Transbordamento do Arrudas na Praça da Estação no
ano de 1977, período em que as enchentes e as tragédias
faziam parte do cotidiano da capital.
Acervo EM
ano de 1977, período em que as enchentes e as tragédias
faziam parte do cotidiano da capital.
Acervo EM
Às margens do período das chuvas que já
transbordam sobre a capital mineira, como visto no ultimo domingo (25/09/16), uma
precipitação rápida e de intensidade até notável, mas inaceitável pelos
transtornos causados e vidas perdidas, onde figura como um exemplo notável e ao
mesmo tempo absurda a chuva de fevereiro desse ano, que causou uma morte na Rua
Diorita, em um local onde as águas pluviais vertem diretamente para o ribeirão
Arrudas, expondo todo o problema (ou precariedade) da drenagem urbana da
capital mineira.
Mas tudo isso tem uma explicação que se tornou óbvia ao longo das
pesquisas para o livro Rios invisíveis da metrópole mineira, já recomendando a
sua leitura visto que a exposição aqui será bem breve e sucinta.
Gráfico da precipitação mensal e o normal climatológico (média dos 30 anos, nesse caso 1961-1990) em Belo Horizonte nos triênio 2014-2016, até o momento. Detalhe para as variações nos períodos chuvosos, cujas precipitações, em condições de drenagem satisfatória, nunca acarretariam os transtornos que abatem sobre a cidade.
E acima de tudo, preparem-se para o período Antropoceno.
Fonte: INPE
Após a conclusão das primeiras canalizações, que suprimiu o leito
natural e as várzeas (planícies de inundação, o segundo leito do curso d’água,
destinado a comportar as águas nos períodos de cheia), no primeiro período chuvoso
que se sucedeu, todos os cursos d’água que nunca apresentaram “problemas” para
a capital saíram do seu canal artificial, arrasando locais que anteriormente não
sofriam com as enchentes, fenômeno natural que consiste no transbordamento das
águas dos cursos d’água, normalmente ocorrendo nos períodos chuvosos. Ou seja,
a tão vendida técnica da canalização, técnica ultrapassada e incrivelmente
atual, vendida como a solução única para as enchentes, se mostrou inviável de
ser adotada e deveria ser imediatamente abandonada, pois a canalização não
resolvia o “problema” dos transbordamentos, e sim potencializava o seu poder de
destruição em uma cidade que já começava a marginalizar as suas águas em prol
de um suposto progresso.
Obviamente a técnica não foi descontinuada, pois, altamente lucrativa,
incrementava a renda dos empreiteiros e construtores que começavam a escalada
de poder na capital, culminando na tão clara e obscura submissão das
administrações municipais.
Três momentos de um rio urbano para auxiliar na compreensão da potencialização dos transbordamentos a partir da intervenção humana:
à esquerda o rio em seu leito natural e suas várzeas, e à direita o rio
canalizado a céu aberto ou sob a cidade.
Fonte: Arch Urbs
Canalização do córrego da Serra no ano de 1929,
o primeiro curso d'água canalizado sob a cidade.
Acervo do Autor
Enchente de 1947 na Lagoinha.
Acervo EM
O ribeirão Arrudas em Marzagão (Sabará) no ano de 1953.
Detalhe para suas várzeas, destacando-se a porção ocupada
pelo campo do Marzagão Atlético Clube, um dos famosos
"campos de várzea" que não foram engolidos pela voracidade
imobiliária e viária.
Acervo APCBH
No decorrer das décadas, metropolização etc. os transbordamentos se
tornaram mais frequentes, ao mesmo tempo em que, coincidentemente, a canalização
era gradativamente imposta no restante do município, proporcionando a ocupação
de terras marginalizadas, agora altamente lucrativas para o município e para os
agentes fundiários, sedentos desde sempre por terras para se especular. Não esquecendo da imposição rodoviarista desencadeada na década de 1950 que se impôs perante a cidade, ocupando espaços antes ocupados pela população e pelos elementos naturais. No caso dos transbordamentos, as tragédias
se tornariam mais frequentes nas décadas de 1960 e 1970, culminando com a
centenária enchente de 1983, da qual muitos ainda guardam em suas lembranças
uma Belo Horizonte destruída, faminta e extremamente vulnerável ao turbilhão
hidráulico criado por um Poder Público submisso e incompetente.
