Algumas imagens da região central de Belo Horizonte atingidas pelas chuvas na Avenida Afonso Pena e Rua Acre em 1963. Na imagem inferior direita é possível visualizar a ponte sobre o Arrudas construída em 1940 na gestão JK.
Fonte: APCBH/ASCOM

    Belo Horizonte, por estar assentada sobre mais de 700 km de cursos d’água, sejam eles em curso aberto ou fechado sob as vias, sempre sofreu com as inundações nos períodos chuvosos. Existem relatos, desde o final do Século XIX sobre os estragos causados pelas cheias dos córregos, em particular o Córrego do Acaba Mundo que atravessava o centro do arraial do Curral Del Rey¹.
  Deve-se entender a diferença entre uma inundação em áreas onde a ação antrópica não interferiu profundamente na paisagem e a inundação em cidades de médio e grande porte, como Belo Horizonte. A destruição em áreas urbanas é bem elevada em relação às inundações em áreas rurais e pequenos núcleos urbanos.
    O acelerado crescimento urbano da capital agravou ainda mais os problemas causados pelas enchentes, a impermeabilização do solo e a ocupação desenfreada das vertentes², das várzeas e dos fundos de vale aumentou ainda mais o poder de destruição das águas.
  Os canais dos cursos d’água já canalizados, como o Acaba Mundo e o Leitão por exemplo foram alargados quando da cobertura do seu curso com a remoção da alvenaria de pedra rejuntada das paredes do canal. Mas o alargamento não acabou com as enchentes e periodicamente as águas, que continuam seguindo o seu curso natural em direção à drenagem principal – no caso os Ribeirões Arrudas e Onça, transformam as ruas e avenidas existentes sobre os córregos em verdadeiros rios, como se vê nos vídeos abaixo.


Enchente do Córrego dos Pintos canalizado sob a Rua Platina nas chuvas de 2010.
Fonte: BRAlexSilva/Youtube


Enchente na Avenida Silva Lobo, na altura do bairro Calafate.
Fonte:diegotadeu76/Youtube


Trabalhos de remoção da alvenaria das laterais do Córrego do Acaba Mundo na Rua Professor Morais em 1963 com a finalidade de alargar a sua calha que posteriormente foi coberta para a melhoria do fluxo viário.
Fonte: APCBH/ASCOM


Obras de cobertura do Córrego do Leitão em 1970 no cruzamento da Avenida Bias Fortes e Rua Mato Grosso. À direita do canal pode-se ver a desembocadura do Córrego da Barroca. Esse trecho atualmente apresenta ocorrências de alagamento nos períodos chuvosos.
Fonte: APCBH/ASCOM

   O Ribeirão Arrudas, mesmo canalizado desde a década de 20 periodicamente continuou saindo do seu leito, ocupando a sua várzea - leiam-se Avenidas do Contorno e dos Andradas e os quarteirões existentes ao longo das Avenidas, causando grandes estragos para a população³ e prejuízos para o Poder Público. Com o constante crescimento da capital aliada à impermeabilização do solo as águas passaram a correr com mais velocidade, chegando ao mesmo tempo ao longo do ribeirão³¹ aumentando cada vez mais o seu poder de destruição. Quem tem mais de trinta anos certamente se lembrará das tragédias que ocorriam com freqüência nos períodos chuvosos, em particular as regiões atravessadas pelo Arrudas fora da Zona compreendida dentro da Avenida do Contorno e pelo Ribeirão do Onça.


Enchente do Ribeirão Arrudas na região central em 1947.
Fonte: Desconhecida


As imagens acima retratam a destruição causada pelas enchentes ao longo dos anos 60. As duas imagens no alto mostram a Avenida Afonso Pena em frente ao antigo DOPS e o Córrego do Acaba Mundo no Parque Municipal. Abaixo delas pode-se ver o Ribeirão Arrudas na Avenida do Contorno.
Fonte: APCBH/ASCOM

   A partir da década de 70 ficou evidente que a canalização empreendida nas décadas de 20 e 30 já não era suficiente para dar a vazão as águas que a cidade necessitava. Em 1975 foi elaborado pelo PLAMBEL um plano para a melhoria da drenagem na região central. Corroborando o que foi dito acima, entre outras coisas o relatório afirmava que,

“é fácil verificar que a urbanização ocorrida na bacia do Arrudas foi superior à prevista na época da construção do canal. Assim, as vazões máximas às quais está sujeito o canal ultrapassam a capacidade de escoamento. Isto deve-se, em primeiro lugar, ao fato de que havendo maior área urbanizada, há maior área impermeável: em segundo lugar, ao fato de que o aumento do índice de impermeabilização e de canalização na bacia, provoca a diminuição de seu tempo de concentração e eleva as vazões de pico”. (Plambel, Drenagem Urbana na área Central, 1975).

   Outro fator apontado pelo Plambel era a deficiência das redes coletoras existentes e mesmo a faltas delas em alguns pontos da capital. Esse escoamento precário persiste até os dias atuais, e as águas pluviais todos os anos proporcionam o mesmo espetáculo da transformação de ruas e avenidas em verdadeiros rios.
Voltando ao caso do Arrudas: para tentar minimizar o problema a Prefeitura demoliu diversas pontes que estrangulavam o ribeirão em vários trechos da capital. Essa medida melhorou sensivelmente o escoamento das águas, não resolvendo o problema das inundações.
   Na década de 80 iniciam-se as obras de alargamento do canal do Arrudas no trecho compreendido entre a Avenida Tereza Cristina e a Ponte do Perrela. Posteriormente a canalização foi estendida a montante até o cruzamento da Avenida Amazonas na Gameleira e a jusante desde a Avenida do Contorno até a Avenida Silviano Brandão, na confluência com o córrego da Mata. A canalização do Arrudas e a urbanização do seu entorno extinguiu diversas favelas que existiam ao longo do seu curso e que sofriam com as cheias do ribeirão.


