“Durante muito tempo a gloria da capital era ser a “cidade jardim”. Mas agora... no jardim que era gigantes troncos de concreto armado surgiram e, quando formos um milhão, esses troncos estarão multiplicados. Os jardins centrais que temos já estarão sacrificados pelo holocausto do progresso”. (Trecho do Diário de Minas em 1956, fazendo uma projeção de como seria Belo Horizonte em 1966)*.

O Prefeito Oswaldo Pieruccetti e autoridades observam as cabeceiras do Córrego do Gentio na Serra do Curral em 1966. Posteriormente o local foi loteado e os terrenos vendidos às camadas mais abastadas da capital, que iniciava a "fuga" da região central, que então passava por uma nova requalificação desencadeada pela congestão urbana. 
Fonte: APCBH/ASCOM   

Em 1960 Belo Horizonte já era um grande centro econômico e demográfico. O fortalecimento da economia mineira na década de 50, em particular a economia belorizontina, financiada em grande parte pelo Estado proporcionou o inicio do processo de metropolização, ao mesmo tempo em que se iniciava a construção de Brasília, que proporcionou a expansão para o oeste do Brasil. Durante toda a década de 50 a capital mineira recebeu imigrantes de diversas partes do estado e mesmo de outros estados, que procuravam melhores condições de vida e de infraestrutura. De 352.000 habitantes em 1950 Belo Horizonte registrava em 1960 uma população de 693.000 habitantes, um aumento de quase 100% em apenas uma década. A cidade crescia, a população crescia, a verticalização era uma incomoda realidade, mas os investimentos em infraestrutura urbana ficaram praticamente estagnados durante a década de 50 e as consequências dessa falta de investimento foi sentida durante toda a década seguinte. Após a Revolução de 1964 o Estado passou a receber um grande volume de capital do Governo Federal, devido à postura decisiva tomada por ele quando do golpe. Esse fator aliado aos incentivos fiscais proporcionados pelo Estado fez com que inúmeras indústrias se instalassem nos arredores da capital mineira, nas direções norte e oeste, regiões propicias para tal ocupação e principalmente, para a expansão urbana, pois essas regiões eram supridas tanto de estradas municipais federais quanto de vias arteriais.
Desde a segunda metade da década de 40 a capital já se destacava no cenário nacional como um notável centro urbano que expandia ano após ano sua influência no âmbito regional e estadual. A Cidade Industrial foi a principal responsável por essa expansão, visto que indústrias de vários segmentos, entre elas a siderúrgica se concentraram ao redor da capital mineira, estrategicamente situada nas bordas do Quadrilátero Ferrífero.

Cidade Industrial e Avenida Amazonas na década de 60.
Fonte: Acervo IBGE

Parte da capital mineira desde o bairro Califórnia. Abaixo o Anel Rodoviário.
Fonte: Acervo IBGE

     A verticalização da região central foi marcada nesta década com os grandes edifícios comerciais e os condomínios residenciais, cuja construção foi impulsionada pelo continuo fluxo populacional que vinha do interior do Estado. Pode-se citar como exemplos os Condomínios Pilar e Raposo Tavares, ambos na Avenida Afonso Pena além dos inúmeros edifícios residenciais que levaram a região central a apresentar uma congestão urbana ainda nessa década. Para piorar a situação as linhas de ônibus que aumentavam ano após ano tinham os seus pontos finais nas ruas próximas à Avenida Afonso Pena, contribuindo para a piora da qualidade de vida e principalmente, para a mobilidade urbana. A verticalização desenfreada nesse período extinguiu a grande maioria dos sobrados comerciais e residenciais que ainda resistiam ao acentuado crescimento urbano da capital. Belo Horizonte havia se tornado um enorme canteiro de obras, espalhadas por todos os cantos.


Região central em 1962.
Fonte: APCBH Coleção José Góes

O Prefeito em visita ao local do antigo abrigo de bondes da Avenida Afonso Pena. Nessa imagem pode-se visualizar a construção de três edifícios situados na Rua Tupis, além do desaparecimento do Palácio Hotel, onde se construiu anos mais tarde o Othon Palace.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Avenida Afonso Pena e parte da Praça Sete e Rua Rio de Janeiro em 1961.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Ponto final da linha para o bairro Santa Tereza em frente aos edifícios Sulacap e Sulamérica.
Fonte: Desconhecida

 Barracos às margens do Ribeirão Arrudas no bairro Carlos Prates, Avenida Tereza Cristina.
Fonte: APCBH/ASCOM

Favela do Perrella na década de 60.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Cafuas em local não identificado.
Fonte: APCBH/ASCOM

Favela do Pindura Saia em 1965, logo abaixo da caixa d'água do Cruzeiro.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Morro do Querosene em 1965. Ao fundo parte dos bairros Cidade Jardim e Santo Antônio.
Fonte: APCBH/ASCOM 

