Única na história é essa ideia de isolar uma região, na qual toda a vida
civil foi subordinada à exploração de um bem exclusivo da coroa.
Spix & Martius. Viagem pelo Brasil.
Introdução
A descoberta de ricas jazidas no final
do Século XVII levou ao imediato deslocamento de grandes contingentes
populacionais para a região das Minas. Uma consequência disso foi o surgimento
de numerosos núcleos urbanos nas imediações das áreas de mineração. Com o
passar do tempo, sendo necessária por parte da Metrópole um maior controle da
região, alguns desses núcleos situados em locais estratégicos e geralmente
próximos das lavras foram elevados à condição de Vila, recebendo um maior
aparato governamental. Na região do Serro Frio apareceram inúmeros núcleos
mineradores que depois de certo tempo se tornaram arraias, como nas outras
partes da região.
Em 1720 foi criada a Capitania de Minas
Gerais, desmembrada de São Paulo, porque a Coroa precisava ter mais controle
sobre essa parte da Colônia, que mesmo com a instalação do aparato
administrativo português na região das Minas ainda apresentava sérios problemas
em relação ao cumprimento das leis e impostos. A Metrópole se ocupou em
instruir os governadores para lá enviados, para que agissem no sentido de impor
a ordem e o controle sobre a população, não apenas quanto à atividade econômica
central – a mineração – mas também quanto à vida social que se constituía,
sobretudo nos núcleos urbanos.
O Arraial do Tejuco, atual Diamantina,
surgiu como os outros núcleos urbanos do seu tempo, em função da existência e
posterior exploração aurífera. Os arraiais foram proliferando ao ritmo das
descobertas de novos veios nos regatos e grupiaras espalhavam-se por áreas
contíguas, por conta disso foram compondo uma rede urbana "ao longo dos
caminhos e estradas nas encruzilhadas ou nas travessias de cursos d'água, a
margem dos locais onde o ouro e o diamante eram encontrados" (Silva
Telles, 1978, p.46). Normalmente os arraiais, assentavam-se ao redor de capelas,
orientavam-se pelos caminhos, configuração que se observa nos primeiros núcleos
de povoamento, como se lê nas palavras de Silvio de Vasconcellos:
(...) suas ruas são sempre antigas estradas. Por isso mesmo, foram a
princípio chamadas de rua da Praça, da Matriz, da Câmara, etc. Não porque nelas
se localizassem estas edificações, mas porque a elas conduziam. Por isso mesmo
ainda hoje os habitantes da zona rural tratam a cidade como 'a rua', no
singular, como uma reminiscência do trecho único da estrada onde se construíram
estabelecimentos comerciais. 'Vou à rua fazer compras', dizem. E, realmente, à
rua quase só vão com essa finalidade (VASCONCELLOS, 1959)
Inicialmente o núcleo primitivo do
Tejuco assentou-se na vertente do Córrego São Francisco onde estão às ruas de
Santa Catarina e do Burgalhau. A ocupação deu-se nesse lugar por ele estar
próximo às lavras auríferas e pela estrada de acesso a Vila do Príncipe e a
Vila Rica cortar o arraial. Por essas é que chegavam os víveres necessários
para a sobrevivência da população local.
As cidades mineiras do século XVIII
surgiram todas pelos caminhos abertos pelos primeiros exploradores. O caminho
que interligava arraiais, tornaram-se estradas, precipitando a
institucionalização do espaço destes arraiais por conta do comércio e das rotas
de abastecimento, caracterizando a apreensão deste chão já não mais como
somente "espaço de produção", sendo a nascente ordenação
e normatização urbana, sinais de um "espaço de reprodução" que
se define (Monte-Mór,1999).
A declaração da descoberta dos
diamantes em 1729 fez com que um grande número de pessoas se deslocasse para o
arraial. Segundo relatos da época os diamantes já eram explorados na
região havia vários anos e o anuncio da descoberta só se deu por causa dos
boatos existentes na Corte, sendo impossível esconder o segredo. Um
comerciante, Francisco da Cruz morador da Vila de Sabará relatou que a Vila
estava ficando deserta, pois todos corriam para a região diamantina[1].
