Fonte: Elaborado pelo Autor

Encontra-se disponível para consulta e download a dissertação "Do convívio à ruptura: a cartografia na análise histórico-fluvial de Belo Horizonte (1894/1977)", elaborada e defendida por mim no mês de março de 2019 sob orientação do Professor José Flávio Morais Castro, no Programa de Pós-Graduação em Geografia - Tratamento da Informação Espacial da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PPGG-TIE PUC Minas).

Abaixo o resumo do trabalho realizado e os links de acesso:

Resumo

A presente pesquisa aborda a relação entre a evolução urbana da cidade de Belo Horizonte e as intervenções na rede hidrográfica entre os anos de 1894 e 1977. Nesse contexto, a abordagem da pesquisa foi trabalhada através da Geografia Histórica, possibilitando dessa forma a realização de uma contextualização geohistórica da ocupação do sítio que veio a receber a nova capital de Minas Gerais. Para isso, foi necessário o levantamento de documentos sob a guarda do Arquivo Público Mineiro, Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte e Museu Histórico Abílio Barreto, além de bases disponibilizadas pela Secretaria Municipal de Política Urbana e Secretaria Municipal de Planejamento, que possibilitaram a análise e vetorização da cartografia histórica compreendida entre os anos de 1734 e 1893 e a elaboração e análises dos mapas entre os anos de 1895 e 1977. Os estudos permitiram a reconstrução de paisagens do passado, anteriores a chegada da Comissão Construtora da Nova Capital, a recuperação dos topônimos dos cursos d’água analisados, a delimitação de terrenos desapropriados no ano de 1894 para a construção da capital de Minas e das intervenções na rede hidrográfica ao longo do desenvolvimento urbano de Belo Horizonte, a partir da criação de um banco de bases vetoriais da rede hidrográfica dos seis períodos de desenvolvimento urbano da cidade, onde os períodos de evolução urbana mostraram que as obras de canalização dos cursos d’água não acompanharam a evolução do tecido urbano.

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Perspectiva oeste da Serra do Curral e da Lagoa Seca.
Acervo Alessandro Borsagli

     Encerrando a primeira parte da série "Paisagens Pretéritas", publico hoje uma imagem encontrada, identificada e adquirida por mim no ano de 2017 de um colecionador na Áustria, resultado dos benefícios da era digital e da ampla acessibilidade a documentos e imagens, ainda que a revolução da comunicação tenha dado "voz" e "visibilidade" a muitos imbecis espalhados pelo planeta. A imagem, até o presente momento, é a única que mostra a Lagoa Seca em toda sua plenitude.
       
     A identificação se deu a partir da cartografia (histórica) elaborada pela Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) no ano de 1894, um material riquíssimo de informações representadas de maneira minuciosa pela comissão, uma vez que as divisões e seções realizaram um trabalho minucioso no sítio escolhido para a construção da nova capital. Nesse sentido, entre estudos de captação de água, topografia, geodesia e dos locais que receberiam equipamentos e infraestrutura para inúmeras finalidades, a malha ortogonal da nova capital acabou sendo concebida sobre uma porção do sítio localizado a uma distância considerável da Lagoa Seca, que se encontrava em terrenos devolutos e próxima à divisa das fazendas do Capão e do Cercadinho.

         Parte do "Mapa Geológico do Quadrilátero Ferrífero" elaborado por Dorr (1969), na porção           referente a parte do município de Belo Horizonte. Detalhe para a região da Lagoa Seca (3), 
      na porção correspondente ao Grupo Itabira, e para os contatos geológicos compreendidos 
      entre o talvegue do ribeirão Arrudas e a porção centro-sul da capital.
     
     A Lagoa Seca (C), um lago cárstico que se localizava entre a Serra do Curral, no trecho correspondente aos depósitos dolomíticos do Grupo Itabira, próximos às cabeceiras do Acaba Mundo, Leitão e Cercadinho, foi descrita um ano antes da chegada da CCNC ao arraial de Belo Horizonte por Samuel Gomes Pereira, engenheiro responsável pelos estudos realizados pela "Comissão de Estudos das Localidades Indicadas para a Nova Capital" no primeiro trimestre de 1893. De acordo com o engenheiro:

A Lagoa Seca é formada por uma grande depressão do terreno de forma mais ou menos elíptica, cujo fundo é de rocha, assim como as paredes que a circundam, de modo a formar um verdadeiro depósito, onde a água chega a atingir a profundidade de dois metros. O escoamento se faz completo pelas cabeceiras do córrego do Leitão, circunstancia pela qual se deu o nome de Lagoa Seca. Um açude de duzentos metros de comprimento e dois de altura, impedindo o esgoto da lagoa, daria lugar a formação de um grande tanque, o qual se poderia aproveitar com vantagem para a piscicultura (...). Às margens da Lagoa Seca estende-se vasta planície de boas terras, muito própria para a cultura de todas as plantas da zona temperada e que poderia ser aproveitada para a fundação de uma colônia. Consta-nos que o Sr. P. Michéa com este intuito requereu ao Governo do Estado a concessão de grande extensão de terrenos devolutos, nos quais estão incluídos a Vargem Grande e a Lagoa Seca, conforme verificamos pelos marcos levantados por este engenheiro na medição que fez dos terrenos que requereu, onde encontramos grande extensão de terreno roçado e um lindo viveiro de parreiras. A leste da lagoa serpenteia um pequeno córrego ao lado do viveiro e água para abastecimento da colônia não faltará, desde que se conduza para aquele ponto as águas do Capão da Posse, para que o bastará desobstruir o rego que abriu antigamente a Companhia do Morro Velho, com o intuito de leva-lo até as suas minas. (MINAS GERAES, 1893, p.27)