Final da antiga canalização do Arrudas em 1983 na Ponte do Perrela. Ao lado da ponte é possivel ver os emissários de esgotos construídos nas décadas de 1910 e 1920 que despejavam os esgotos da capital in natura no ribeirão. A imagem data do inicio de 1983 após a grande enchente de 02 de Janeiro de 1983 que arrasou com a antiga ponte da Avenida do Contorno.
Fonte: Acervo Plambel


Favelas da Baiana e União que se localizavam às margens do ribeirão. Elas se localizavam em parte da área hoje ocupada pelo Boulevard Shopping.
Fonte: Acervo Plambel


Mapa confeccionado pelo Plambel onde está sinalizado em vermelho as áreas atingidas pela enchente de 1983. A área acima corresponde as Favelas citadas na imagem acima. As águas do Arrudas, canalizadas até as proximidades das Favelas aumentaram ainda mais o poder de destruição.
Fonte: Acervo Plambel


Ônibus arrastado para dentro do Ribeirão Arrudas na enchente de 1983, nas proximidades da Avenida Barbacena.
Fonte: Acervo Veja

    Na década de 90 a canalização foi estendida desde a Gameleira até as proximidades da confluência do Córrego do Ferrugem, uma das principais drenagens da cidade de Contagem. A canalização desse trecho foi sub-dimensionada sendo as enchentes freqüentes até os dias atuais. Com a canalização grande parte dos problemas decorrentes da precária urbanização que existia ao longo do ribeirão foi resolvida, porém um possível erro ocorrido ao se calcular a vazão do ribeirão nos períodos chuvosos é aceitável.
  É importante ressaltar que nessa intervenção foram removidos do entorno do ribeirão diversos aglomerados e desapropriadas uma grande quantidade de imóveis ribeirinhos. O grau de urbanização das vertentes do ribeirão, além dos córregos do Cercadinho, Bonsucesso e Ferrugem entre os anos de 1996 e 1998 quando foi empreendida a vultosa obra já era notória e certamente poderia ter sido dada uma maior atenção a essa urbanização devido a grande impermeabilização das vertentes que escoam com rapidez as águas para o ribeirão. A canalização do Arrudas na região do Barreiro e o crescimento urbano também contribuíram para o aumento da vazão do ribeirão.
   Uma coisa deve ser lembrada: as áreas mais baixas e os fundos de vale sempre estarão sujeitas às inundações devido ao caminho natural das águas. Os Engenheiros sempre procuram impor um limite para os cursos d’água que atravessam o meio urbano. Mesmo canalizados ou cobertos os córregos³² e os ribeirões em algum momento desconhecerão os limites impostos pelos homens, suas águas vão reivindicar o que é seu por direito e a população continuará pagando o preço pelo mau planejamento por parte do Poder Público. E, infelizmente a tendência é só piorar, pois com o constante crescimento urbano de Belo Horizonte a impermeabilização é cada vez maior, o calor é cada vez maior e a evaporação também é maior, ou seja, as probabilidades de temporais mais frequentes na capital só irá aumentar nos próximos anos caso não se tome medidas necessárias e não tão complexas para melhorar o escoamento das águas e permitir uma maior penetração no solo.


Ribeirão Arrudas nas chuvas de 1987 no local em que está sendo coberto o ribeirão para a execução da 3ª etapa do Boulevard Arrudas.
Fonte: Acervo Manuelzão e Corpo de Bombeiros


Córrego do Ferrugem no ano de 2011 em dois momentos distintos: à esquerda ano mês de Setembro com sua vazão mínima e no mês de Novembro com a sua desembocadura obstruída devido a elevação das águas do Arrudas.
Fonte: Foto do Autor


A confluência dos dois cursos d'água também no mesmo período da imagem acima.
Fonte: Foto do Autor


Córrego do Bonsucesso com a sua vazão normal e à direita represado devido ao aumento do volume d'água do ribeirão Arrudas.
Fonte: Foto do Autor


Córrego do Cercadinho na altura da confluência com o Ribeirão Arrudas em 2011.
Fonte: Foto do Autor


Córrego do Acaba Mundo em 1999 na Rua Grão Mogol.
Fonte: Foto do Autor


Ribeirão Arrudas nas chuvas de 2002 na altura do cruzamento das Avenidas do Contorno e Barbacena. Nesse mesmo local acaba de ser finalizada a segunda etapa do Boulevard Arrudas.
Fonte: Foto do Autor


Enchente do Arrudas na Avenida Tereza Cristina na virada de 2008/2009.
Fonte: Portal UAI/EM


Enchente na Avenida Silva Lobo. Sob a Avenida está o Córrego das Piteiras.
Fonte: Desconhecida


Ribeirão do Onça nas chuvas de 2010, na altura do bairro Ribeiro de Abreu.
Fonte: Portal UAI/EM


Enchente do Ribeirão do Onça na Avenida Cristiano Machado em 2010.
Fonte: Portal UAI/EM