A chegada de tamanha população fez com
que o arraial se expandisse para além do núcleo inicial. Ele foi crescendo em
direção ao Morro de Santo Antônio e o centro do arraial foi então deslocado
para uma área menos tortuosa, onde hoje se localiza a Praça da Matriz, atual
centro de Diamantina. O arraial cresceu tanto em pouco tempo que o Governador
da Capitania, Dom Lourenço de Almeida reconheceu que a população do
arraial já ultrapassara em muito a da Vila do Príncipe, embora esta fosse a
cabeça da comarca.
A influência do Tejuco já se espalhara
por todo o norte de Minas. A economia do arraial sofreu um grande impulso com a
descoberta e com o grande número de pessoas que se deslocaram para lá.
Apareceram negociantes, comerciantes e tantas outras funções que a Coroa então
percebeu que era necessário um maior controle sobre a região, para não haver
prejuízos para o Erário Real.
Dos novos moradores era cobrado certo
valor para que pudessem explorar a área, eram as cartas de data, que
anteriormente eram válidas para a extração aurífera. Foi rigorosamente
proibido o estabelecimento de lojas e vendas próximas às lavras e foi
estipulada uma distância mínima para tal. Com o intuito de evitar que os
escravos tirassem proveito da extração, era expressamente proibida a compra de
diamante deles e quem os comprasse estaria sujeito a penas extremamente
severas.
Em 1731 foi enviado ao Governador um
decreto impedindo a exploração dos diamantes em todos os rios que os tivessem,
decretando então o monopólio real sobre as gemas. A Metrópole queria ter maior
lucro com as jazidas, pois estava sendo cobrado apenas o imposto da Captação.
Contudo, o decreto não foi posto em pratica e o comércio do diamante voltou a
ser franqueado em toda a região e o arraial do Tejuco, centro do comércio do
diamante continuava recebendo mais pessoas vindas de várias regiões, até mesmo
de Portugal.
A Demarcação Diamantina
O decreto de julho de 1734 determinou a
proibição da exploração dos diamantes e o fechamento da região diamantina pela
Coroa. A proibição da exploração se deu pelo fato de o diamante ser encontrado
com abundância nos rios próximos ao Tejuco e a sua exploração desenfreada fez
seu valor despencar no mercado internacional.
Até 1734 os limites do Distrito ainda
não se encontravam bem definidos e os decretos proibindo a mineração faziam
apenas menção aos rios e ribeirões proibidos. Então realizou-se uma delimitação
mais precisa dos limites do Distrito, por Martinho de Mendonça Pina e
Proença e pelo Engenheiro Militar Rafael Pires Pardinho, com a colocação de
seis marcos cuidadosamente fixados nas divisas estabelecidas e, cerca de
oito postos fiscais que controlavam a entrada e saída do distrito. O
Distrito Diamantino era como um Estado dentro do Estado, uma região distinta do
resto da Capitania por encerrar diamantes no solo e nos cursos d'água. A
Coroa, percebendo a necessidade de uma administração especial na região resolve
criar no mesmo ano a Intendência dos Diamantes, com leis próprias e válidas
somente no Distrito. O Intendente, autoridade suprema no Distrito só
prestava obediência à Junta Diamantina localizada em Lisboa e nem o governador
da Capitania de Minas e mesmo o Vice-Rei do Brasil não tinham autoridade dentro
do Distrito, salvo em alguns casos isolados de intervenção a mando de Lisboa.
Após cinco anos de proibição da
exploração das lavras, em 1739 foi estabelecido o sistema de exploração das
lavras diamantinas por contrato, levando então a população residente no
Distrito a procurar novas formas de sobrevivência.
A corrupção foi grande no período dos
contratos e a administração era bastante ineficaz, mesmo com as diversas
mudanças nos inúmeros decretos visando combater a corrupção. Na verdade, era
uma tarefa quase impossível, pois ela envolvia uma rede de contrabando já
organizada que ia desde o Tejuco até Lisboa.