As canalizações normalmente tem vida curta exatamente por serem meros
paliativos. Não duram mais do que vinte anos, sendo necessárias intervenções não
só para retirar sedimentos, detritos etc. carregados pelas águas e pelos
esgotos (sim, os rios urbanos sob os nossos pés se tornaram emissários de
esgotos, caso não saibam), mas também alargamentos e aprofundamentos de
galerias, construção de canais paralelos, canais de transposição etc. Tudo isso
em busca de uma melhoria hipotética na drenagem urbana, onde os empreiteiros
atingem lucros astronômicos e a cidade acredita que os seus problemas
terminaram, pelo menos até o próximo ano, quando caem novamente na realidade. Se
tais técnicas persistirem por mais algumas décadas, onde iremos parar? A única certeza
que tenho é que existirá uma cidade subterrânea na bacia do Arrudas, na bacia
da Onça as canalizações continuarão“comendo pelas beiradas”, infelizmente.
Pela lógica rodoviarista, esse é o espaço destinado
às pessoas na cidade, uma questionável inversão de
valores visto que a cidade pertence as pessoas e não aos
veículos automotores, ainda vistos como símbolo de distinção social.
Fonte: Desconhecida
O ribeirão Arrudas em frente a Mannesmann no ano
de 1958.
Acervo IBGE
Ribeirão Arrudas no ano de 1964, Ponte do Bedeco.
O modesto ribeirão, de pequena vazão, não dava mais conta
de transportar para fora da "Cidade Oficial" toda a água
drenada das bacias impermeabilizadas, os esgotos e os
detritos da iminente metrópole. Acervo EM
Estragos causados pela enchente de janeiro de 1983
na Avenida Mem de Sá (córrego do Cardoso).
Acervo Rios invisíveis da metrópole mineira/Laudelina Garcia.
Em julho, um ilustre seguidor da página Curral del Rey no Facebook
postou esse interessante vídeo das consequências da grande enchente
de janeiro de 1983. A busca por "soluções definitivas" desde sempre é
anunciada pelos administradores, entretanto, alternativas para uma
real mitigação dos transbordamentos nunca foi cogitada.
Acervo rdutrabh/Youtube
Estamos novamente nesse período critico (ou nunca saímos dele?), onde
mais uma vez estão sendo vendidas como solução única barragens de retenção,
canalizações e avenidas sanitárias, técnicas que já se mostraram inúteis há
mais de oitenta anos, a não ser quando se constrói um canal de mais de vinte
metros de largura abaixo da ponte do Perrela (ribeirão Arrudas) para comportar
toda a água drenada das vertentes impermeabilizadas para o ribeirão. A largura
do canal mostra a extensão da incompetência pública para lidar com a questão,
que não entende (ou finge não entender) que as águas que vem do céu tem que
ficar onde caem, contribuindo para um clima ameno, para a recarga dos aquíferos
e para o equilíbrio das enchentes. Não é atoa que Belo Horizonte em suas
primeiras décadas, com suas águas e com o seu verde, uma verdadeira floresta
urbana, proporcionava a cura de moléstias pulmonares e apresentava uma espessa
névoa nas frias manhãs de inverno. Atualmente as pessoas por aqui sucumbem das
mesmas doenças que antes vinham tratar. Uma bizarrice sem tamanho.
O Acaba Mundo extrapolando o seu canal artificial
nas chuvas de 1999.
Acervo do Autor
O asfalto sobre o rio ou o rio sobre o asfalto?
Avenida Silva Lobo em data desconhecida.
Fonte: Desconhecida
O ribeirão Arrudas em um chuvoso ano de 2011.
Ao modesto ribeirão foi imposto um canal de mais
de vinte metros de largura,para comportar toda a
incompetência dos administradores da capital.
Foto do Autor
Via Expressa Leste-Oeste no inicio de 2016,
ou talvegue do córrego do Tejuco.
Foto do Autor
Resultado de um pequeno temporal no ano de 2016,
no viaduto sobre o córrego das Piteiras
(Avenida Silva Lobo).
Foto do Autor
Para quem não acredita que
existem alternativas, (já recebi inúmeras mensagens questionando sobre a “utopia
dos rios invisíveis”, mensagens perfeitamente compressíveis diante da lavagem
cerebral que vem sendo realizada há mais de meio século), as soluções existem
aos montes. Existem exemplos regionais e principalmente estrangeiros que
mostram que uma real reabilitação é possível e necessária, e que seria bem
menos onerosa! do que as tão afamadas obras de canalização e agregados. E
apesar do singular programa Drenurbs, as canalizações continuam a pleno vapor, ou
seja, enquanto persistir essa ideia de conversão de águas urbanas em avenidas a
cidade continuará a assistir e a sofrer com as consequências da imposição de
uma técnica ultrapassada e lucrativa.
