Única na história é essa ideia de isolar uma região, na qual toda a vida civil foi subordinada à exploração de um bem exclusivo da coroa.

Spix & Martius. Viagem pelo Brasil.

 *Escrito por Alessandro Borsagli


Introdução

 

A descoberta de ricas jazidas no final do Século XVII levou ao imediato deslocamento de grandes contingentes populacionais para a região das Minas. Uma consequência disso foi o surgimento de numerosos núcleos urbanos nas imediações das áreas de mineração. Com o passar do tempo, sendo necessária por parte da Metrópole um maior controle da região, alguns desses núcleos situados em locais estratégicos e geralmente próximos das lavras foram elevados à condição de Vila, recebendo um maior aparato governamental. Na região do Serro Frio apareceram inúmeros núcleos mineradores que depois de certo tempo se tornaram arraias, como nas outras partes da região.

Em 1720 foi criada a Capitania de Minas Gerais, desmembrada de São Paulo, porque a Coroa precisava ter mais controle sobre essa parte da Colônia, que mesmo com a instalação do aparato administrativo português na região das Minas ainda apresentava sérios problemas em relação ao cumprimento das leis e impostos. A Metrópole se ocupou em instruir os governadores para lá enviados, para que agissem no sentido de impor a ordem e o controle sobre a população, não apenas quanto à atividade econômica central – a mineração – mas também quanto à vida social que se constituía, sobretudo nos núcleos urbanos.

O Arraial do Tejuco, atual Diamantina, surgiu como os outros núcleos urbanos do seu tempo, em função da existência e posterior exploração aurífera. Os arraiais foram proliferando ao ritmo das descobertas de novos veios nos regatos e grupiaras espalhavam-se por áreas contíguas, por conta disso foram compondo uma rede urbana "ao longo dos caminhos e estradas nas encruzilhadas ou nas travessias de cursos d'água, a margem dos locais onde o ouro e o diamante eram encontrados" (Silva Telles, 1978, p.46). Normalmente os arraiais, assentavam-se ao redor de capelas, orientavam-se pelos caminhos, configuração que se observa nos primeiros núcleos de povoamento, como se lê nas palavras de Silvio de Vasconcellos:

 

(...) suas ruas são sempre antigas estradas. Por isso mesmo, foram a princípio chamadas de rua da Praça, da Matriz, da Câmara, etc. Não porque nelas se localizassem estas edificações, mas porque a elas conduziam. Por isso mesmo ainda hoje os habitantes da zona rural tratam a cidade como 'a rua', no singular, como uma reminiscência do trecho único da estrada onde se construíram estabelecimentos comerciais. 'Vou à rua fazer compras', dizem. E, realmente, à rua quase só vão com essa finalidade (VASCONCELLOS, 1959)

 

Inicialmente o núcleo primitivo do Tejuco assentou-se na vertente do Córrego São Francisco onde estão às ruas de Santa Catarina e do Burgalhau. A ocupação deu-se nesse lugar por ele estar próximo às lavras auríferas e pela estrada de acesso a Vila do Príncipe e a Vila Rica cortar o arraial. Por essas é que chegavam os víveres necessários para a sobrevivência da população local.

As cidades mineiras do século XVIII surgiram todas pelos caminhos abertos pelos primeiros exploradores. O caminho que interligava arraiais, tornaram-se estradas, precipitando a institucionalização do espaço destes arraiais por conta do comércio e das rotas de abastecimento, caracterizando a apreensão deste chão já não mais como somente "espaço de produção", sendo a nascente ordenação e normatização urbana, sinais de um "espaço de reprodução" que se define (Monte-Mór,1999).

A declaração da descoberta dos diamantes em 1729 fez com que um grande número de pessoas se deslocasse para o arraial. Segundo relatos da época os diamantes já eram explorados na região havia vários anos e o anuncio da descoberta só se deu por causa dos boatos existentes na Corte, sendo impossível esconder o segredo. Um comerciante, Francisco da Cruz morador da Vila de Sabará relatou que a Vila estava ficando deserta, pois todos corriam para a região diamantina[1].