Com o maior rigor a Coroa passou a ter
mais controle sobre o comércio no arraial, que era o centro de convergência do
comércio do Distrito e mesmo de fora dele. Era de extrema importância para a
metrópole o controle, pois o contrabando era extremamente forte e servia como
base econômica para inúmeras famílias do Tejuco e em muitos casos, os
contrabandistas eram acobertados pela própria Intendência[2]. Segundo os cálculos de
Eschwege, no início do século XIX o volume do contrabando era igual ao da
produção. Daí poder-se concluir a importância do contrabando para a economia do
Tejuco no período colonial.
Segundo Felício dos Santos (1976,
p.119), foi no período dos Contratadores que o Tejuco aumentou
consideravelmente sua população e o comércio se desenvolveu, mesmo com as leis
e bandos em vigor, que procuravam controlar e até mesmo extingui-lo.
Uma das características da economia do
Arraial no período colonial eram os rearranjos da população em torno das leis e
decretos que vinham da metrópole, restringindo ou mudando a forma de exploração
e ocupação do território. A Metrópole poderia e realmente tinha a intenção de
inibir o máximo que pudesse a acumulação gerada pelo comércio no Distrito, mas
a população sempre encontrava uma saída para a sobrevivência, estabelecendo
redes de contrabando de diamantes na qual a Coroa não conseguia desarticula-la
e alugando escravos para os Contratadores e posteriormente para a Real
Extração, quanto se empregando na Administração, como veremos adiante. Mas, se
por um lado a Coroa tentava controlar o Distrito para evitar a acumulação de
Capital por outro, essa acumulação favorecia o Mercantilismo entre
Colônia-Metrópole com a compra de produtos vindos de Portugal por alguns
moradores do Arraial que acumulavam fortunas devido ao contrabando de
diamantes.
O Mercantilismo era à base da economia
brasileira no período colonial no qual Portugal detinha os monopólios do
comércio sobre os produtos enviados para a colônia e esse monopólio perdurou
até 1808 com a vinda de D. João VI para o Brasil. O Mercantilismo era na
verdade, a transferência da riqueza da colônia para a metrópole e no caso de
Diamantina o enviado era os diamantes, pequena quantidade de ouro e pedras
preciosas, tudo severamente controlado pela Coroa.
Em 1753, foi promulgada uma lei em que
El-Rei toma para sua proteção os contratos do diamante, monopolizando o
comércio. Esta lei proibia qualquer tipo de comércio de diamante nos domínios
do Reino, nem mesmo ele poderia ser extraído sem permissão do Contratador.
Na dificuldade de combater os descaminhos do diamante, em 1771 o Marques de Pombal decreta o monopólio real dos diamantes extinguindo o sistema de exploração por contrato e criando a Real Extração dos Diamantes, custeando ela mesma o serviço[3] e aumentando ainda mais o controle sobre a região. Esse fechamento da região a singularizou mais ainda do resto da Capitania, passando a possuir leis próprias, reunidas no Livro da Capa Verde que continha todo o Regimento Diamantino, necessário para o controle da exploração do diamante e da sociedade e submetendo a população a um singular modo de vida, regida por leis que visavam apenas o lucro para a Coroa.
A população do Distrito soube se
reorganizar em torno do novo sistema de exploração dos diamantes e passou a
tirar daí o seu sustento. A dita classe média do Tejuco, por exemplo, passou a
compor a guarda responsável pelo patrulhamento do distrito. A classe dominante
composta de portugueses e descendentes passou a ocupar os cargos da Real
Extração. Os escravos que antes trabalhavam para os contratadores foram
alugados para a real Extração, que pagava aos seus senhores diárias pelo
serviço. Mesmo com essa mudança na exploração dos diamantes as outras
atividades continuaram tendo importância, atividades que eram exercidas dentro
e fora da demarcação e que tinham participação de alguns cidadãos do arraial.