     O relatório apresentado pelo engenheiro a respeito da Lagoa Seca fornece importantes observações sobre a lagoa e as terras adjacentes, ao cogitar o seu aproveitamento para a produção de víveres, certamente influenciado pelo Sr. Paul Michéa, médico e botânico francês que havia realizado no período um requerimento ao Estado para concessão dos terrenos devolutos da Lagoa Seca, com a finalidade da produção de víveres de clima temperado. Para saber mais sobre o período, recomendo a leitura dos livros "Rios Invisíveis da Metrópole Mineira", "Sob a sombra do Curral del Rey" e "Arraial de Bello Horizonte", publicações que contém as informações acima e outras sobre as primeiras impressões sobre o arraial e o seu entorno.

     Nesse contexto, a imagem acima, feita de um ponto da Serra do Curral próximo a antiga estrada entre o Curral del Rey e Congonhas de Sabará (Nova Lima), um dos indícios que permitem a datação aproximada da imagem, visto que a estrada foi gradativamente abandonada até a primeira metade da década de 1920 (ler o livro Sob a Sombra do Curral del Rey), é possível visualizar ainda o local do marco geodésico "Ponta" (A), a Serra da Mutuca (B) e o Pico José Vieira (D) então o ponto mais alto do município de Belo Horizonte. Destacam-se ainda as cabeceiras do córrego das Mangabeiras e do córrego do Acaba Mundo, além das marcas da mineração no sopé da serra e a sede da mina.

     Com essa imagem, já publicada em livros e em minha dissertação de mestrado que aborda a relação entre a evolução urbana de Belo Horizonte e a rede hidrográfica, fecho a primeira série de postagens intitulada "Paisagens Pretéritas". As imagens, todas relacionadas a região centro-sul de Belo Horizonte, são o prefácio para o lançamento do livro "Arraial de Bello Horizonte: a ruralidade da nova capital de Minas", que nos próximos dias será disponibilizado gratuitamente em meio digital e vendido a preço de custo na versão impressa.

     



     A partir de agora, o Curral del Rey também está no Instagram trazendo mais imagens antigas e atuais da capital mineira, além de novidades e curiosidades sobre todo o processo de desenvolvimento urbano de Belo Horizonte, confira!

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Avenida Prudente de Morais, 1971.
APCBH acervo Sudecap


     Dentro da série "Paisagens Pretéritas", hoje publico uma imagem da abertura da Avenida Prudente de Morais no ano de 1971, perspectiva centro/bairro, no trecho próximo a Rua Antônio Dias. A Avenida, aberta sobre o córrego do Leitão, havia sido projetada na década de 1920, mas as obras de abertura se iniciaram na segunda metade da década de 1960, sendo executadas em duas partes: a primeira parte consistiu na cobertura do Leitão entre a Avenida do Contorno e Rua Joaquim Murtinho, e a segunda parte consistiu na cobertura do curso d'água entre a Rua Joaquim Murtinho e a barragem Santa Lúcia.
     
     A abertura erradicou a Favela da Alvorada, que ocupava as margens do curso d'água desde a década de 1950, ao mesmo tempo em que cobriu grande parte do Leitão à montante da Avenida do Contorno, ressaltando que no período o curso d'água era simultaneamente coberto na zona urbana planejada. Observa-se ainda na imagem parte dos bairros Coração de Jesus e Luxemburgo, que se encontravam em franca urbanização, e ao fundo o Mosteiro Nossa Senhora das Graças e a Casa Santíssima Trindade. Mais ao fundo destaca-se ainda uma parte da linha de cumeada correspondente ao interflúvio Leitão/Piteiras onde se abriu a Avenida Raja Gabaglia anos mais tarde.

     O córrego do Leitão, quando da chegada da Comissão Construtora da Nova Capital ao arraial de Belo Horizonte, no ano de 1894, dividia as fazendas do Capão e do Leitão, propriedades rurais que guardavam as suas cabeceiras e grande parte das terras que formavam a sua bacia. O curso d'água, coberto e esquecido por muitos sob o "asfalto do progresso", assim como outros importantes elementos de referência geográfica na paisagem da nova capital, profundamente modificada ao longo dos cento e vinte e dois anos de aterramentos, terraplenagens, esgoto, concreto e asfalto, ainda habita o pensamento de muitos dos novos curralenses (aonde, nos meus quase 40 anos de existência me incluo, por ter sido durante mais de três décadas um barranqueiro da margem leste), que buscam em suas memórias e lembranças ou nas memórias dos acervos e dos antepassados que um dia conheceram, se banharam e se hidrataram em suas águas a compreensão da importância em que o Leitão, um topônimo importante que guarda a última reminiscência curralense na paisagem urbana, possuía e possui no processo de invenção e consolidação da urbe belorizontina.        

