Inicio das obras de cobertura do córrego do Acaba Mundo em outubro de 1963.
Fonte: APCBH/ASCOM

    Inserido na paisagem urbana na década de 1920, como um elemento que a compõe, o córrego do Acaba Mundo apresentava um alto grau de poluição no inicio da década de 1960, motivo de reclamação por parte dos moradores do seu entorno, apesar de utilizado por muitos deles como local de descarte de lixo, visto que o serviço de limpeza urbana se encontrava em vias de entrar em colapso. Muitos moradores estavam colocando suas casas à venda, por não suportarem o mau cheiro constante do curso d’água, que passara a receber também grande quantidade de esgotos residenciais dos bairros que surgiram nas suas cabeceiras a partir da década de 1950.

    No ano de 1963 a administração municipal inicia as obras de aprofundamento e impermeabilização do canal do Acaba Mundo na Rua Professor Morais, com a finalidade de cobrir o seu curso para o aumento da malha asfáltica e para o embelezamento do local, uma clara mudança nos valores da cidade que passara a enxergar o asfalto como elemento imprescindível para o franco desenvolvimento da metrópole.

  As obras seriam concluídas no ano de 1965 e inauguradas pelo prefeito Oswaldo Pieruccetti, no lugar de Carone, cassado pela ditadura no final de janeiro do mesmo ano. Um prelúdio dos destinos dos rios urbanos de Belo Horizonte, que infelizmente perdura até os dias atuais.

Córrego coberto no mesmo trecho, no inicio de 1965.
Fonte: APCBH/ASCOM

Conclusão da cobertura na Rua Professor Morais.
Fonte: APCBH/ASCOM

Parte da matéria do jornal Diário de Minas em fevereiro de 1965, uma cidade à beira do caos segundo os periódicos.
Fonte: Diário de Minas

     Há exatos cinquenta anos, Belo Horizonte enfrentava a realidade das aglomerações urbanas brasileiras, além das consequências dos erros das sucessivas administrações. Semelhanças a parte, a falta d'água havia se tornado crônica, onde os motoristas responsáveis pelo abastecimento das vilas mais distantes da zona planejada vendiam a água que era para ser distribuída para a sedenta população. Os esgotos transbordavam periodicamente na zona planejada e adjacências, emporcalhando as vias e as calçadas. Buracos, como o da imagem acima, se espalhavam pela cidade, na mesma proporção em que ela crescia para todos os lados desde a década de 1950, sem a infraestrutura necessária para tal.

      Nessa nova ordem, com o advento dos militares no ano de 1964 o prefeito Jorge Carone, aliado de João Goulart e rival político do então governador Magalhães Pinto, um dos mentores do golpe, estava com os seus dias contados na prefeitura, onde havia feito inúmeros inimigos, desde os banqueiros até os concessionários de ônibus, que não concordavam com as imposições feitas, diga-se de passagem, a favor da população, em detrimento aos seus interesses.

     Aliado a isso vinha a questão dos Fícus da Avenida Afonso Pena, derrubados arbitrariamente na madrugada do dia 20 de novembro de 1963 a mando do prefeito, que via na derrubada das árvores, não só da Afonso Pena mas também das vias adjacentes, a solução para o caos viário que se instalara na região central.

     Naturalmente, sem apoio político e da sociedade, no final de janeiro de 1965 o prefeito foi cassado, assim como o seu vice, assumindo a administração municipal Oswaldo Pieruccetti, um preposto da ditadura que logo nos seus primeiros dias tratou de iniciar diversas frentes de obras com o intuito de se resolver o caos urbano.

    Na verdade, o caos já se instalara na capital desde a década anterior e a troca de prefeito não resolveria o problema. O abastecimento de água continuaria precário até o ano de 1973, os rios urbanos canalizados desde a década de 1920 foram sendo gradativamente encaixotados à partir dessa década, com o intuito de liberar as vias para o automóvel e para o pseudoembelezamento urbano, além da utópica solução dos transbordamentos, que assolavam a capital desde a sua inauguração. Mas a propaganda é a alma do negócio.

     Enfim, os recortes publicados aqui remetem ao momento em que Carone era deposto, sob aplausos de uma parcela da população e dos periódicos que louvaram a nova administração, através de diversas matérias pagas. Parte de um período recente da nossa história, onde o asfalto e o concreto passaria a ser vistos como sinônimo de progresso, absorvido e repetido pelas administrações sucedentes e pela sociedade belorizontina, resistentes às mudanças que atualmente se verificam na capital, em particular a que diz respeito a mobilidade.