Cheia do Ribeirão Arrudas nas chuvas de Dezembro de 2011.
Fonte: Foto do Autor


* Impressiona o pesquisador a falta de critério em relação aos nomes dos cursos d’água da capital. Com exceção dos córregos que atravessam a área planejada dentro dos limites da Avenida do Contorno os outros cursos d’água existentes, na sua maioria, constam nas cartas confeccionadas pela Prefeitura como “sem nome” ou com os nomes trocados. Muitos deles aparecem com dois ou três nomes ao longo do seu curso, adotando sempre o nome das ruas ou avenidas que existem sobre ele. Se o curso d’água não deixou de existir não justifica, propositalmente, trocar o seu nome ou simplesmente esquecê-lo, lembrando que grande parte das denominações dos córregos foram dadas há pelo menos cento e cinquenta anos, em conformidade com a tradição portuguesa na escolha dos nomes (Toponímia). Atualmente se encontram disponibilizadas em meio digital as cartas e plantas cadastrais de Belo Horizonte, inclusive as confeccionadas pela Comissão Construtora no final do Século XIX. Isso facilitou o acesso a estes documentos evitando assim algumas burocracias perante os órgãos detentores das plantas e cartas citadas. Poucas horas de pesquisa são suficientes para corrigir todos os lamentáveis equívocos que se vê nas cartas atuais das sub-bacias de Belo Horizonte e região.

¹ Uma dessas enchentes data de 09 de Janeiro de 1900 na qual se registraram diversas mortes e desabamentos causados pelo aumento do nível das águas dos cursos d’água. Diversos curralenses que foram testemunhas dessa enchente afirmaram na época que nunca viram uma enchente dessa magnitude no arraial. As fotos publicadas no decorrer do artigo são uma pequena parte das inúmeras inundações que atingiram (e ainda atinge) Belo Horizonte ao longo das décadas.

² Belo Horizonte apresenta algumas características físicas que aumentam ainda mais a velocidade e o poder de destruição das águas: suas vertentes apresentam na sua maioria uma grande declividade. Mesmo profundamente modificadas pela ocupação urbana e abertura de vias algumas dessas vertentes ainda apresentam declividades consideráveis; o bairro Santo Antônio, localizado na margem direita do córrego do Leitão e o bairro Grajaú, localizado na margem direita do córrego das Piteiras são bons exemplos dessa declividade que existe em várias regiões da capital. As alterações morfológicas do terreno promovidas pelo homem não amenizou os problemas causados pelas enchentes, na verdade essas alterações modificaram profundamente o curso natural das águas, a meu ver as tragédias que se vêem todos os anos em Belo Horizonte só têm um culpado: as sociedades modernas, que ainda não aprenderam (ou desaprenderam) a conviver em harmonia com o meio.

³ Segundo alguns relatos, nas enchentes desciam pelo ribeirão na região central desde geladeiras, sofás, até toras de madeira e latas de óleo carregadas dos postos de gasolina da Avenida do Contorno.

³¹ É sempre bom lembrar que os Ribeirões Arrudas e do Onça são as principais drenagens de Belo Horizonte. A quase totalidade dos cursos d’água existentes na capital vertem para esses dois cursos d’água.

³² Ainda veremos por muitos anos a Avenida Prudente de Morais e Rua São Paulo (Leitão), Avenida Francisco Sá e Rua Jaceguai (Pintos), Avenida Silva Lobo (Piteiras) Avenida Tereza Cristina (Arrudas) se transformarem em verdadeiros rios nos períodos chuvosos, que na verdade correm por baixo dessas vias construídas nos fundos de vale da capital. Citei apenas uma pequena parte dos cursos d’água de Belo Horizonte, existem muitos outros espalhados (e enterrados) pela capital que também se transformam em verdadeiros rios nesse período.

Parte das valas remanescentes da demarcação realizada em 1923 quando da anexação do Distrito de Venda Nova ao Município de Belo Horizonte.
Fonte: Foto do Autor

Durante séculos um dos sistemas usados para demarcar a divisão entre propriedades era a abertura de valas profundas. Não havia cercas e todas as divisas de terras eram demarcadas por abertura de valas profundas que até hoje ainda podem ser vistas em diversos lugares onde esse sistema foi utilizado. Um caso clássico dessa forma de demarcar uma determinada região com valas profundas foi o Distrito Diamantino, área demarcada pela Coroa Portuguesa com a finalidade de se explorar exclusivamente o diamante. A demarcação do distrito teve inicio na década de 1730 e atualmente ainda é possível identificar vários trechos dessa demarcação.
Esse sistema de demarcação por valas ainda era largamente utilizado quando da construção de Belo Horizonte na ultima década do Século XIX. Ele foi utilizado na primeira demarcação do município quando do seu desmembramento de Sabará em 1894. Desta primeira demarcação atualmente não existe resquício algum, pois grande parte das divisas eram determinadas pelas cristas das serras e pelos cursos d’água.
Nas áreas mais baixas do município de Belo Horizonte (a porção de terras compreendidas entre a Serra do Curral e a região Cárstica da RMBH) a demarcação das propriedades ainda era feita através do sistema de valas. As terras localizadas na margem esquerda do Ribeirão do Isidoro pertenciam ao Distrito de Venda Nova. Na verdade os limites dos dois municipios nesse período apresentavam grandes divergências, o que pode ser comprovado nas Plantas cadastrais confeccionadas no período.
No inicio da década de 20 os limites do município de Belo Horizonte foram novamente redefinidos com a Lei Nº843 de 7 de Setembro de 1923 que criou o Distrito de Venda Nova com áreas demembradas de Belo Horizonte e Santa Luzia sendo que uma vasta porção de terras constituidas por pequenos sitios e fazendas também passou a pertencer ao município de Belo Horizonte. Na necessidade de se demarcar os novos limites do município em alguns trechos em que não havia pontos culminantes ou cursos d’água a demarcação foi feita através de valas profundas, uma forma de divisão usada há Séculos de diversas maneiras, desde a divisão de propriedades particulares até a demarcação de grandes áreas administrativas. As valas abertas nesse trecho se estendiam desde as terras pertencentes ao Sanatório Hugo Werneck¹, segundo informações oficiais da época também anexado a Belo Horizonte em 1923 até as margens do Córrego Ponte Alta nas proximidades da atual Avenida Brasília no município de Santa Luzia. Esses distritos foram anexados anos mais tarde a capital e as plantas desse período já demonstram as intenções dos políticos em expandir as terras do municipio de Belo Horizonte. É bom lembrar que o crescimento urbano de fato só foi atingir essa região décadas mais tarde, poucos anos antes da criação da RMBH.