A chegada de tamanha população fez com que o arraial se expandisse para além do núcleo inicial. Ele foi crescendo em direção ao Morro de Santo Antônio e o centro do arraial foi então deslocado para uma área menos tortuosa, onde hoje se localiza a Praça da Matriz, atual centro de Diamantina. O arraial cresceu tanto em pouco tempo que o Governador da Capitania, Dom Lourenço de Almeida reconheceu que a população do arraial já ultrapassara em muito a da Vila do Príncipe, embora esta fosse a cabeça da comarca.

A influência do Tejuco já se espalhara por todo o norte de Minas. A economia do arraial sofreu um grande impulso com a descoberta e com o grande número de pessoas que se deslocaram para lá. Apareceram negociantes, comerciantes e tantas outras funções que a Coroa então percebeu que era necessário um maior controle sobre a região, para não haver prejuízos para o Erário Real.

Dos novos moradores era cobrado certo valor para que pudessem explorar a área, eram as cartas de data, que anteriormente eram válidas para a extração aurífera. Foi rigorosamente proibido o estabelecimento de lojas e vendas próximas às lavras e foi estipulada uma distância mínima para tal. Com o intuito de evitar que os escravos tirassem proveito da extração, era expressamente proibida a compra de diamante deles e quem os comprasse estaria sujeito a penas extremamente severas.

Em 1731 foi enviado ao Governador um decreto impedindo a exploração dos diamantes em todos os rios que os tivessem, decretando então o monopólio real sobre as gemas. A Metrópole queria ter maior lucro com as jazidas, pois estava sendo cobrado apenas o imposto da Captação. Contudo, o decreto não foi posto em pratica e o comércio do diamante voltou a ser franqueado em toda a região e o arraial do Tejuco, centro do comércio do diamante continuava recebendo mais pessoas vindas de várias regiões, até mesmo de Portugal.

 

A Demarcação Diamantina

 

O decreto de julho de 1734 determinou a proibição da exploração dos diamantes e o fechamento da região diamantina pela Coroa. A proibição da exploração se deu pelo fato de o diamante ser encontrado com abundância nos rios próximos ao Tejuco e a sua exploração desenfreada fez seu valor despencar no mercado internacional.

Até 1734 os limites do Distrito ainda não se encontravam bem definidos e os decretos proibindo a mineração faziam apenas menção aos rios e ribeirões proibidos. Então realizou-se uma delimitação mais precisa dos limites do Distrito, por Martinho de Mendonça Pina e Proença e pelo Engenheiro Militar Rafael Pires Pardinho, com a colocação de seis marcos cuidadosamente fixados nas divisas estabelecidas e, cerca de oito postos fiscais que controlavam a entrada e saída do distrito. O Distrito Diamantino era como um Estado dentro do Estado, uma região distinta do resto da Capitania por encerrar diamantes no solo e nos cursos d'água. A Coroa, percebendo a necessidade de uma administração especial na região resolve criar no mesmo ano a Intendência dos Diamantes, com leis próprias e válidas somente no Distrito. O Intendente, autoridade suprema no Distrito só prestava obediência à Junta Diamantina localizada em Lisboa e nem o governador da Capitania de Minas e mesmo o Vice-Rei do Brasil não tinham autoridade dentro do Distrito, salvo em alguns casos isolados de intervenção a mando de Lisboa.

Após cinco anos de proibição da exploração das lavras, em 1739 foi estabelecido o sistema de exploração das lavras diamantinas por contrato, levando então a população residente no Distrito a procurar novas formas de sobrevivência.

A corrupção foi grande no período dos contratos e a administração era bastante ineficaz, mesmo com as diversas mudanças nos inúmeros decretos visando combater a corrupção. Na verdade, era uma tarefa quase impossível, pois ela envolvia uma rede de contrabando já organizada que ia desde o Tejuco até Lisboa.