As obras para a melhoria da mobilidade urbana foram a marca da década de 60. Na primeira metade da década Belo Horizonte caminhava a passos largos para atingir a marca de um milhão de habitantes e ainda respirava ares interioranos, com ruas fartamente arborizadas e com largos canteiros centrais. Em prol da melhoria viária a arborização e os canteiros foram sendo sistematicamente removidos ao longo da década, principalmente na região central e bairros adjacentes, além do asfaltamento das vias que apresentavam um maior movimento nos horários de pico. O asfalto na verdade foi a força motriz das politicas urbanas dos anos 60 que viam nele a veia do progresso, assim como o automóvel também era (e ainda é) para a sociedade, pois tudo era feito em prol dos veículos movidos a combustão, tanto individuais quanto coletivos, em detrimento as formas alternativas de transporte, tais como o trem e o ônibus elétrico. O asfalto, o automóvel e os edifícios são os marcos da influência do modelo norte americano de cidade moderna, seguida fielmente pelas administrações belorizontinas, apesar da perda de qualidade de vida terem sido grandes, entre outras coisas.
A preocupação do Poder Público com a questão da mobilidade era tanta que a principal via arterial da capital, a Avenida Afonso Pena teve a sua arborização erradicada, os canteiros centrais diminuídos consideravelmente e a retirada do Obelisco em comemoração ao centenário da independência da Praça Sete, com a finalidade de se construir ai um monumento aos fundadores da capital mineira, também retirado pouco tempo depois para a desobstrução do transito na Avenida. O Obelisco foi transferido para o Museu Abílio Barreto e posteriormente para a Praça Diogo de Vasconcelos no bairro Funcionários, região que ainda não apresentava um trafego intenso, cuja centralidade só se consolidaria algumas décadas mais tarde. Pode-se ainda citar as avenidas Augusto de Lima e Bias Fores e a Rua São Paulo como outras vias da capital que viriam a sofrer grandes alterações em prol da mobilidade urbana.

 Rua Carijos no cruzamento com Avenida Paraná na década de 60.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Obras para a desobstrução da Avenida dos Andradas no inicio da década de 60. A obra tinha como finalidade estabelecer uma ligação viária da avenida com a Avenida do Contorno. A obra diminuiu consideravelmente a área da Praça Rui Barbosa, que antes fazia limite com o Ribeirão Arrudas.
                                        Fonte: APCBH/ASCOM 

O mesmo local no inicio das obras.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Asfaltamento da Avenida do Contorno no bairro Santo Agostinho.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Asfaltamento da Avenida João Pinheiro na segunda metade da década.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Avenida do Contorno e Viaduto da Floresta na mesma década.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Na primeira metade da década de 1960, devido aos constantes desastres que ocorriam na passagem dos caminhões¹² pela região central da capital¹³ realizou-se a abertura de um anel viário desde a BR-3 (BR 040), acima da Lagoa Seca até a BR-31 (BR 262), ainda em construção. Inaugurado em 1963 pelo Presidente João Goulart o Anel Rodoviário de Belo Horizonte proporcionou a ligação viária entre as rodovias responsáveis pela ligação viária dos três principais centros urbanos do país, além da ligação direta com a Cidade Industrial. Para o escoamento do minério de ferro explorado na Serra do Curral foi construído nessa década a construção do Ramal de Águas Claras até o desembocadouro do minério no Barreiro, no Ramal do Paraopeba.

Anel Rodoviário de Belo Horizonte, inaugurado em 1963.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Nessa mesma década foram iniciados os estudos para a abertura da Avenida Américo Vespúcio e alargamento da Rua Padre Pedro Pinto em Venda Nova. O adensamento das vertentes dos inúmeros córregos espalhados por toda a capital obrigou o Poder Público a abrir as Avenidas Sanitárias, com a finalidade da melhoria viária da região, cujo acesso na maioria das vezes era realizado por vias que não comportavam mais o crescente fluxo viário das diversas regiões. Os estudos realizados, em muitos casos cometeram os mesmos erros verificados nas gestões anteriores, no que diz respeito ao dimensionamento dos canais de drenagem da bacia e no adensamento das vertentes. Esse subdimensionamento da calha dos córregos que estão sob as Avenidas acarreta, até os dias de hoje inúmeros problemas nos períodos chuvosos, quando se transformam em verdadeiros rios devido ao grande escoamento das vertentes impermeabilizadas.
    Como se verá adiante, as grandes canalizações e cobertura dos cursos d’água foram empregadas na capital a partir dos anos 1960 devido à politica de mobilidade urbana que passou a priorizar os automóveis, além da poluição dos cursos d’água, muitos então convertidos em emissários. O Ribeirão Arrudas que sempre sofreu com o despejo dos detritos da capital desde as primeiras décadas do Século XX passara a receber uma grande quantidade de esgotos em suas águas, visto que os emissários não davam mais conta de todo o esgoto urbano. Nessa década foi selado o destino do Ribeirão, devido ao mau planejamento urbano de Belo Horizonte, entre outros fatores relevantes.
Na primeira metade da década iniciaram-se os trabalhos de supressão das passagens de nível que existiam ao longo do Ribeirão Arrudas. Para se ter ideia somente na região central da capital e mais próximas da Avenida do Contorno existiam 24 passagens de nível ao longo das linhas férreas que cortavam o tecido urbano, sendo que a maioria apresentava apenas como sinalização a "Cruz de Santo André". Daí pode-se imaginar o quanto eram frequentes os acidentes dentro do perímetro de Belo Horizonte, que já apresentava um intenso fluxo viário. É bom ressaltar que grande parte dos acidentes eram causados pela imprudência dos motoristas e pedestres que se arriscavam em atravessar a linha mesmo quando a passagem já se encontrava fechada pelas cancelas.
       Diante do caos iminente causados por essa "guerra" antes silenciosa, mas que havia atingido o seu ápice em 1960 o Prefeito Jorge Carone, em uma das suas primeiras realizações como Prefeito em 1963 inicia os trabalhos de remoção dos trilhos da Rede Mineira de Viação que atravessavam a região da Lagoinha, considerada a mais perigosa passagem de nível da capital, visto que era a principal ligação da região central com as Avenidas Pedro II e Antônio Carlos, e aos bairros adjacentes às avenidas, sendo que passou a se utilizar apenas os trilhos da EFCB de bitola mista ao longo da Avenida do Contorno até a altura da Estação Carlos Prates, pertencente a RMV, além da recomposição asfáltica das vias que abrigavam os trilhos, a Avenida Nossa Senhora de Fatima por exemplo, foi alargada e rebaixada após a remoção dos trilhos dos Bondes e posteriormente do Trem. Era o inicio da lenta supressão das passagens de nível da região central, finalizada com a construção às pressas dos Viadutos da Rodoviária no final da década, marcando o inicio da requalificação, com objetivos específicos da região da Lagoinha, que tem como principal marco a demolição da Praça Vaz de Melo na década seguinte. Nessa mesma década, visando desafogar o transito intenso da região da Lagoinha, foi construída uma ponte ligando o bairro a região central via Rua Curitiba, criando assim uma alternativa para se evitar os congestionamentos nos horários de pico.