Parte do mapa de Belo Horizonte confeccionado em 1922, um ano antes da anexação de Venda Nova. Pode-se ver, entre outros detalhes o Ribeirão do Isidoro como a divisa entre Belo Horizonte e Santa Luzia.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte: FJP. 1997.


Esboço da nova Carta do Município de Belo Horizonte feita em 1923. Essa carta apresenta as novas delimitações da capital, com as terras desmembradas de Santa Luzia.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP; 1997.


Parte do Mapa de 1937 com a área visitada pelo Autor em destaque.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP; 1997.

Com a criação do município de Vespasiano, desmembrado de Santa Luzia em 1948 alguns limites dos municípios foram novamente redefinidos sendo que a região onde se encontram grande parte das valas da antiga demarcação dos municípios passou novamente a pertencer a Santa Luzia. Até meados dos anos 70 essa região ainda era tipicamente rural, com o predomínio de sítios e de pequenas fazendas.
A partir da década de 80 a conurbação entre os dois municípios era claramente visível devido à expansão da malha urbana. Essa expansão diminuiu consideravelmente as áreas rurais de Santa Luzia. A continua expansão urbana desse município nos últimos anos transformou grande parte dos sítios e fazendas da região em bairros periféricos que apresentam um grande parcelamento do solo.
O trecho abordado nesse artigo é um dos últimos remanescentes dessa demarcação realizada nos anos 20. Esse pequeno trecho felizmente foi preservado por estar inserido atualmente nas terras da propriedade pertencente ao Senhor Ivo² localizadas na sua totalidade no município de Santa Luzia. É bom lembrar que grande parte das valas da antiga demarcação dos municípios já desapareceram devido a grande ocupação urbana da região.


A primeira vala, nas proximidades da Sede da Fazenda do Sr. Ivo.
Fonte: Foto do Autor


A sequência da mesma vala próxima a divisa com a Mata do Isidoro.
Fonte: Foto do Autor

Confesso que fiquei surpreso ao tomar conhecimento da existência dessas valas, acreditava que elas já haviam desaparecido há décadas e informado que no presente momento está sendo implantado um loteamento na região (bairro Liberdade) que certamente irá atingir no futuro as tais valas me dirigi o quanto antes à região para poder registrar tais resquícios de uma época em que grande parte da capital era constituída de sítios e fazendas. A propriedade do Sr. Ivo faz divisa com a Mata do Isidoro (Granja Wernerck), ultima porção do município de Belo Horizonte que ainda não foi loteada e é a maior área verde dentro dos limites da capital. A propriedade também faz divisa com o bairro Baronesa, pertencente a região do São Benedito. O fato de a região do Isidoro, até o presente momento (2011) não ter sido largamente ocupada ajudou a preservar os resquícios dos antigos limites dos dois municípios. Certamente, se a Mata do Isidoro for urbanizada a conurbação atingirá essas áreas.
A propriedade rural onde se encontram as valas é um dos últimos remanescentes da zona rural que se estendia desde os limites de Belo Horizonte com as cidades da RMBH. Atualmente existem duas sedes de antigas propriedades rurais ainda preservadas: a Fazenda Capitão Eduardo³ no bairro Ribeiro de Abreu e a Fazenda Souza Lima no bairro Gorduras. As outras fazendas, em sua maioria já foram loteadas e urbanizadas e as suas sedes demolidas.


Imagem de Satélite aonde se tem uma visão ampla da Mata do Isidoro e da região onde se encontram as valas da demarcação de 1923.
Fonte: Google Earth


Uma parte das valas ainda existentes. As setas indicam a direção das mesmas.
Fonte: Foto do Autor


Imagem de Satélite com o local das fotos acima sinalizadas. A imagem, do ano de 2008 apresenta ainda um entorno despovoado. Atualmente as áreas ao norte da imagem encontram-se cortadas por diversas ruas recém abertas.
Fonte: Google Earth


¹ As terras, pertencentes a Santa Luzia até 1923 foram doadas em 1916 pelo município de Belo Horizonte para a construção do Sanatório que funcionou nesse local até 1973. Essas informações constam nos relatórios dos Prefeitos da década de 20 e são divergentes com algumas informações disponiveis em meio digital. É bom lembrar que divergências nas informações nesse tipo de pesquisa são perfeitamente normais dado a falta de informações concretas. Muitas vezes o que está escrito nos relatórios oficiais não traduz a realidade vivida no municipio no período abordado. Por isso, recomendo também que se pesquise nos jornais e revistas da época disponibilizadas na Biblioteca Pública da Praça da Liberdade. Atualmente o Sanatório funciona como um Asilo para idosos.