Perspectiva de parte dos bairros Santa Lúcia e Belvedere, ao fundo o vale do córrego do
Cercadinho, segunda metade da década de 1970*.
APCBH acervo SUDECAP

      Dentro da série "Paisagens Pretéritas", a imagem acima remete à segunda metade da década de 1970 e corresponde ao período em que a Avenida Raja Gabaglia era concluída, ao mesmo tempo em que o tecido urbano se encontrava em franca expansão para o sul e para as cabeceiras do córrego do Cercadinho.

       A partir da perspectiva obtida pelo fotógrafo, o vale do córrego do Cercadinho e a sua mata ciliar se destacam na imagem em meio ao bairro Palmeiras e as embrionárias obras de abertura do bairro Buritis e Estoril, destacando-se ainda a estrutura da Mendes Júnior, que atualmente abriga um centro universitário. Em primeiro plano, observa-se parte dos bairros Santa Lúcia e Belvedere e as grandes movimentações de terra oriundas do processo de urbanização.

      Nesse contexto de expansão urbana e abertura e duplicação de vias, gostaria de destacar a Lagoa Seca, um lago cárstico que nesse período já havia desaparecido da paisagem (urbana), restando apenas parte do seu traçado, ressaltando que nos períodos chuvosos, o lago atingia a profundidade de até dois metros, como observado por Samuel Gomes Pereira (1893) em seus estudos sobre o sítio do arraial de Belo Horizonte.

     De maneira parcial, é possível visualizar no canto inferior esquerdo da imagem parte do seu leito, entre a Rua Jornalista Djalma Andrade (via aberta na década de 1960 que conectava a Mina de Águas Claras e a BR-3) e a estrada para Nova Lima. À direita, próximo ao limite entre a lagoa e o bairro Belvedere, é possível observar os restos da antiga estrada entre o Curral del Rey e a região da Mutuca, até esse momento preservados graças a tardia urbanização da região, que se encontrava inserida nos terrenos devolutos pertencentes ao Estado no ano de 1894.

* Data atribuída a partir das informações contidas no acervo da Sudecap.

Perspectiva bairro/centro da Avenida Raja Gabaglia.
APCBH acervo SUDECAP


    Apesar de nos encontramos em um momento onde a educação e a pesquisa vem sofrendo ataques e cortes constantes (entre altos e baixos a educação, obviamente, nunca foi prioridade de nenhum político ou facção nas últimas três décadas), publico hoje, dentro da série "paisagens pretéritas" e por acreditar que somente pela educação e pela disseminação e transmissão do conhecimento podemos construir um futuro melhor para as próximas gerações, (ressaltando que o professor e pesquisador que vos escreve e todo o trabalho publicado nesses nove anos de blog são frutos de mais de uma década de pesquisa e de aprendizado acadêmico, entre outras coisas), uma imagem que apresenta a perspectiva norte da Avenida Raja Gabaglia na segunda metade da década de 1970.
      
      A perspectiva, obtida do local próximo ao interflúvio Leitão/Cercadinho, apresenta uma via recém inaugurada em meio às grandes movimentações de terra, ruas de terra e os metros iniciais asfaltados da Avenida Barão Homem de Melo, importante via que já se encontrava em projeto e construída na década de 1980. Destaca-se ainda a perspectiva da metrópole e toda a sua verticalização que já se encontrava em franca expansão para os bairros localizados fora da Avenida do Contorno.
      
        Nesse contexto, é importante ressaltar que a Avenida Barão Homem de Melo, em quase toda sua extensão, foi aberta no talvegue do córrego Chácara, um afluente do córrego das Piteiras e que se encontrava em grande parte inserido nas terras da Fazenda do Cercadinho, desapropriada no ano de 1894 pela CCNC. Ou seja, a linha de cumeada de parte da Avenida Raja Gabaglia corresponde a antiga divisa das Fazendas Cercadinho e Leitão, fatos que serão abordados nas duas próximas publicações e no livro que será disponibilizado nas próximas semanas. 

      Gostaria ainda de observar, um pouco fora de contexto, que muitas das imagens antigas de Belo Horizonte e suas perspectivas são carregadas de significados políticos, sociais e econômicos, ainda que a maciça contemplação das paisagens pretéritas na atualidade contribua para encobrir, ainda que parcialmente, os verdadeiros significados e os contextos para o qual a imagem foi produzida. 

Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

gif maker Córrego do Acaba Mundo 1928/APM - By Belisa Murta/Micrópolis