Parte da matéria publicada em fevereiro de 1965.
Fonte: Diário de Minas

A mesma reportagem louvando o novo prefeito. 
Fonte: Diário de Minas


Fusca arrastado pelas águas da grande enchente de 1979 na Rua José Viola. Ao fundo parte da canalização do ribeirão Arrudas interrompida na década de 1940.
Fonte: Estado de Minas/ouviaduto


     Muitos ainda se lembram da grande enchente de 1979, considerada a mais grave enchente ocorrida no estado de Minas Gerais. Em Belo Horizonte a enchente causou as já corriqueiras tragédias à montante e a jusante do sobrecarregado ribeirão Arrudas, condenado pelos administradores municipais e estaduais a carrear para fora da metrópole mineira toda a água e imundice coletadas em sua bacia.

   A imagem acima mostra as consequências da enchente, agravada pelos sucessivos erros das administrações e seus técnicos ao empreender a ininterrupta canalização e retificação dos rios urbanos desde a década de 1920, empregada como técnica uma para a solução das mazelas trazidas pelas águas.

     O registro, cedido pelo jornalista João Perdigão, autor do excelente site ouviadudo foi feita a partir da ponte da Rua José Viola, desaparecida da paisagem quando da construção do Boulevard Arrudas na Avenida Tereza Cristina, ressaltando que a ponte da imagem foi demolida ainda na década de 1980, quando da abertura da dita avenida. A grande enchente traria notáveis repercussões e apressaria o alargamento e rebaixamento do canal do Arrudas, iniciadas no ano de 1981 e paralisadas poucos meses mais tarde, mas ai já é outra história que contarei no livro "Rios Invisíveis da Metrópole Mineira", que sairá nos próximos meses.

    Recomendo conhecer o trabalho do jornalista e co-autor do livro "O Rei da Roleta: a incrível vida de Joaquim Rolla", cujo link se encontra no paragrafo anterior e na nota , onde conta interessantes historias sobre o Viaduto de Santa Tereza* e imagens desde a sua construção até os dias atuais, assim como a apropriação e a ressignificação do espaço e do entorno, infelizmente (e obviamente) mal compreendido pelo poder público. 

Obras de canalização do ribeirão Arrudas em 1981.
Fonte: Acervo SUDECAP


* Nos próximos meses sairá o livro "Viaduto Santa Tereza", de autoria do jornalista João Perdigão. Recomendo não só o Ouviaduto, mas também o site Cassinos em Tropa, os dois de sua autoria.
Prédio da Estação Gameleira aos 97 anos, com o seu novo telhado.
Fonte: Foto do Autor

Recebi no inicio do mês de fevereiro um email do historiador Sidney José do Carmo, da Fundação Ezequiel Dias com informações sobre o destino da Estação Gameleira da Central do Brasil, que abordei em outubro ultimo.
Segue abaixo novas e relevantes informações sobre o edifício da antiga estação, aproveitando para agradecer o historiador pelas gratas noticias:

Prezado Alessandro,

Ao ler o blog Curral Del Rey venho manifestar, digo colaborar sobre a matéria/texto alusivo a antiga Estação da Gameleira.
 A Fundação Ezequiel Dias junto a Fundação Municipal de Cultura estão propondo projeto para recuperar aquela área.
Conforme reunião no Ministério Público ocorrida no mês  de dezembro de 2014, foi alinhado ações propositivas.
 Neste momento, estamos (Fundação Ezequiel Dias) localizando vagões de trens  que serão instalados próximo a plataforma da estação.
O projeto em questão chama-se: Museu das Ciências na Cidade do Circo.
Pois a história da Funed  sempre teve participação da rotina desta estação, como exemplo, cito o vagão da saúde que era utilizado na década de 1930
Para executar serviços de profilaxia e exames no sertão de Minas.
Enfim, no momento estamos  seguindo a orientação da DIF: Diretoria de Ferrovias do Dnit (Brasília) e da inventariança da extinta RFSSA para tal.
Aproveitando: o projeto em  une a Fundação Ezequiel Dias (Museu das Ciências) e a Rede de Apoio ao Circo - Fundação Municipal de Cultura ( Cidade do Circo), projeto: Museu das Ciências na Cidade do Circo.
Inclusive nesta segunda feira (09/02) estarei indo na cidade de Santos Dumont junto com técnico da Inventariança da extinta RFSSA para fazer relatório descritivo dos vagões que pretendemos utilizar no projeto em questão. 

Atenciosamente.  