² Aproveito para agradecer ao Sr. Ivo que me recebeu com grande cordialidade em sua propriedade, permitindo que eu examinasse as valas da antiga demarcação dos municípios de Belo Horizonte e Santa Luzia. Graças a ele eu também fiquei sabendo da existência de resquícios de trabalhos na região realizados por escravos, entre as valas e o loteamento Liberdade.

³ Essa Fazenda se encontra atualmente nas mãos do Governo Estadual e em suas terras foi construída a ETE Onça. Infelizmente a burocracia imposta pelo órgão responsável ainda não me permitiu conhecer e escrever sobre a Fazenda. Talvez no futuro eu consiga ter acesso a tal sede, quando os responsáveis se convencerem que o intuito da visita é apenas para fins de pesquisa...

Asfaltamento da Avenida dos Andradas nos anos 60.
Fonte: APCBH/ASCOM

A Avenida do Canal, atual Avenida dos Andradas foi projetada para ser um pequeno eixo de ligação entre a Praça da Estação e a Avenida Tocantins (Assis Chateaubriand).
Nos primeiros anos da capital a Avenida, na verdade um caminho sem pavimento era um dos acessos às pequenas indústrias que existiam na margem esquerda do Ribeirão Arrudas, que ainda não havia sido canalizado e também a Ponte Melo Viana, principal eixo de ligação entre a área central e os bairros de Santa Teresa e Floresta.
Apenas na década de 20 é que resolve se fazer uma grande intervenção na Avenida e no seu entorno iniciada pela prefeitura e posteriormente assumida pelo Governo Estadual. Essas obras visavam, entre outros aspectos em melhorar e embelezar a aparência da capital na sua porta de entrada, como se pode ler nas palavras do Prefeito Flavio Fernandes dos Santos em 1925:

“A actual administração pensa deixar executados os serviços que, em conjuncto, formam esta grande obra de embellezamento na entrada da Capital, consistentes taes serviços no empedramento, rejuncção, balaustrada e sua illuminação, e os passeios ao lado das mesmas, inclusive o calçamento da Avenida do Canal, em toda a sua extensão, a qual justamente comprehende os trechos mencionados entre a rua da Bahia, no cruzamento da avenida do Contorno, e a avenida Tocantins; (...) em prol da belleza e hygiene desta parte da Cidade, situada no bairro comercial e á margem das duas vias de acesso mais importante da Capital, como a bitola larga da Central e a Oeste de Minas”.


A Avenida do Canal em destaque nas Plantas de 1894 e 1895.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP; 1997.


Inicio das obras para a abertura da Avenida do Canal em 1927.
Fonte: BH Nostalgia

Até essa época a Avenida tinha cerca de 580 metros de extensão. Na gestão do Prefeito Christiano Machado iniciada em 1925 resolve-se prolongar a Avenida até a Avenida do Contorno que era aberta ao mesmo tempo na altura do Perrela. Esse prolongamento foi, na verdade uma conseqüência devido a implantação dos emissários de esgotos ao longo do Arrudas que era retificado e canalizado ao mesmo tempo. Essas obras diminuíram uma grande parcela do Parque Municipal, cujo projeto inicial previa uma harmonização entre o Arrudas e o conjunto paisagístico do Parque. Outro objetivo do prolongamento da via, segundo o relatório do Prefeito Christiano Machado datado de 1926 era desafogar o transito do cruzamento da Avenida Afonso Pena e Rua da Bahia, primeiro eixo de articulação da capital.

“Aquella, ao lado da qual se constroem os grandes emissários de esgotos, trazendo como conseqüência o prolongamento da avenida do Canal, descongestionará o movimento do chamado Bar do Ponto, forçado e cada vez mais crescente de todos quantos, da parte baixa da cidade, demandem grande parte do bairro dos funccionários e do Quartel do 1º Batalhão”.

O aterramento necessário para o prolongamento da avenida, como se vê nas imagens abaixo só foi possível graças à abertura de diversas ruas nas zonas urbana e suburbana e o desmonte dos terrenos compreendidos entre as atuais avenidas Assis Chateaubriand, Francisco Sales e a linha férrea, sendo os serviços executados pela Prefeitura. Esse trecho também fazia parte do Parque Municipal no projeto inicial da capital.
É importante ressaltar que as obras executadas foram uma das mais importantes da década de 20 para a capital. Ela permitiu a abertura e o prolongamento de diversas ruas e avenidas que até esse período só existia na Planta. A Avenida do Canal foi inaugurada em 1929 pelo então Presidente do Estado Antonio Carlos de Andrada e Silva com o nome de Avenida dos Andradas.


Retificação e canalização do Ribeirão Arrudas, obra que permitiu o prolongamento da Avenida do Canal na área destinada ao Parque Municipal.
Fonte: APM


Canalização do Arrudas e aterramento do antigo leito para o prolongamento da Avenida do Canal. Ao fundo a Rua Ceará e o Instituto Afonso Pena.
Fonte: APM


O mesmo local com as obras já adiantadas.
Fonte: APM


A Avenida dos Andradas recém inaugurada em 1928.
Fonte: APM


A Avenida vista desde o Viaduto de Santa Tereza.
Fonte: BH Nostalgia


Trecho em destaque da Avenida recém prolongada em 1928. É notável os quarteirões vazios no entorno da Avenida, área ocupada anos mais tarde por pequenas indústrias.
Fonte: APCBH


Parte integrante da 14ª Seção Urbana, de onde saiu grande parte do material destinado ao aterramento do leito do Arrudas para o prolongamento da Avenida do Canal.
Fonte: APCBH

Nas décadas seguintes não houve modificações relevantes na Avenida, apenas serviços de manutenção e conservação da via e do canal do Ribeirão Arrudas. Já o seu entorno não se pode dizer o mesmo; os grandes hotéis e sobrados datados do inicio do Século XX foram substituídos por prédios comerciais e de uso misto, marca registrada da intensa verticalização à partir da segunda metade dos anos 50.