 Avenida do Contorno na região da Lagoinha na década de 60, com os trilhos já unificados da EFCB e da R.M.V. ao longo do Ribeirão Arrudas.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Composição da Rede Mineira de Viação em passagem de nível na Lagoinha em 1960.
Fonte: Acervo Revista O Cruzeiro

Lagoinha e parte da região central na década de 60.
Fonte: Acervo pessoal do Arquiteto Paulo Campos Cristo


Obras de remoção dos trilhos da Lagoinha em 1963.
Fonte: APCBH/ASCOM 


O mesmo local pouco tempo antes do seu asfaltamento.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Inicio da Avenida Nossa Senhora de Fátima onde se vê o antigo leito da RMV.
Fonte: APCBH/ASCOM 

O mesmo local em obras para o alargamento e o rebaixamento da Avenida.
Fonte: APCBH/ASCOM 

No que diz respeito aos serviços de transporte publico a década de 1960 ficou marcada por grandes mudanças no sistema. Os trólebus, apontados na década anterior como a principal modalidade de transporte da capital foi sendo abandonado ao longo da década até ser suprimido em 1969. Os Bondes já eram considerados desde a década de 1940 um serviço de transporte complementar em relação aos trólebus e foi sendo, aos poucos suprimido com a retirada dos trilhos, primeiro na Rua da Bahia, ainda na década de 1950. Na virada da década era só uma questão de tempo a extinção dos Bondes, devido principalmente aos constantes prejuízos e a falta de passageiros regulares em suas viagens. O serviço estava tão precário que na linha do Santo Antônio só se fazia o trajeto completo através de baldeação com os trólebus. O sucateamento da frota, então reduzida a poucos carros cresceu vertiginosamente entre 1960 e 1963 quando, finalmente foi extinto o sistema. As linhas, quando da extinção dos serviços atendiam apenas alguns bairros das zonas nordeste e noroeste da capital que passaram a receber o atendimento dos auto-ônibus e lotações nas novas linhas criadas pelo Departamento Municipal de Bondes e Ônibus (DMBO ex DBO). A primeira metade da década de 1960 assistiu a consolidação do poderio dos concessionários das empresas responsáveis pelo transporte coletivo sobre o Poder Público, que culminou com a supressão dos trólebus em 1969, serviço que concorria com os ônibus coletivos e, indiretamente, com a alegação de ser antieconômico, extinguiu o Ramal do Matadouro que estava sob o controle da RFFSA e que atendia grande parte da região norte da capital. No mesmo período da supressão dos Bondes foi demolida a Oficina que atendia aos Bondes e Trólebus, consolidada na Avenida Olegário Maciel. O seu terreno foi posteriormente vendido e lá se construiu anos mais tarde o Mercado Novo.
    
 Avenida Afonso Pena e Praça Sete na década de 1960. É notável a diminuição do canteiro central visando a melhoria viária no ponto mais critico da capital no período.
Fonte: Acervo pessoal do Arquiteto Paulo Campos Cristo

 Ponto de ônibus nas proximidades da Praça da Estação.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997. 

 A propaganda maciça por parte dos Concessionários das empresas de ônibus foi uma característica marcante da década de 1960. Largamente utilizada, ela foi decisiva para a mudança da visão da população em relação ao transporte púbico, que passou a enxergar os Bondes e Trólebus como sinônimos de atraso.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997.  

 A Afonso Pena no cruzamento da Rua Tamoios nos anos 60.
Fonte: Acervo pessoal do Arquiteto Paulo Campos Cristo

 A mesma avenida em frente ao Parque Municipal sem o gradil.
Fonte: Acervo pessoal do Arquiteto Paulo Campos Cristo

 Os Bondes, sucateados desde a década de 50 trafegavam durante o horário comercial lotados, em detrimento à qualidade do transporte coletivo, visto nesse período como suplementar em relação aos Trólebus.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997.  
   
 O novo e o antigo se encontram na Praça da Estação em 1961.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997. 

 Bondes sucateados na Oficina da DBO em 1963, ano de sua extinção.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997.

Oficinas da DBO, demolida em 1964. No seu lugar foi construído anos mais tarde o Mercado Novo.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997. 