SIDNEY JOSÉ DO CARMO
Historiador- Articulador do Programa Ciência em Movimento
Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento
Núcleo de Popularização da Ciência
Fundação Ezequiel Dias – FUNED

FUNED e Estação no ano de 1967.
Fonte: APCBH/CEMIG

Propaganda de lançamento do loteamento Cidade Nova em Agosto de 1966.
Fonte: Acervo Diário de Minas


     Os diversos periódicos que circularam na capital desde a sua construção são testemunhos do desenvolvimento urbano de Belo Horizonte e das mazelas trazidas pelo acentuado crescimento e metropolização a partir da década de 1950, período em que se caracteriza pela grande verticalização da área central, onde os edifícios residenciais e conjuntos se destacavam entre os edifícios comerciais e os velhos sobrados de tijolos, grande parte substituídos pelo concreto armado.
      O adensamento da área central foi motivo de criticas em vários segmentos da sociedade, que não via com bons olhos a construção de edifícios de uso residencial em uma área que deveria ser exclusivamente de comércio e de serviços, funções que a região central passou a exercer de fato no final dos anos 1920. Mas como o regulamento de construções feito alguns anos antes pelo Poder Municipal permitia a verticalização apenas na área central e restrito ao resto da zona urbana e adjacências, era natural que ai se instalasse os grandes condomínios residenciais que ainda existem alternados com o comercio e serviços. Uma verdadeira miscelânea de funcionalidades, como escreveu Sylvio de Vasconcelos em 1956:

Consequência do crescimento que tem caracterizado ultimamente, o movimento imobiliário de Belo Horizonte, principalmente voltado para as construções de apartamentos, em altura, passou a ser objeto do maior interesse a questão da chamada zona comercial e sua ampliação, porquanto só nela se permitem edifícios de vários pavimentos. Edifícios de apartamento não é comercio. É habitação, residência, e, portanto, tais obras, devem ser construídas em zona residencial e não comercial. Por um lapso do atual regulamento de construções da municipalidade (que, parece, não os previa) ficaram enquadrados no centro da cidade, sujeitos as mesmas determinações e regalias dos edifícios para fins exclusivamente comerciais”. 

    As imagens abaixo, retirados de diversos jornais das décadas de 1950 e 1960 mostram a propaganda feita para a venda dos apartamentos de alguns dos edifícios em construção da região central além da uma matéria, possivelmente paga, para o jornal Binômio sobre a construtora Hiron, então a “serviço do progresso de Belo Horizonte”. Aproveito para mostrar também duas interessantes propagandas, uma sobre o lançamento dos loteamentos Jardim das Alterosas e Cidade Nova, esse último no ano de 1966, onde a torneira jorrando água abundante é o retrato da situação em que se encontrava o abastecimento de água da capital na década de 1960, onde o caos urbano fazia parte do cotidiano dos belorizontinos. 
     É necessário muito cuidado ao analisar os inúmeros periódicos que circularam e circulam na capital, principalmente no período abordado, onde eram comuns as matérias pagas pelo Poder Público e pelos agentes imobiliários, que louvavam a “Cidade Oficial”, com todas as suas mazelas. Mas eles são o retrato de um momento em que a sociedade encontrava-se mergulhada no caos, enalteciam o asfalto e o concreto, assim como o petróleo, considerados então imprescindíveis para o pleno desenvolvimento da metrópole mineira.

Edifício Ouro Verde em propaganda de 1957.
Fonte: Acervo jornal O Binômio.

Loteamento Jardim das Alterosas no ano de 1955.
Fonte: Acervo jornal O Binômio.

Lançamento do edifício Monte Carlo em 1957.
Fonte: Acervo jornal O Binômio.

Lançamento do edifício Panorama em 1957.
Fonte: Acervo jornal O Binômio.

Edifício Paula Ferreira em 1957.
Fonte: Acervo jornal O Binômio.

Matéria do jornal O binômio sobre a construtora em questão no ano de 1957.
Fonte: Acervo jornal O Binômio.

Parte da Fazenda Gameleira e do Instituto João Pinheiro na década de 1910.
Fonte: APM

É sabido que o transporte ferroviário no Brasil está relegado a segundo plano por razões óbvias, que não abordarei aqui, basta observar que pululam veículos movidos a gasolina e a óleo diesel em nossas cidades e estradas.
A Estação Gameleira, uma das paradas das composições do Ramal do Paraopeba, construído na década de 1910 para a ligação direta entre a capital e a cidade de Conselheiro Lafaiete sem precisar fazer baldeação, antes necessária devido à bitola da linha encontrava-se abandonada desde 1996, com a extinção da Rede Ferroviária Federal e o arrendamento das linhas exclusivamente para o transporte de cargas.
Nos últimos anos o lastimável estado de conservação da estação chamava a atenção de uma parcela da população da capital e dos antigos usuários da linha, que vislumbravam um futuro nefasto para o edifício em ruínas. Surpreendentemente, no mês de Setembro teve inicio a troca do madeirame e a reforma do telhado do edifício visando à conservação do que ainda está de pé para a posterior reforma da estação para, ao que tudo indica abrigar a sede da Escola Livre de Circo.