Planta de 1942 onde se vê em destaque a Avenida dos Andradas.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP; 1997.


Asfaltamento da Avenida dos Andradas e obras no leito do Arrudas nos anos 60.
Fonte: APCBH/ASCOM


Alargamento da ponte sobre a Avenida Francisco Sales nos anos 70.
Fonte: APCBH/ASCOM

Na década de 70 iniciam-se os estudos para o alargamento do canal do Ribeirão Arrudas que alarmava a população com as grandes enchentes nesse período. As obras, executadas no inicio da década de 80 foram responsáveis pela segunda grande intervenção do Poder Público na Avenida. Nessa mesma década a Avenida foi prolongada além dos limites da Contorno, sendo então aberta até o cruzamento da Avenida Silviano Brandão. Na execução das obras diversas Favelas ribeirinhas foram removidas e os seus moradores relocados para diversas áreas da região metropolitana, principalmente após a grande enchente de 02 de Janeiro de 1983.


Canalização do Arrudas em 1982 em frente ao Parque Municipal.
Fonte: Desconhecida


Obras de canalização na Avenida dos Andradas na região hospitalar.
Fonte: SANEAMENTO básico em Belo Horizonte: trajetória em 100 anos - Coleção Centenário, FJP.


Enchente do Ribeirão Arrudas em Janeiro de 1983 no cruzamento da Avenida Francisco Sales.
Fonte: SANEAMENTO básico em Belo Horizonte: trajetória em 100 anos - Coleção Centenário, FJP.

Entre os anos de 2005 e 2007 a Avenida dos Andradas sofreu novamente uma significativa mudança com a construção do Boulevard Arrudas que desencadeou na região um intenso processo de revitalização do patrimônio histórico e da requalificação urbana da Praça da Estação e adjacências. A intervenção também tinha como objetivo “esconder” o Arrudas, extremamente poluído e excluído da nova paisagem urbana vislumbrada para a região. O Ribeirão que nas décadas anteriores tinha um papel de destaque na paisagem da Avenida e da própria Praça foi relegado, com o passar do tempo a um papel secundário na paisagem urbana belorizontina até a sua erradicação da paisagem em 2006. A Avenida dos Andradas continua exercendo uma das principais funções quando da sua abertura: a melhoria do fluxo viário na região central. E, em prol da mobilidade urbana e do embelezamento certamente o Arrudas também será erradicado da paisagem urbana nos próximos anos entre o Parque Municipal e a Avenida do Contorno.


O Boulevard Arrudas em 2006.
Fonte: Acervo SETOP


O Boulevard Arrudas e Avenida dos andradas em 2009.
Fonte: Google Street View


A Avenida e o Boulevard em frente ao Parque Municipal.
Fonte: Google Street View


A Avenida dos Andradas no cruzamento com a Avenida Francisco Sales em 2010.
Fonte: Foto do Autor


A Avenida dos Andradas no ano de 2008.
Fonte: Google Earth

Via de terra no final da década de 60 onde foi aberta a Avenida Tereza Cristina na década seguinte.
Fonte: APCBH/ASCOM

Em terras antes ocupadas por colonos pertencentes à antiga colônia agrícola Carlos Prates a Avenida Tereza Cristina foi idealizada pelo então prefeito Juscelino Kubitscheck em 1940 com a finalidade de ligar as regiões leste e oeste da capital, se estendendo desde a Avenida do Contorno até a Avenida Amazonas na Gameleira. Essa Avenida foi projetada após a retificação do leito do Ribeirão Arrudas iniciada na metade da década de 30 no trecho compreendido entre a Avenida Bias Fortes e a Zona Suburbana logo acima do Barro Preto. A retificação foi estendida nos anos seguintes em direção a região da Gameleira. A Avenida Tereza Cristina foi descrita no relatório do Prefeito Juscelino Kubitscheck em 1941 como uma avenida singular que apresentaria características únicas, como se lê no trecho extraído do relatório citado:

“Ao longo das margens direita e esquerda de nosso principal curso d’água, oferece a via pública um traçado vistoso e, ao mesmo tempo, diverso no que se observa nas outras avenidas, pois os canteiros da parte central darão lugar ao leito do ribeirão, formando-se as pistas dos dois lados, ligadas de trechos em trechos, pos pontes de concreto armado. Tornar-se-á por isso mesmo, uma das mais belas avenidas da capital”.



A calha do Ribeirão em três representações distintas: o seu traçado real representada na Planta de 1922, o seu curso já aparecia retificado na Planta de 1928, retificação essa que só aconteceria na década seguinte e o seu curso representado com imprecisão em uma Planta da década de 30.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP; 1997.


Retificação do leito do Arrudas em 1935 na altura do Prado.
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Octacílio Negrão de Lima,1936


Ribeirão Arrudas retificado e canalizado na Zona Suburbana.
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Juscelino Kubitscheck de Oliveira,1941

Idealizada nos anos 40 a “avenida” de fato existiu até meados dos anos 80 apenas na margem esquerda do ribeirão, nas décadas anteriores era um caminho de terra que levava aos galopes e indústrias existentes na região além de permitir o acesso às pontes da Rua Santa Quitéria e do Beco do Viola. Na margem direita o acesso era feito pela atual Avenida Presidente Juscelino Kubitscheck, o conhecido “corta caminho” dos motoristas que evitam a Avenida nos dias de trafego intenso no sentido bairro-centro, que nada mais é do que parte do antigo leito da Rede Mineira de Viação¹ desde a Avenida Nossa Senhora de Fátima e se encontrava a uma distancia considerável do ribeirão. As áreas atualmente ocupadas pela avenida, entre as décadas de 40 e 80 se encontravam em grande parte ocupadas pela vegetação ciliar que existiu ao longo do Arrudas e que podem ser vistas na imagem abaixo.