A década de 60, em particular o ano de 1963 foi marcado por uma das mais profundas transformações da paisagem urbana de Belo Horizonte: o corte dos Fícus da Avenida Afonso Pena, com a justificativa da melhoria do fluxo viário na região central e da extinção dos “tripés”, praga que acometia os Fícus desde o final da década de 1950. A arborização da Afonso Pena era a marca registrada da capital mineira e o seu desaparecimento da noite para o dia deixou marcas profundas na sociedade, que podem ser vistas até os dias atuais, nas lembranças dos moradores contemporâneos ao corte. A Avenida e suas arvores haviam sobrevivido praticamente intactas as transformações ocorridas no seu entorno durante a primeira metade do Século XX, mas não sobreviveriam ao processo de metropolização que passava a capital nesse período, responsável pelas mudanças na paisagem urbana que também sepultariam os principais cursos d’água da capital, como se verá adiante, em prol da mobilidade urbana, uma politica vigente até os dias atuais. As arvores da Praça Sete haviam sido removidas pouco tempo antes, para facilitar as instalações da rede elétrica que atendia aos trólebus que circundavam a Praça.


Parque Municipal e Avenida Afonso Pena em 1961.
Fonte: APCBH Coleção José Góes 

Corte dos Ficus da Avenida Afonso Pena em 1963. 
Fonte: Acervo Estado de Minas

Nessa mesma década, com a criação da Ferrobel² todas as terras delimitadas por uma extensa cerca que havia nas proximidades da Avenida Bandeirantes passaram a pertencer a essa Companhia, com a finalidade da expansão da exploração do minério de ferro ao longo dos anos. Porém, em 1966 foi criado o Parque das Mangabeiras nos terrenos onde a Ferrobel havia apenas iniciado a sua exploração. A companhia foi responsável pela profunda mudança no perfil da Serra do Curral, ao rebaixar uma parte da sua crista nos anos seguintes²¹.
Com esse Decreto, a Companhia entregou a iniciativa privada os terrenos de sua propriedade que se localizavam abaixo da Mina das Mangabeiras, com a finalidade de se criar um grande loteamento visando às classes mais abastadas da capital, que nesse momento procuravam fugir da iminente congestão urbana da região central e bairros adjacentes, como o bairro de Lourdes.


Serra do Curral vista desde às proximidades da Lagoa Seca. Ao fundo a área explorada pouco tempo depois pela Ferrobel.
Fonte: Acervo IBGE

O Prefeito Souza Lima em visita ao local onde se construiu a Praça do Papa, nas proximidades da Mina das Mangabeiras.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Em 1966 visando melhorar a comunicação viária entre o recém-criado bairro Mangabeiras e a zona urbana da capital teve inicio a expansão da avenida, primeiro com o encascalhamento do prolongamento iniciado em 1940 e posteriormente da finalização e asfaltamento da avenida até a Praça da Bandeira, inaugurada em 1966 e a construção da Praça Milton Campos, inaugurada em 1972. Essas intervenções realizadas pelo Poder Público também tinham como objetivo a urbanização das terras ocupadas pelo Pindura Saia e Vila Santa Isabel, que foram fragmentadas e praticamente extintas no período entre 1968 e 1975.

Avenida Afonso Pena em 1965.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Parte do prolongamento da Afonso Pena em 1966. À direita a Favela do Pindura Saia.
 Fonte: APCBH/ASCOM 

O mesmo prolongamento em 1966. À esquerda a caixa d'água do Cruzeiro.
Fonte: APCBH/ASCOM 

A ajuda financeira proveniente do Governo Federal após 1964 proporcionou a criação do projeto Nova BH 66, que tinha como objetivo melhorar a infraestrutura em toda a capital mineira, defasada devido ao acentuado crescimento desde a década de 1950. As principais realizações foram o asfaltamento e o alargamento de diversas vias publicas, a continuação das canalizações dos córregos da capital e o embelezamento das vias e praças, a cargo do Departamento de Parques e Jardins (D.P.J). É bom lembrar que grande parte dos recursos do projeto vinham do governo Federal. As obras visavam claramente a melhoria da mobilidade urbana (leia-se veículos motorizados), onde os canteiros centrais e os passeios foram diminuídos para o alargamento das ruas e avenidas. O pedestre, que antes tinha prioridade dentro da urbe foi perdendo espaço para os veículos a partir dessa década.
      O projeto foi praticamente abandonado na gestão seguinte devido a grave crise financeira que assolou a Prefeitura durante toda a década de 1960. Isso não impediu que algumas das obras do Nova BH 66 fossem finalizadas. Muitos córregos que foram canalizados e cobertos, muitos inclusive com verbas do Nova BH 66 passaram a servir exclusivamente para o transporte de esgotos até o ribeirão Arrudas. Foi a solução encontrada para se resolver hipoteticamente o problema sanitário da capital. Em outros locais, geralmente os mais afastados da região central não existiam serviços de coleta de esgotos e o abastecimento de água continuava precário, chegando mesmo a inexistir em diversas vilas e favelas.


 Obras do Nova BH 66 na Rua dos Tamoios.
Fonte: APCBH/ASCOM 


Inicio da abertura da futura Avenida Raja Gabaglia em 1967. Ao fundo a Favela do Querosene.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Canalização do córrego dos Pintos no bairro Gutierrez.
Fonte: APCBH/ASCOM 

     Durante toda a década as obras para a captação das águas do Rio das Velhas correu lentamente, chegando a ser interrompida por diversas vezes, ao mesmo tempo em que o problema do abastecimento de agua se agravava por toda a capital. Somente nos últimos anos da década é que se verifica uma sensível melhora no abastecimento, que ocorreu devido a um precário sistema de bombeamento sobre a Serra do Curral, visto que o túnel do Taquaril ainda se encontrava em construção e os outros mananciais que abasteciam a capital se encontravam sobrecarregados. A falta d’água ainda era uma incomoda realidade para a população belorizontina.
     A cidade sofreu a partir de 1965 os efeitos do novo projeto econômico do Governo Federal, o que gerou o segundo surto industrial no Estado. Já citado no inicio do artigo, essa nova onda se caracterizou pela ocupação industrial das cidades limítrofes com a capital, assim como a expansão urbana delas. A intervenção federal da segunda metade da década de 60, em parte viria a suprir a falta de investimentos maciços para a melhoria urbana da capital, que atingiria o seu primeiro milhão de habitantes ainda nessa década.


