Residência do Engenheiro Chefe da CCNC Aarão Reis no atual Parque Municipal.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Em Dezembro de 1893 Belo Horizonte foi escolhida como a futura sede da nova capital de Minas Gerais. A festa foi grande no arraial, pois grande parte da população almejava a sua escolha. Mas após a festa veio o temor: qual o destino que teria o afortunado arraial? O que aconteceria às propriedades dos belorizontinos? Essas perguntas foram respondidas somente em 1894 com o decreto do governo desapropriando todos os imóveis dentro da zona destinada a nova capital. O arraial, espelho de uma sociedade rural que predominava em quase todo o Brasil estava condenado ao desaparecimento.
Em seu livro Belo Horizonte, Memória Histórica e Descritiva Abílio Barreto p.71 Vol.2, testemunha ocular do surgimento da nova capital afirma que o Padre Francisco Martins dias ouviu do engenheiro chefe Aarão Reis que “não queria nenhum dos antigos habitantes de Belo Horizonte dentro da área urbana ou suburbana traçada para a nova cidade, e que tratasse o povo de ir se retirando”. Diante da afirmação acima se deve compreender que não era, de interesse algum a conservação do núcleo central do arraial do Curral Del Rey pela CCNC, pois a sua conservação ia contra o pensamento vigente na época, da construção de uma cidade moderna, planejada nos moldes do pensamento positivista da época, ao contrário do antigo Curral Del Rey que apresentava um traçado irregular, típico das vilas e arraiais surgidos no período colonial. E como não era de interesse manter a população local dentro da área delimitada era necessário a total demolição do arraial para que essa população perdesse toda a identificação com o local, retirando-se então para áreas mais afastadas. Grande parte dos curralenses, após a desapropriação de suas casas mudou-se para regiões mais afastadas do centro do arraial como o Calafate, Cardoso e Venda Nova. Devemos lembrar que alguns dos antigos moradores permaneceram na nova capital, permutando suas antigas residências por lotes nas imediações de suas antigas propriedades. Na sua maioria os que permaneceram tinham influências políticas, diversas propriedades no antigo arraial ou mesmo contratos para o fornecimento de equipamentos e viveres para a CCNC. Seus nomes figuram entre os proprietários das primeiras residências e casas comerciais na nova capital.
Em Março de 1894 iniciaram-se as obras de construção da nova capital. Juntamente com os estudos preliminares fez-se um estudo mais detalhado da localidade, surgindo em 1895 à planta definitiva do que viria a ser a nova capital.

Parte da Planta do Arraial de Belo Horizonte onde vemos sinalizados em vermelho as casas e os terrenos desapropriados pela CCNC para a construção da capital.
Fonte: APCBH

Planta da cidade de Minas 1894.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Planta de Belo Horizonte 1895.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Analisando a planta percebe-se que Aarão Reis criou a cidade com duas malhas: as das ruas formando ângulos retos e as avenidas estrategicamente situadas, formando ângulos de 45º interagindo com as ruas. Essa interação tem, entre outras características evitar que sejam configuradas ruas em ziguezague, como o antigo Curral del Rey e as cidades surgidas no período colonial, que seguiam os traçados dos primeiros caminhos abertos. A Avenida Afonso Pena foi pensada como um eixo de passagem obrigatório para quem deseja ir de uma ponta a outra na cidade planejada. Observa-se também que a avenida segue cortando as curvas de nível do terreno ligando a parte baixa, na calha do Ribeirão Arrudas a parte alta, na época denominada morro do Cruzeiro, atual Praça Milton Campos. A Avenida do Contorno coloca-se como o limite do planejado, como um “muro imaginário” separando a zona urbana da zona suburbana, que também figura na planta e que apresenta ruas traçadas de acordo com a topografia e quarteirões irregulares, facilmente identificáveis em relação à zona planejada. Mais afastado ainda ficava a área destinada aos Sítios para o abastecimento da capital. Essas áreas vieram a ter uma atenção maior dos governantes nas primeiras décadas do Século XX, com a expansão da cidade para estas áreas.
O projeto dava maior importância à vista da Serra do Curral, que então podia ser observada de toda a cidade planejada e ela ficava nos seus limites, encaixada entre a serra e o vale do ribeirão Arrudas. Em suma: a planta buscava atender os ideais positivistas e progressistas presentes na nascente republica e esses ideais estão representados em Belo Horizonte. Um espaço urbano organizado geometricamente, hierarquizado e com funções sociais e administrativas bem definidas e delimitadas. Um espaço que não tinha por objetivo harmonizar com o que já existia anteriormente. “O projeto de Aarão Reis é minucioso, sofisticado, segregacionista e elitista. O plano da cidade determina o espaço a ser ocupado tanto pelas atividades (habitat, trabalho, lazer e administração pública, por exemplo) quanto pelas classes sociais, preservando e isolando as de maior poder aquisitivo.” (BH Verso e Reverso)

Construção do bairro Funcionários e da Praça da Liberdade.
Fonte: BARRETO, Abílio. Belo Horizonte: Memória Histórica e Descritiva, 1996.

O arraial do Curral del Rey foi sendo demolido aos poucos, pois as casas ainda estavam ocupadas por pessoas ligadas a CCNC e as ultimas casas pertencentes ao arraial foram demolidas somente nos primeiros anos do Século XX. Existem diversas fotografias da época que mostra a interação, ainda que desordenada entre as casas remanescentes do arraial e as novas construções da nova capital. É o antigo, o rústico dando lugar ao moderno, imponente e inquestionável.

A nova capital em fase final de construção onde se vê, em meio as novas construções as velhas casas e a Matriz do Curral del Rey.
Fonte: BARRETO, Abílio. Belo Horizonte: Memória Histórica e Descritiva, 1996.

A Matriz da Boa Viagem tinha sido poupada, inserida no traçado urbano da nova capital como um remanescente do antigo arraial que ali existira anteriormente. De acordo com Abílio Barreto, mesmo com a autorização da Igreja para a demolição dos templos existentes no arraial (a Capela de Santana já havia sido demolida em 1894 e a Capela do Rosário foi demolida em 1897 para a abertura da Avenida Álvares Cabral e a Rua Guajajaras) a Matriz da Boa Viagem foi poupada, pois “a importância tradicional daquele templo se impunha tão eloquentemente que a Comissão Construtora, de acordo com o Governo, julgou de melhor aviso conciliar o traçado da capital com a conservação da Matriz (...) Desde então, nem o Governo, nem a Comissão, pensou mais em demoli-la”.
O Padre Francisco Martins Dias registrou suas impressões ao ver a lenta destruição do arraial, “Belo Horizonte é hoje um contraste de velharias e novidades: ao pé de uma cafua de barro, coberta de capim ou zinco, eleva-se um edifício velho do Curral Del Rey, surge um primoroso palacete da Nova Capital; junto de uma estreita e pobre rua, formada de casas e choupanas de todos os tons e categorias, que atestam a modéstia ou pobreza dos antigos habitantes do Curral, estira-se, desafrontada, larga e extensa rua da nova cidade. Mas essas cafuas, essas velhas casas e essas ruas irregulares do Curral vão desaparecendo, pouco a pouco, ao passo que, como que por encanto, surgem outras novas.”
Finalmente em 12 de Dezembro de 1897, ainda com diversas obras sendo realizadas por toda parte é inaugurada a capital, tão sonhada e arquitetada para ser o símbolo da modernidade no Brasil republicano. No dia 13 de Dezembro foi extinta a Comissão Construtora da Nova Capital e em 29 de Dezembro, foi nomeado o primeiro prefeito da Cidade de Minas, Adalberto Ferraz.

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