Celas de lixo na Fazenda Gameleira em 1929.
Fonte: APM

Construção da ponte sobre o ramal da E.F.C.B. na década de 1940 na Gameleira.
Fonte: Desconhecida

O local em imagem do ano de 1953, destacando-se a Estação Gameleira.
Fonte: APCBH Gabinete do Prefeito.

A Estação em imagem do ano de 1985.
Fonte: Panoramio/GELASBRFOTOGRAFIAS Geraldo Salomão

A estação em ruínas no ano de 2012.
Fonte: Foto do Autor

A estação sem o telhado em Agosto de 2014.
Fonte: Foto do Autor

Troca do madeirame da estação em Setembro de 2014.
Fonte: Foto do Autor

A troca do madeirame concluída e parte do telhado em Outubro de 2014.
Fonte: Foto do Autor

Aproveito para divulgar o projeto Fazenda Gameleira elaborado pela turma do Micropólis, que propõe uma ressignificação de um dos espaços afetados pelas obras viárias que nunca cessam em Belo Horizonte, cuja estação se encontra inserida no projeto. É importante observar que o local onde se construiu a estação na década de 1910 fazia parte da Fazenda Gameleira, comprada pelo pelo Estado em 1908 na então zona rural de Belo Horizonte. Anterior ao Parque de Exposições a fazenda abrigou as celas destinadas ao lixo recolhido na capital durante as décadas de 1920 e 1930, até a criação do parque em 1938. Segue abaixo o texto do projeto:

"Fazenda Gameleira foi o projeto ganhador do concurso nacional de paisagismo ENEPEA. Elaborado por Micrópolis, coletivo de arquitetura de Belo Horizonte (www.micropolis.com.br), o projeto propõe a ressignificação dos espaços residuais resultantes das grandes obras viárias a que foi submetido o bairro Gameleira (região oeste de Belo Horizonte) ao longo dos anos, a partir da criação de uma rede de ações baseadas na economia solidária, na habitação cooperativa e na agricultura urbana. 
O projeto prevê a construção de um galpão-sede em torno do qual se organiza esta rede, gerida pelos moradores da cooperativa. Nos bolsões entre rodovias, hoje ocupados por grama, serão cultivados alimentos orgânicos que, depois de colhidos, serão transportados para o galpão-sede, onde se realizarão os processamentos, a estocagem e a compostagem e que também abrigará cozinha experimental, restaurante e café populares e escola. É dali que sairão os legumes, frutas e derivados, prontos para a distribuição em veículos da cooperativa, que se instalarão temporariamente no espaço público dos bairros do entorno, servindo como sacolões pop-up a baixo preço e ativando espaços hoje desprovidos de sociabilidade.
A história oficial da cidade nos conta que, na época da fundação de Belo Horizonte, o território da Gameleira abrigou fazendas-modelo do estado que tinham como objetivo o abastecimento da cidade. Já as micro-histórias nos revelam que espaços que um dia serviram como depósito de lixo na região foram transformados em praças pela pressão dos moradores e, hoje em dia, recebem plantações completamente independentes da ação do poder público. Fazenda Gameleira põe em relevo estes outros modos possíveis de vida e de organização do espaço, muitas vezes embaçados pela fumaça do progresso".





É de suma importância pensarmos em um novo modelo de cidade, onde se priorize as relações sociais, a ressignificação do espaço e o uso de transportes alternativos aos impostos pelo Poder Público e pelos agentes econômicos que visam apenas o lucro a qualquer custo, em detrimento aos interesses coletivos e à custa dos elementos naturais, visto até os dias atuais como invasores da urbe. Nesse sentido boas contribuições, reflexões e maneiras de se (re)pensar o espaço serão sempre bem vindas.


Aproveito para agradecer a Dona Olira e sua família pela excepcional recepção e pelos importantes esclarecimentos sobre a estação e suas belas histórias. A imagem do ano de 1985 divulgada aqui no blog é uma das únicas conhecidas do período. Os responsáveis pelas obras estão atrás de mais imagens da estação em uso, posteriormente será empreendida a reforma do edifício onde as imagens serão importantes para um restauro mais fiel. Segundo a família de Dona Olira que mora e cuida do local da estação existe algumas imagens que estão em poder de estudantes da Comunicação Social da PUC Minas, obtidas do acervo da família e nunca devolvidas, sob a alegação de digitaliza-las e entrega-las posteriormente para ilustrar um trabalho de graduação. Tal atitude por ser vista, no mínimo, como um furto não só a família dona das imagens mas a nossa própria história. 

Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

gif maker Córrego do Acaba Mundo 1928/APM - By Belisa Murta/Micrópolis