Uma grande parcela da população possuía
escravos alugados para a Real Extração e muitos deles viviam do aluguel pago
pela Junta. Quando a Coroa pensou em revogar o monopólio dos diamantes em 1803,
a população que vivia desse aluguel ficou temerosa de perder essa importante
fonte de renda e para evitar um colapso da economia local foi necessário que a
Coroa desistisse por um tempo dessa medida. Uma revogação do monopólio
prejudicaria consideravelmente a população do arraial que já tinha consolidada
a sua economia na Real Extração e a coroa suprimindo o monopólio certamente
levaria o arraial e região à ruína.
O naturalista Auguste de Saint-Hilaire
observou em 1817 no livro Viagem pelo Distrito dos
Diamantes e litoral do Brasil algumas singularidades de Diamantina como,
por exemplo, o forte comércio existente no arraial, mesmo este sendo
rigorosamente controlado pelo Intendente. Esse é um indício de como Diamantina
era o centro do comércio de toda a região. Observa também que ela se tratava do
segundo núcleo populacional mais importante de Minas depois da capital, Vila
Rica, atual Ouro Preto.
O Distrito Diamantino existiu até o ano
de 1821 quando então foi extinto devido à incompatibilidade do Regimento com as
leis promulgadas na Revolução Liberal do Porto.
Considerações Finais
Durante cerca de 85 anos existiu o
Distrito Diamantino, um Estado dentro do Estado, com leis e administração
próprias. Porém observou-se que o Distrito não permaneceu totalmente isolado do
resto da Capitania e o Intendente não dispôs de grande autonomia, como mandava
o Regimento.
Porém o isolamento que ainda existiu,
além do fato de ter permanecido como arraial até o ano de 1831 fez com que
Diamantina não sofresse um grande crescimento populacional no período colonial
e a sua economia se baseasse principalmente na extração de pedras, aluguel de
escravos para a Real extração e no comércio de vários artigos como chapéus,
comestíveis, quinquilharias, louças, vidros e mesmo grande quantidade de
artigos de luxo, conforme observou Saint-Hilaire em 1817.
Ao se observar os núcleos populacionais
que existiam quando da existência do Distrito Diamantino e os núcleos urbanos
atuais, percebe-se que as marcas deixadas pela Demarcação influenciaram a
ocupação da região, pois as atuais cidades na região são todas remanescentes da
época do Distrito. Eram postos de guardas ou registros como núcleos
mineradores, as datas de diamantes.
Pode-se citar as cidades de Gouveia e Couto de Magalhães de Minas como exemplo de registros e como núcleos mineradores têm Curralinho (Extração), distrito de Diamantina, e Datas, atualmente cidade. Daí pode-se concluir que as marcas deixadas pela antiga Demarcação Diamantina tiveram grande influência na ocupação do território que ela abrangia.
Referências
BARBOSA, Waldemar Almeida. Dicionário Histórico e Geográfico de Minas Gerais. São Paulo: Livraria Itatiaia, 1995.
ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von. Pluto Brasiliensis. São Paulo: Editora Itatiaia, 1979, 2° volume.
FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o Contratador dos Diamantes. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
FURTADO, Júnia Ferreira. O Livro da Capa Verde, o Regimento Diamantino de 1771 e a Vida no Distrito Diamantino no Período da Real Extração. Editora Annablume: 1ª edição 1996.
JUNIOR, Caio Prado. Formação Histórica do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora brasiliense 1976 14ª edição.
SAINT-HILAIRE, A.; Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. São Paulo : Editora Itatiaia, 1974.
SAINT-HILAIRE, A.; Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil. São Paulo: Editora Itatiaia, 1974.
SANTOS, J.F.; Memórias do Distrito Diamantino. São Paulo: Editora Itatiaia 4ª edição, 1976.
SILVA TELLES, Augusto Carlos da. A ocupação do território e a trama urbana. Revista Barroco, Belo Horizonte, v. 10, 1978/79.
SPIX & MARTIUS, Viagem pelo Brasil. São Paulo: Editora Itatiaia, 1981, 2° volume.
VASCONCELLOS, Silvio de. A Arquitetura Colonial Mineira.
In: Primeiro
Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte: UFMG, 1957.
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