Construção da Estação de Tratamento de Água do Rio das Velhas.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Rua Padre Belchior e córrego do Leitão na década de 60.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Mercado Central de Belo Horizonte nos anos 60.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 O mesmo Mercado visto da Avenida Amazonas.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Obras de captação na Rua Além Paraíba. 
Fonte: APCBH/ASCOM 

Pavimentação da Avenida Pedro II, no cruzamento com Rua Mariana. 
Fonte: APCBH/ASCOM 

Rua Cláudio Manoel, no bairro Funcionários em 1965.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Construção da Praça São Vicente no bairro Padre Eustáquio. 
Fonte: APCBH/ASCOM 

Rua Vitorio Marçola, no cruzamento com a Rua Francisco Deslandes no bairro Anchieta. Sob a via atualmente encontra-se canalizado o córrego do Gentio.
Fonte: APCBH/ASCOM 

  A erradicação dos córregos da paisagem urbana*

É sabido que o desenvolvimento urbano cresceu significativamente em Belo Horizonte a partir da segunda metade da década de 40, ao mesmo tempo em que se acentuou a falta de infraestrutura por parte do Poder Público para dar suporte a esse crescimento. Diversos cursos d’água da capital sofriam com a poluição desde meados dos anos 20 e o adensamento das terras pertencentes a suas bacias aumentou ainda mais o problema. Os emissários de esgoto existentes não comportavam mais a quantidade de efluentes produzidos principalmente pelas residências e a solução era o despejo nos cursos d’água.
A partir da década de 50 Belo Horizonte tomou novos rumos. O processo de metropolização se consolidava e deu a capital um ritmo no qual grande parte da população não estava acostumada. A mudança espacial era visível e a verticalização iniciada na área central começava a se espalhar dentro do perímetro da Avenida do Contorno. Para se ter ideia Belo Horizonte entre as décadas de 50 e 70 teve um aumento populacional de cerca de 350 por cento, saltando de uma população de 352.000 habitantes no inicio da década de 1950 para cerca de 1.250.000 em 1970.  
Os problemas urbanos decorrentes desse processo surgiam ao mesmo tempo em que se acentuava a falta de investimentos em equipamentos urbanos destinados para dar suporte a esse crescimento. O número de veículos aumentara consideravelmente e as ruas e avenidas, antes arborizadas e calçadas foram sendo asfaltadas e alargadas com o corte das árvores para proporcionar a melhoria do fluxo viário, um dos principais objetivos das gestões municipais desde então. O saneamento básico se encontrava em disparidade em relação ao crescimento urbano desde a segunda metade da década de 50 devido a esse crescimento. Na década de 60 ele entrou em colapso. O esgoto transbordava pelas ruas, principalmente da região central, pois os emissários não davam conta da demanda.
No caso dos córregos do Acaba Mundo e do Leitão suas águas passaram a receber além dos esgotos citados detritos provenientes da ocupação desenfreadas das suas cabeceiras e lixo domestico, pois os serviços de coleta de lixo se encontravam a beira de um colapso apesar do aumento da frota destinada ao recolhimento deste a partir de 1965.
Para agravar ainda mais a situação as enchentes eram frequentes devido à impermeabilização do solo promovida pela urbanização nas bacias dos cursos d’água e pelo fato de muitos moradores de áreas ribeirinhas despejarem o lixo domestico nos cursos d’água. As águas que antes penetravam no solo agora corriam diretamente para os cursos d’água assoreados aumentando o seu volume e o seu poder de destruição, pois suas águas saiam da calha com frequência levando lama e sujeira para as ruas. No iminente caos urbano da década de 60 não havia mais lugar para os cursos d’água dentro da urbs.  
Diante disso na primeira metade da década de 60 o Poder Público toma a decisão de fechar os cursos d’água que atravessam a zona urbana compreendida dentro da Avenida do Contorno com a finalidade de melhorar o fluxo viário e a salubridade na região atravessada por eles³. Na visão do Poder Público a cobertura dos córregos resolveria rapidamente o problema da poluição³¹ além do embelezamento da paisagem com o alargamento das vias, úteis para a vida urbana. É necessário lembrar que os dois cursos d’água em questão atravessavam a zona sul da capital, ocupado em grande parte pelas camadas mais abastadas da sociedade belorizontina.
O primeiro curso d’água a ser fechado foi o Acaba Mundo em 1963. A cobertura do canal foi realizada ao longo da Rua Professor Morais e alargado desde a Avenida Afonso Pena até a altura do Parque Municipal. Na mesma década o córrego foi canalizado ao longo da BR-3, atual Avenida Nossa Senhora do Carmo.
Suas águas, que antes alimentavam os Lagos do Parque foram também canalizadas devido ao alto grau de poluição e os lagos passaram a ser abastecidos com águas provenientes do lençol subterrâneo. O córrego, inserido na paisagem urbana na década de 20 não resistiu ao crescimento urbano, cedendo espaço para a melhoria da mobilidade urbana e da qualidade de vida da população, no que diz respeito à saúde pública.

