas.
Fonte: APCBH/ASCOM

     Muitos dos aglomerados ainda existentes se formaram nesse período, ao mesmo tempo em que outros desapareceriam como o Pindura Saia e a Favela da Alvorada, dissecados ou erradicados entre o final da década de 60 e o inicio da década de 70. Outros núcleos, em particular os que existiam nas margens do Arrudas só foram extintos devido as tragédias que assolaram a capital nas décadas de 70 e 80 e que tiveram grande repercussão na sociedade. Podemos citar as Favelas Gogó da Ema e União, extintas após a grande enchente de 1983 e os aglomerados que existiam na região da Gameleira, extintos quando do prolongamento da Avenida Tereza Cristina em 1996/1998. E é sempre bom ressaltar que o Poder Público geralmente só tomava (ou toma, como queiram) providencias, nem sempre benéficas, em relação às condições de vida, saúde e habitação dessa população quando ocorre uma grande tragédia, ou quando ele é obrigado a expandir as vias urbanas em prol da melhoria da mobilidade urbana. Mas a atuação do Poder Público em relação aos Aglomerados se trata de um tema mais complexo que será posteriormente abordado.

Favela do Pombal no bairro Serra.
Fonte: APCBH/ASCOM

Morro do Querosene às margens da antiga estrada de acesso ao Sanatório Morro das Pedras.
Fonte: APCBH/ASCOM

Morro do Papagaio às margens da antiga BR-3.
Fonte: APCBH/ASCOM

Barracos nas margens do Ribeirão Arrudas, no cruzamento da Avenida Tereza Cristina e Rua Santa Quitéria.
Fonte: APCBH/ASCOM

Barraco na beira da linha férrea da Central do Brasil.
Fonte: APCBH/ASCOM

Desmonte de Barracos construídos nas margens da linha férrea.
Fonte: APCBH/ASCOM

Parte da Favela do Perrela em 1965.
Fonte: APCBH/ASCOM

Cafuas de tábuas em local não identificado.
Fonte: APCBH/ASCOM

Favela União às margens do Ribeirão Arrudas em 1983.
Fonte: Acervo PLAMBEL

Mapa de 1983 sinalizando as principais Favelas que existiam nas margens do Ribeirão Arrudas.
Fonte: Acervo PLAMBEL


¹ Certamente, se essa medida fosse implementada, quem trabalharia na pequena corte belorizontina e seria responsável pelo desenvolvimento da urbs seriam apenas os imigrantes estrangeiros e os familiares da "pura nobreza mineira". Como disse o grande Antropólogo Darcy Ribeiro "no Brasil se fez um gênero humano novo e a fusão da herança genética e cultural de vários povos". Certamente a "infante" aristocracia republicana mineira não entendia (e muitos ainda não entendem) o quão rico é o Brasil e o seu pluralismo cheio de originalidade, sem dúvida uma nação que deu certo.

Um comentário:

  1. Morei no bairro da Serra, na década de 60, na rua do ouro, 1344, mas grandes amigos fiz nas favelas de la.

    O Morro Não Tem Vez
    Tom Jobim, 1964.

    O morro não tem vez
    E o que ele fez já foi demais
    Mas olhem bem vocês
    Quando derem vez ao morro
    Toda a cidade vai cantar

    Morro pede pasagem
    O morro que se mostrar
    Abram alas pro morro
    Tamborim vai falar

    É 1, é 2, é 3, é 100
    É 1000 a batucar

    O morro não tem vez
    Mas se derem vez ao morro
    Toda cidade vai cantar

    O morro não tem vez
    Mas se derem vez ao morro
    Toda cidade vai cantar

    Morro pede passagem
    O morro quer se mostrar
    Abram alas pro morro
    Tamborim vai falar

    É 1, é 2, é 3, é 100
    É 1000 a batucar

    O morro não tem vez
    Mas se derem vez ao morro
    Toda cidade vai cantar

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