Vocês já imaginaram um parque linear ao longo do Arrudas (e não aquele
projeto ridículo de cobrir o seu leito com áreas de lazer), um Arrudas
reabilitado, livre dos esgotos, com áreas para pesca (sim, isso é possível!) e conectado
com seus afluentes também reabilitados a partir do Parque Municipal¹, que disseminaria
o verde através de “conexões hidrográficas”, contribuindo para a reversão,
ainda que parcial, de toda a impermeabilidade da cidade? Parece utopia, mas é
perfeitamente possível se abrirmos a mente para novas ideias e métodos estudados
e aplicados pelo planeta e mesmo por aqui. Um parque linear comportaria, na maioria
das vezes, nos períodos chuvosos o transbordamento dos cursos d’água, além de promover
um reencontro da cidade com suas águas através da ocupação das várzeas nos períodos
de estiagem, e com um planejamento viário decente as vias suprimidas não fariam
falta para a cidade, ressaltando que um parque linear ainda proporcionaria e
incentivaria a utilização de transportes alternativos, como a bicicleta.
O Plano Diretor do Parque Municipal elaborado pela equipe
do arquiteto José Antônio Hoyuela Jayo, que recebeu menção
honrosa na II Bienal de Arquitetura da Paisagem no México.
E abrindo um parêntese, mas ainda imerso nas águas, gostaria de
convida-los para uma reflexão sobre a Pampulha e as suas “famigeradas”
Capivaras. A lagoa vem recebendo há décadas detritos, esgotos e outras
porcarias mais sob o olhar de um Poder Público acéfalo e negligente e por uma população que nunca se preocupou com o dia de amanhã. As
Capivaras, antes espalhadas pelas águas urbanas da bacia, encontraram o seu refugio
ali, sistematicamente expulsas das terras invadidas e urbanizadas do vetor
norte da RMBH.
Vocês já imaginaram as perdas ecossistêmicas sofridas a partir da
ocupação urbana desenfreada e voraz? Pois bem, sobrou para os singelos mamíferos
aquela porção de “vida natural”, poluída, assoreada e esquecida por todos,
aonde desde sempre proliferam vetores de extrema periculosidade para os
citadinos. A municipalidade? Preocupada apenas com a porção do Complexo
Arquitetônico, ou seja, com o concreto.
Conclusão: vocês acham mesmo que a culpa é das Capivaras pela proliferação
dos pequenos parasitas, ou do Poder Público que nunca se preocupou com os
problemas decorrentes da rápida urbanização e com o abandono de áreas
assoreadas por décadas? Que só veio a se preocupar com a Lagoa a partir do
iminente assoreamento generalizado que já figurava no horizonte, fora o título de nobreza concedido para uma cidade que desde o seu nascimento procurava uma identidade? Em relação ao sacrifício
sugerido por um “eminente”, de um local que "in loco" conferi o tratamento dado aos animais e aos seus donos, sugiro o extermínio de quem realmente
criou o problema e não dos animais que são vítimas de todo esse sistema que só
se preocupa com o dia de hoje. E em alguns casos vítimas de quem deveria zelar por eles. Alternativas certamente existem, mas...
A culpa é delas ou nossa?
Foto do Autor
A população precisa ter acesso às soluções alternativas para as águas
urbanas e não sofrer com a imposição “goela abaixo” de técnicas que só contribuem
para a potencialização dos problemas causados pelas águas que tomam o que é seu
por direito. Esse é o meu desejo, manifestado inclusive em forma de livro, onde apresento toda o processo de desenvolvimento urbano de Belo Horizonte sob a ótica das canalizações.
Parque Linear do córrego do Vidoca em São José dos Campos.
O exemplo correto está mais próximo do que se imagina.
Foto do Autor
Parque linear e corredores verdes do Rio Manzanares, Espanha.
Link: Rio Manzanares
O exemplo português desde Agualva-Cacem.
Link: O Rouxinol de Pomares
¹ Recomendo a todos a conhecer o excelente projeto do Plano Diretor do Parque Municipal, de autoria da equipe chefiada pelo arquiteto José Antônio Hoyuela Jayo.
Fala pra prefeitura abrir um rasgo na afonso pena, ou em cada canal que passem os córregos. O que vc propõe é absurdo. A cidade já não comporta o transito atual e vc ainda me vem falar de abertura de parque ao redor do arrudas? A solução definitiva é aumentar a impermeabilização em cada local que gere correnteza. Isso pode ser feito em cada casa, cada prédio, não somente no Arrudas. Vai alagar o parque isso sim. Mas vc vem novamente fazendo esse discurso moralista de abrir os córregos novamente, não apresenta propostas eficazes. Só palavras.
ResponderExcluirPara pessoas do seu nível intelectual, realmente pensar em alternativas soa como absurdo. E você se superou como essa singular observação de "discurso moralista", garanto que o moralista é você, que em meio ao anonimato, vem aqui escrever merda sem o menor embasamento técnico e cientifico. Da próxima vez, seja homem e saia do anonimato, pois é muito fácil criticar sem embasamento e agir como um covarde por trás da cortina.
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