 Rua Professor Morais em 1963.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Trabalhos de alargamento do canal do córrego do Acaba Mundo em 1963 na Rua Professor Morais.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Inicio da cobertura do canal do Acaba Mundo.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Trabalhos de remoção da alvenaria do canal.
Fonte: APCBH/ASCOM  

Rua Professor Morais em 1963, em destaque a propaganda da gestão responsável pela cobertura do canal, no caso o Prefeito Jorge Carone.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Obras de alargamento do canal na Avenida Afonso Pena.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Confluência do córrego do Acaba Mundo com o córrego do Mendonça na Rua Pernambuco.
Fonte: APCBH/ASCOM 

Canalização do Acaba Mundo na Avenida Nossa Senhora do Carmo.
Fonte: APCBH/ASCOM 

O córrego do Leitão também apresentava um alto grau de poluição de suas águas. A porção da capital atravessada por ele apresentava na década de 60 um alto grau de urbanização ao mesmo tempo em que se tinha o inicio da ocupação sistemática das suas cabeceiras. O mau cheiro de suas águas e as constantes enchentes que levavam lama e lixo para as ruas eram motivos de reclamações constates da população, que passou a exigir uma solução rápida para o problema. A canalização era vista como a solução dos problemas gerados pelo córrego além de ser considerada como uma obra de embelezamento da capital, abalada com a perda do titulo de “Cidade Jardim” desde o corte das arvores da Avenida Afonso Pena em 1963. No final da década de 60 se tem o inicio das obras de fechamento e cobertura do córrego do Leitão desde a Rua São Paulo até a sua foz no ribeirão Arrudas. Paralelamente ao fechamento teve inicio em Julho de 1970 a canalização e cobertura do Leitão na zona suburbana para a abertura da Avenida Prudente de Morais. Essa obra visava melhorar o fluxo viário na região que expandia a largos passos além de erradicar da paisagem o curso d’água que havia se transformado em um esgoto a céu aberto, pois o aumento da ocupação das vertentes do córrego nas proximidades de suas cabeceiras desencadeou o lento processo de assoreamento que, nos períodos de chuva enlameava diversas ruas ao longo do seu curso.



 Canal do córrego do Leitão na Rua Mato Grosso em 1969.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 O córrego canalizado no bairro Cidade Jardim em 1970. Sobre ele foi aberta a Avenida Prudente de Morais.
Fonte: APCBH/ASCOM 

O córrego no cruzamento das Ruas Tupis e Mato Grosso. Ao fundo a confluência com o córrego da Barroca.
Fonte: APCBH/ASCOM  


O córrego do Leitão canalizado na Avenida Prudente de Morais.
Fonte: APCBH/ASCOM 

     Outros córregos que foram canalizados e cobertos na década de 1960 foram o córrego dos Pintos até as suas nascentes, localizadas no bairro Gutierrez, o córrego do Gentio no bairro Anchieta, o que proporcionou a abertura da Rua Francisco Deslandes e o prolongamento da Rua Vitorio Marçola. A canalização do córrego das Piteiras em 1966 proporcionou a abertura da Avenida Silva Lobo, uma alternativa para a melhoria do fluxo viário da Avenida Amazonas.


Inicio da canalização do córrego do Gentio na Rua Outono em 1965.
Fonte: APCBH/ASCOM  


Canalização do córrego do Gentio no bairro Carmo.
Fonte: APCBH/ASCOM 


Canalização do córrego do Gentio/Acaba Mundo na Rua Grão Mogol.
Fonte: APCBH/ASCOM 

 Canalização do córrego da Serra na Rua Palmira.
Fonte: APCBH/ASCOM 

O mesmo curso d'água no bairro Serra.
Fonte: APCBH/ASCOM        


Córrego dos Pintos no bairro Gutierrez.
Fonte: APCBH/ASCOM  

Ribeirão Arrudas no bairro Calafate.
Fonte: APCBH/ASCOM 

    A população da capital em 1970 era de 1.255.415 habitantes. Os ares interioranos e a conversa tranquila debaixo dos Ficus da Avenida Afonso Pena haviam deixado de fazer parte do cotidiano do belorizontino para integrar a historia da capital e o imaginário das gerações futuras. Tudo em nome do progresso, vislumbrado pelos representantes da municipalidade ainda nos primeiros anos da nova capital.
    A metropolização de Belo Horizonte a inseriu definitivamente no eixo Rio-São Paulo se caracterizando pela grande concentração de renda no município, um reflexo da política econômica do Estado Autoritário proporcionado principalmente pelas novas zonas industriais que se instalaram em seus limites, o que levou a expansão urbana para os municípios limítrofes e ao um novo boom populacional, culminando com a criação da Região Metropolitana em 1973.

Região central em 1970.
Fonte: BH Nostalgia  

Praça da Estação e adjacências no final da década de 60.
Fonte: BH Nostalgia 

Marca da resistência ao autoritarismo vigente em 1968: ônibus circulando pela região central de Belo Horizonte pichado por estudantes.
Fonte: OMNIBUS - uma historia dos transportes coletivos em Belo Horizonte; FJP. 1997. 



Trecho extraído do artigo Os córregos e a metrópole - a inserção no espaço urbano dos cursos d’água que atravessam a zona urbana de Belo Horizonte  de minha autoria e da Engenheira Fernanda Guerra Lima Medeiros.

Recomendo também a leitura do excelente artigo Os rios e a cidade: espaço, sociedade e políticas públicas em relação ao saneamento básico de Belo Horizonte 1964-1973, do historiador Yuri Mello Mesquita.


¹² Ainda hoje, infelizmente, ocorrem desastres de grandes proporções na Avenida Nossa Senhora do Carmo, parte da antiga BR-3 devido à imprudência e a teimosia dos motoristas que insistem em passar pela região centro sul da capital mineira com veículos inadequados para se trafegar nos centros urbanos. 