Margem esquerda do Ribeirão Arrudas na década de 60. Essa região era largamente usada como "bota fora" pela população e pelo Poder Público que tratava os cursos d'água da capital como depósitos de lixo.
Fonte: APCBH/ASCOM


Rua de terra onde se abriu a avenida na década seguinte. A ponte vista na foto é a ponte da Rua Santa Quitéria, construída em 1949 em substituição a uma de madeira construída quando da fundação da colônia agrícola e que se encontrava em péssimo estado. Outro fato que chama a atenção do observador é a presença de mata ciliar na margem direita do ribeirão.
Fonte: APCBH/ASCOM


Planta Cadastral da década de 60 onde se vê em destaque a área abordada e no seu entorno o adensamento das vertentes do Arrudas.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP; 1997.

Com o inicio das obras da Via Expressa Leste-Oeste em 1976 visando à melhoria da mobilidade urbana e da precária articulação viária tornou-se inevitável à abertura da Avenida, feita de fato somente na década de 80, paralelamente ao alargamento do canal do Ribeirão Arrudas até a Avenida Amazonas. O trecho compreendido entre a Ponte da Gameleira e o Córrego do Ferrugem foi aberto somente na segunda metade da década de 90² sempre acompanhando a calha do ribeirão.
Inalterada até os dias atuais (2011) a Avenida passará por uma profunda intervenção por parte do Poder Público com a execução da 3ª etapa da construção do Boulevard Arrudas que será estendido até o bairro Coração Eucarístico. Com a cobertura do canal do Arrudas e o alargamento da via a paisagem urbana nesse trecho será drasticamente alterada, assim como foi nos trechos já concluídos. A foto abaixo corrobora a Avenida vislumbrada por JK em 1940, materializada somente nos anos 80 e que atualmente se encontra com os dias contados.


Construção da segunda ponte ferroviária sobre o Arrudas entre os anos de 1984/1986, no mesmo período da abertura da Avenida Tereza Cristina nesse mesmo local. A primeira ponte vista na imagem era responsável pela ligação da Avenida Nossa Senhora de Fátima com a Avenida JK e foi implodida pouco depois desse registro.
Fonte: Acervo MBRoscoe


Uma paisagem urbana que será profundamente alterada: Avenida Tereza Cristina no ano de 2011, ao fundo o viaduto da Rua Santa Quitéria.
Fonte: Foto do Autor


Viaduto que será construído sobre a linha férrea na 3ª etapa do Boulevard Arrudas. Essa construção, que se assemelha com a antiga Ponte da Avenida Nossa Senhora de Fátima certamente irá criar mais um "vazio" urbano como é visto atualmente na Lagoinha.
Fonte: Portal PBH


Imagem da área abordada datada do ano de 2008 onde se destacam os locais das imagens apresentadas anteriormente.
Fonte: Google Earth


¹ Essa linha seguia mais ou menos o atual leito do metrô na altura do Prado até a região da Fazenda Camargos (Parada Camargos). Daí a linha seguia para Contagem (Estação Bernardo Monteiro), Pará de Minas e para o Triangulo Mineiro. A RMV era a maior Ferrovia do interior do Brasil e chegou a transportar mais de 3 milhões de passageiros/ano na década de 50. Nunca entenderei porque as ferrovias são consideradas um atraso no transporte público, o que se pode entender é a pressão de diversos "segmentos" contra esse formidável transporte...

² O trecho abordado aqui compreende apenas a porção da Avenida até as proximidades do Calafate, perto da Confluência entre o ribeirão Arrudas e o córrego do Tejuco.

Inicio das obras para a ligação viária entre a Avenida do Contorno e Avenida dos Andradas.
Fonte: APCBH/ASCOM

Não é preciso falar que Belo Horizonte é uma cidade de construções e demolições constantes. A imagem acima é uma prova do que se afirmou anteriormente. A capital surgiu sobre o sitio do arraial do Curral Del Rey, arraial de origem colonial que foi completamente arrasado no final do Século XIX. Ao longo do Século XX Belo Horizonte passou por diversas mudanças expressivas na sua paisagem urbana e no espaço. Nos últimos anos mudanças significativas estão transformando drasticamente a paisagem urbana, com a acentuada verticalização dos bairros fora do perímetro da Avenida do Contorno e principalmente nas obras para a melhoria do fluxo viário na RMBH. Isso, aliás, é o principal agente responsável pelas mudanças que se verifica na capital desde meados dos anos 50.

Roberto Lobato Corrêa escreveu sobre a ação dos formadores do Espaço Urbano em seu livro “O Espaço Urbano” que “a ação destes agentes é complexa, derivando da dinâmica de acumulação de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção, e dos conflitos de classe que dela emergem. A complexidade da ação dos agentes sociais inclui práticas que levam a um constante processo de reorganização espacial que se faz via incorporação de novas áreas ao espaço urbano, densificação do uso do solo, deterioração de certas áreas, renovação urbana, relocação diferenciada da infra-estrutura e mudança, coercitiva ou não, do conteúdo social e econômico de determinadas áreas da cidade”.