Com o maior rigor a Coroa passou a ter mais controle sobre o comércio no arraial, que era o centro de convergência do comércio do Distrito e mesmo de fora dele. Era de extrema importância para a metrópole o controle, pois o contrabando era extremamente forte e servia como base econômica para inúmeras famílias do Tejuco e em muitos casos, os contrabandistas eram acobertados pela própria Intendência[2]. Segundo os cálculos de Eschwege, no início do século XIX o volume do contrabando era igual ao da produção. Daí poder-se concluir a importância do contrabando para a economia do Tejuco no período colonial.

Segundo Felício dos Santos (1976, p.119), foi no período dos Contratadores que o Tejuco aumentou consideravelmente sua população e o comércio se desenvolveu, mesmo com as leis e bandos em vigor, que procuravam controlar e até mesmo          extingui-lo.

Uma das características da economia do Arraial no período colonial eram os rearranjos da população em torno das leis e decretos que vinham da metrópole, restringindo ou mudando a forma de exploração e ocupação do território. A Metrópole poderia e realmente tinha a intenção de inibir o máximo que pudesse a acumulação gerada pelo comércio no Distrito, mas a população sempre encontrava uma saída para a sobrevivência, estabelecendo redes de contrabando de diamantes na qual a Coroa não conseguia desarticula-la e alugando escravos para os Contratadores e posteriormente para a Real Extração, quanto se empregando na Administração, como veremos adiante. Mas, se por um lado a Coroa tentava controlar o Distrito para evitar a acumulação de Capital por outro, essa acumulação favorecia o Mercantilismo entre Colônia-Metrópole com a compra de produtos vindos de Portugal por alguns moradores do Arraial que acumulavam fortunas devido ao contrabando de diamantes.

O Mercantilismo era à base da economia brasileira no período colonial no qual Portugal detinha os monopólios do comércio sobre os produtos enviados para a colônia e esse monopólio perdurou até 1808 com a vinda de D. João VI para o Brasil. O Mercantilismo era na verdade, a transferência da riqueza da colônia para a metrópole e no caso de Diamantina o enviado era os diamantes, pequena quantidade de ouro e pedras preciosas, tudo severamente controlado pela Coroa.

Em 1753, foi promulgada uma lei em que El-Rei toma para sua proteção os contratos do diamante, monopolizando o comércio. Esta lei proibia qualquer tipo de comércio de diamante nos domínios do Reino, nem mesmo ele poderia ser extraído sem permissão do Contratador.

Na dificuldade de combater os descaminhos do diamante, em 1771 o Marques de Pombal decreta o monopólio real dos diamantes extinguindo o sistema de exploração por contrato e criando a Real Extração dos Diamantes, custeando ela mesma o serviço[3] e aumentando ainda mais o controle sobre a região. Esse fechamento da região a singularizou mais ainda do resto da Capitania, passando a possuir leis próprias, reunidas no Livro da Capa Verde que continha todo o Regimento Diamantino, necessário para o controle da exploração do diamante e da sociedade e submetendo a população a um singular modo de vida, regida por leis que visavam apenas o lucro para a Coroa.


O Tejuco e os destacamentos militares nas estradas.
Fonte: BN

A população do Distrito soube se reorganizar em torno do novo sistema de exploração dos diamantes e passou a tirar daí o seu sustento. A dita classe média do Tejuco, por exemplo, passou a compor a guarda responsável pelo patrulhamento do distrito. A classe dominante composta de portugueses e descendentes passou a ocupar os cargos da Real Extração. Os escravos que antes trabalhavam para os contratadores foram alugados para a real Extração, que pagava aos seus senhores diárias pelo serviço. Mesmo com essa mudança na exploração dos diamantes as outras atividades continuaram tendo importância, atividades que eram exercidas dentro e fora da demarcação e que tinham participação de alguns cidadãos do arraial.

Uma grande parcela da população possuía escravos alugados para a Real Extração e muitos deles viviam do aluguel pago pela Junta. Quando a Coroa pensou em revogar o monopólio dos diamantes em 1803, a população que vivia desse aluguel ficou temerosa de perder essa importante fonte de renda e para evitar um colapso da economia local foi necessário que a Coroa desistisse por um tempo dessa medida. Uma revogação do monopólio prejudicaria consideravelmente a população do arraial que já tinha consolidada a sua economia na Real Extração e a coroa suprimindo o monopólio certamente levaria o arraial e região à ruína.