¹³ Existia uma casa residencial na Avenida do Contorno que, devido aos constantes desastres que aconteciam no final da BR-3 foi comprada pelo DNER.  

² Lei 898/61 de 30 de outubro de 1961 "AUTORIZA A ORGANIZAÇÃO DA FERRO DE BELO HORIZONTE S. A. - (FERROBEL) - SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA POR AÇÕES, DESTINADA A EXPLORAR, COMERCIAR E INDUSTRIALIZAR MINÉRIOS EM GERAL - BEM COMO A ABERTURA DE CRÉDITOS ESPECIAIS PARA O MESMO FIM E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS". A partir dai a história é bem conhecida pelos belorizontinos, basta olhar para a Serra do Curral na direção do Parque dos Mangabeiras...

²¹ Além da Mina das Mangabeiras a Ferrobel foi autorizada a explorar no mesmo período o local denominado “Mina do Cercadinho”, mais ou menos próxima a Faculdade Milton Campos. Porém, devido a pressão popular e de entidades preocupadas em preservar o Complexo da Serra do Curral a Mina não chegou a entrar em funcionamento.

³ A falta de conscientização da população naquele período era alarmante, os cursos d’água eram simplesmente tratados como deposito de lixo. As enchentes, frequentes nesse período, levava para as ruas todo o material depositado nos cursos d’água, aumentando ainda mais o desejo de ver os córregos erradicados da área urbana, na verdade era esconder o “problema” debaixo do tapete. E a população apoiou e aplaudiu o fechamento dos cursos d’água.

³¹ Junto com a poluição esperava-se também a erradicação das doenças causadas pela poluição dos córregos, como se lê no Relatório do Prefeito Sousa Lima em 1969: “Nas obras de canalização e esgotos está surgindo a solução para o problema sanitário de Belo Horizonte”. É necessário entender que foi na nessa gestão que o sistema de esgotos de Belo Horizonte entrou em colapso, transbordando em diversos pontos da capital.
“Íamos ao outro extremo da cidade – subindo ao Cruzeiro. Galgávamos o barranco onde terminava a Avenida Afonso Pena e ganhávamos o campo de futebol onde está hoje a Praça Milton Campos (ele, nesse tempo, não praça, não estatua, às vezes conosco). Do pé da torre de alta voltagem e da Cruz de madeira que vinha o apelido de logradouro – olhávamos a cidade. Víamos a Avenida Afonso Pena como a Campos Elíseos de cima dum Arco do Triunfo. Estéril, de moledo solferino e terra escarlate, sem calçamento e com as beiradas escavadas pela erosão das grandes chuvas que faziam sulcos caprichosos como negativos de cordas torcidas”. Pedro Nava em trecho do livro Beira Mar.

Praça Sete de Setembro em 1966 após a retirada do obelisco em comemoração ao centenário da Independência, com a justificativa da melhoria do fluxo viário. No seu lugar se construiu o monumento em homenagem aos fundadores da nova capital, retirado anos mais tarde para a desobstrução da avenida. 
Fonte: APCBH/ASCOM 

   A Avenida Afonso Pena configura-se dentro da zona urbana planejada de Belo Horizonte como a principal via arterial da região central da capital, responsável pelo deslocamento de grande parte do fluxo viário e populacional oriundo dos bairros limítrofes a Avenida do Contorno em direção à região central. Criada para ser a principal via dentro da zona urbana, responsável pela ligação das zonas sul e norte ela apresenta um traçado retilíneo, assim como as demais avenidas planejadas, porém apresenta uma largura de 50 metros, enquanto as outras avenidas foram abertas com 35 metros de largura. Aarão Reis, em seu relatório para a Presidência do Estado em 1895 deu uma posição de destaque à Avenida, como se pode ler abaixo no trecho extraído do livro Memoria Histórica, de Abílio Barreto: 

“Apenas a uma das avenidas – que corta a zona urbana de norte a sul, e que é destinada à ligação dos bairros opostos – dei a largura de 50 m, para constitui-la em centro obrigado da cidade e, assim, forçar a população, quanto possivel, a ir se desenvolvendo do centro para a periferia, como convem à economia municipal, à manutenção da higiene sanitaria e ao prosseguimento regular dos trabalhos tecnicos”

    Ao se analisar a planta da nova capital percebe-se que Aarão Reis criou a cidade com duas malhas: as das ruas formando ângulos retos e as avenidas estrategicamente situadas, formando ângulos de 45º interagindo com as ruas¹. Essa interação tem, entre outras características evitar que sejam configuradas ruas em ziguezague, como o antigo Curral del Rey e as cidades surgidas no período colonial, que seguiam os traçados dos primeiros caminhos abertos. A Avenida Afonso Pena foi pensada como um eixo de passagem obrigatório para quem deseja ir de uma ponta a outra na cidade planejada. Observa-se também que a avenida segue cortando as curvas de nível do terreno ligando a parte baixa, na calha do Ribeirão Arrudas a parte alta, na época denominada Morro do Cruzeiro², atual Praça Milton Campos. A Avenida do Contorno apresenta-se como o limite da zona planejada, um “muro imaginário” separando a zona urbana da zona suburbana.

A Avenida Afonso Pena logo após a inauguração da capital, em frente ao Parque Municipal. 
Fonte: BARRETO, Abílio. Belo Horizonte: Memória Histórica e Descritiva Vol.2; FJP, 1997. 