Muitas dessas mudanças passaram despercebidas para a população, talvez devido à mudança espaço-tempo que acelerou e encurtou ao mesmo tempo a vida nas sociedades modernas.
É importante que se construa uma memória urbana para entender todo o processo que ocorreu nos centros urbanos, desde as mudanças urbanas mais profundas até as menos significativas, mesmo que qualquer mudança na paisagem gera um impacto, no mínimo local.


Obras na Praça Rui Barbosa que culminou com a diminuição do espaço público para a melhoria viária.
Fonte: APCBH/ASCOM

Com o título “Metamorfoses Urbanas” serão publicados posteriormente pequenos artigos sobre essa mudança espacial de Belo Horizonte, em particular as verificadas a partir da década de 50, década em que o Poder Público passou a priorizar a articulação viária, em detrimento a qualidade de vida e que levou ao rompimento do fluxo social e a degradação de diversos pontos da capital mineira. As imagens publicadas aqui corroboram isso que se afirmou acima: a intervenção feita na Praça Rui Barbosa nos anos 50 e em alguns locais da capital (abertura de novas vias, alargamento de vias, diminuição de passeios, asfaltamento etc.), foram na verdade o embrião das grandes mudanças que se iniciaram de fato na década seguinte, quando Belo Horizonte se firmou como metrópole. A priorização de vias para os veículos motorizados passou a ser o “carro chefe” das políticas urbanas a partir dessa década, em detrimento aos outros serviços públicos. E a paisagem urbana sofreu profundas modificações a partir de então.
Termino com as palavras do filosofo e sociólogo Walter Benjamin: “a memória não é um instrumento para a exploração do passado, é, antes, o meio. É o meio onde se deu a vivência, assim como o solo é o meio no qual as antigas cidades estão soterradas”.


Obras para a ligação das Avenidas do Contorno e dos Andradas.
Fonte: APCBH/ASCOM


Praça Rui Barbosa e Avenida dos Andradas em 2009, já alargada com a construção do Boulevard Arrudas.
Fonte: Google Street View


Área em que se realizou a intervenção na década de 50/60.
Fonte: Google Earth

Imagem de Satélite de Belo Horizonte em 1956.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP; 1997.

A imagem acima foi tirada no ano de 1956 pelos Serviços Aerofotogramétricos Cruzeiro do Sul na escala 1:25000 para a recém fundada Companhia Energética de Minas Gerais para fins de planejamento. Na imagem destacam-se grande parte da Zona Urbana de Belo Horizonte (trecho compreendido dentro da Avenida do Contorno) e grande parte das zonas leste e sul, sendo que esta ultima ainda se encontrava em um lento processo de expansão devido a precariedade dos acessos a região e a irregularidade do relevo, visto que suas terras compreendem grande parte das cabeceiras dos córregos que nascem nas vertentes da Serra do Curral e que atravessam a região central de Belo Horizonte.
Dois desses córregos estão sinalizados na imagem: o córrego do Leitão à esquerda e o córrego do Acaba Mundo à direita. É notável a retificação e a canalização desses cursos d’água dentro do perímetro da Avenida do Contorno, moldados conforme a Planta da capital. Já o trecho atravessado por eles na Zona Suburbana a canalização foi realizada somente nos anos 60/70 quando se dá a grande expansão urbana para o sul da capital mineira, ocupadas principalmente pelas classes mais abastadas que fugiam da iminente congestão urbana da região central de Belo Horizonte. Ainda na Zona Suburbana está destacado o curso do córrego do Pastinho que se encontrava canalizado nessa época até a Rua Manhumirim. É importante ressaltar que os três cursos d’água em questão foram retificados em canal a céu aberto, sendo cobertos somente nos anos seguintes.
O Ribeirão Arrudas também se encontrava canalizado somente na Zona Urbana, o trecho atravessado por ele fora do perímetro da Contorno nessa época ainda estava em grande parte no seu leito natural. Na imagem pode-se ver que as suas margens estavam ocupadas apenas por algumas cafuas pertencentes a Favela do Perrella, a beira da Avenida do Contorno. As Favelas União (Ilha do Urubu), Baiana, Gógó da Ema e Cardoso ainda não haviam se estabelecido as margens do Arrudas nessa época.
Na região central da capital a verticalização é notável na imagem, consolidada nessa década de 50 com o inicio da construção dos grandes conjuntos habitacionais. A ocupação urbana dentro dos limites da Contorno na década de 50 já estava quase concluída, apenas a região do bairro Santo Agostinho, na margem esquerda do Leitão ainda estava por ser urbanizada. Na zona suburbana, no que diz respeito a ocupação urbana nessa década ainda não haviam sido ocupadas as áreas mais próximas das nascentes dos córregos do Gentio (Anchieta e Comiteco) e Mangabeiras. Essas terras foram loteadas e urbanizadas na década seguinte, nos terrenos cedidos para a FERROBEL, mineradora que se instalou na Serra do Curral em 1961. O vazio existente nessas áreas e nas terras posteriormente ocupadas pelo Morro do Papagaio e cortada pela BR-3 é marcante e corrobora o que já foi exposto até agora: o vertiginoso crescimento da capital para as regiões norte e oeste proporcionado pela baixa declividade do relevo, necessidade de preservação das nascentes do Complexo da Serra do Curral além da especulação imobiliária que, aliada ao Poder Público reservou as terras mais altas para a população de maior poder aquisitivo.

Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

gif maker Córrego do Acaba Mundo 1928/APM - By Belisa Murta/Micrópolis