O naturalista Auguste de Saint-Hilaire observou em 1817 no livro Viagem pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil algumas singularidades de Diamantina como, por exemplo, o forte comércio existente no arraial, mesmo este sendo rigorosamente controlado pelo Intendente. Esse é um indício de como Diamantina era o centro do comércio de toda a região. Observa também que ela se tratava do segundo núcleo populacional mais importante de Minas depois da capital, Vila Rica, atual Ouro Preto.

O Distrito Diamantino existiu até o ano de 1821 quando então foi extinto devido à incompatibilidade do Regimento com as leis promulgadas na Revolução Liberal do Porto.

 

Considerações Finais

 

Durante cerca de 85 anos existiu o Distrito Diamantino, um Estado dentro do Estado, com leis e administração próprias. Porém observou-se que o Distrito não permaneceu totalmente isolado do resto da Capitania e o Intendente não dispôs de grande autonomia, como mandava o Regimento.

Porém o isolamento que ainda existiu, além do fato de ter permanecido como arraial até o ano de 1831 fez com que Diamantina não sofresse um grande crescimento populacional no período colonial e a sua economia se baseasse principalmente na extração de pedras, aluguel de escravos para a Real extração e no comércio de vários artigos como chapéus, comestíveis, quinquilharias, louças, vidros e mesmo grande quantidade de artigos de luxo, conforme observou Saint-Hilaire em 1817.

Ao se observar os núcleos populacionais que existiam quando da existência do Distrito Diamantino e os núcleos urbanos atuais, percebe-se que as marcas deixadas pela Demarcação influenciaram a ocupação da região, pois as atuais cidades na região são todas remanescentes da época do Distrito. Eram postos de guardas ou registros como núcleos mineradores, as datas de diamantes.

Pode-se citar as cidades de Gouveia e Couto de Magalhães de Minas como exemplo de registros e como núcleos mineradores têm Curralinho (Extração), distrito de Diamantina, e Datas, atualmente cidade. Daí pode-se concluir que as marcas deixadas pela antiga Demarcação Diamantina tiveram grande influência na ocupação do território que ela abrangia.


Referências

BARBOSA, Waldemar Almeida. Dicionário Histórico e Geográfico de Minas Gerais. São Paulo: Livraria Itatiaia, 1995.

ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von. Pluto Brasiliensis. São Paulo: Editora Itatiaia, 1979, 2° volume.

FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o Contratador dos Diamantes. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

FURTADO, Júnia Ferreira. O Livro da Capa Verde, o Regimento Diamantino de 1771 e a Vida no Distrito Diamantino no Período da Real Extração. Editora Annablume: 1ª edição 1996.

JUNIOR, Caio Prado. Formação Histórica do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora brasiliense 1976 14ª edição.

SAINT-HILAIRE, A.; Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. São Paulo : Editora Itatiaia, 1974.

SAINT-HILAIRE, A.; Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil. São Paulo: Editora Itatiaia, 1974.

SANTOS, J.F.; Memórias do Distrito Diamantino. São Paulo: Editora Itatiaia 4ª edição, 1976.

SILVA TELLES, Augusto Carlos da. A ocupação do território e a trama urbana. Revista Barroco, Belo Horizonte, v. 10, 1978/79.

SPIX & MARTIUS, Viagem pelo Brasil. São Paulo: Editora Itatiaia, 1981, 2° volume.

VASCONCELLOS, Silvio de. A Arquitetura Colonial Mineira. In: Primeiro

Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte: UFMG, 1957.



[1] FURTADO, Chica da Silva, p.29.

[2] FURTADO, Livro da Capa Verde, p.65.

[3] ESCHWEGE, Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 89.

**Publicado no ano de 2010 no Web Artigos: https://www.webartigos.com/articles/35586/1/O-DISTRITO-DIAMANTINO-1734-1821/pagina1.html

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