    Nas duas primeiras décadas de existência da capital mineira a Avenida Afonso e a Rua da Bahia consolidaram-se como o principal espaço de articulação urbana da capital. Eram nessas vias, calçadas somente no final da década de 1900 que se davam o maior fluxo de pessoas e de veiculos, motorizados ou não de Belo Horizonte. Estas vias, mais os trechos compreendidos na Rua da Bahia entre Timbiras e Afonso Pena, Espirito Santo entre Afonso Pena e Avenida do Comércio, Afonso Pena entre as Ruas da Bahia e Espirito Santo, e por toda a Rua dos Caetés abrigavam grande parte das casas comerciais da nova capital e diversas residencias, muitas delas pertencentes aos funcionarios da administração vindos de Ouro Preto. A avenida, nos seus primeiros anos havia sido aberta desde o antigo Mercado até o cruzamento da Avenida Brasil. A partir daí ela se convertia em um caminho de terra que levava ao antigo Cruzeiro. Posteriormente ela foi estendida até o cruzamento da Avenida Paraúna, bem proxima ao Cruzeiro, ponto final da avenida segundo a Planta de 1895.

Avenida Afonso Pena no centro da Planta de 1895. 
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Parte do local onde seria construída a nova Matriz, no final da Avenida Afonso Pena (Praça do Cruzeiro). 
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Avenida Afonso Pena em 1902, aberta até o cruzamento da Avenida Brasil. Abaixo o córrego do Acaba Mundo ainda em seu leito natural. 
Fonte: BH Nostalgia

Cruzamento das Avenida Afonso Pena e Amazonas em 1899. Abaixo os trilhos da pequena linha férrea utilizada com o auxilio de tração animal, que partia da Pedreira Prado Lopes e amplamente utilizada para o transporte de materiais destinados à construção dos edifícios da Praça da Liberdade. 
Fonte: APCBH Coleção José Góes

Praça Doze de Outubro em 1905. Apenas em 1922 que a Praça formada pelas Avenidas recebeu a denominação atual. 
Fonte: APCBH Coleção José Góes

À direita da imagem pode-se ver a Avenida aberta até o cruzamento da Avenida Brasil. Acima ela se convertia em uma pequena trilha que levava ao Cruzeiro. 
Fonte: APCBH Coleção José Góes 

    A Praça do Cruzeiro foi o local escolhido pela CCNC para se edificar a nova Catedral da Boa Viagem, segundo a Planta elaborada por esta Comissão. Esse local, mais precisamente na extremidade sul da Avenida poderia também ser convertido em mirante, por apresentar uma visão privilegiada de grande parte da capital, como se lê no relatório do Prefeito Flavio Fernandes dos Santos em 1923: 
  
“Há muito que fazer nesta parte, mesmo não contando com a abertura de novas ruas ou trechos de ruas, nas zonas urbana e suburbana. Ninguém poderá negar que, ultimadas a Avenida Affonso Penna e a Praça do Cruzeiro, onde já foi executado grande movimento de terra, si não me engano, pela Comissão Construtora da Capital, muito terá a lucrar o bom aspecto da cidade. Para quem viesse visitar Bello Horizonte, desde que o accesso fosse um dos pontos forçados seria aquella praça, a que se poderia dar um aspecto, por sua vez, agradável, dotando-a de um jardim sem arborização espessa para não perturbar a vista”

    *A retomada dos investimentos por parte do Poder Publico na década de 20 permitiu a finalização da Avenida na segunda metade da decada. Em 1927 foi concluída a terraplanagem da Praça do Cruzeiro planejada pela CCNC, mas realizada exatos trinta anos depois de extinta a mesma Comissão no local que deveria ter sido erguida a nova Matriz da Boa Viagem. A terraplanagem removeu o barranco que impedia a finalização da Avenida e a terra removida do local foi utilizada para aterrar o antigo leito do córrego do Acaba Mundo, retificado e canalizado para a Avenida Afonso Pena entre a Rua Professor Morais e o Parque Municipal, obra realizada no mesmo período. 
   No trecho aberto entre a Praça 21 de Abril (Praça Tiradentes) e a Praça do Cruzeiro (Praça Milton Campos) a avenida se caracterizava pela predominância de casas residenciais, ainda presentes na paisagem urbana. É bom ressaltar que muitas delas já existiam mesmo estando a Avenida ainda inacabada até 1927. A região abaixo da Praça Tiradentes, continuava apresentando uma função mista, com predominância de casas comerciais e edifícios institucionais, concentrados na sua maioria nas proximidades do Parque Municipal. Até a década de 40 ainda existiam muitos sobrados de dois pavimentos, destinados ao uso comercial e residencial. Grande parte dos sobrados da Avenida deu lugar aos edifícios construídos a partir de 1932, pioneiros no processo de verticalização da capital.

Obras de conclusão da Avenida em 1927, até a Praça do Cruzeiro. 
Fonte: APM

A Avenida no cruzamento da Avenida Brasil na década de 30. À esquerda o canal do córrego do Acaba Mundo. 
Fonte: APM

A Avenida na década de 30, em frente ao Parque Municipal. 
 Fonte: APM

Panorama da Avenida desde a Feira de Amostras no final da década de 30. 
Fonte: APM 

    No inicio da década de 40, na gestão JK teve inicio o prolongamento da Avenida, com a finalidade da melhoria da comunicação viária entre a capital e a cidade de Nova Lima, e para o Rio de Janeiro. A obra de prolongamento também previa a construção de um túnel na Serra do Curral, obra nunca realizada. 
    As obras foram interrompidas pouco tempo após o seu inicio, sendo abertos apenas 700 metros. Desde a interrupção do prolongamento da Avenida o local que já havia sido aberto converteu-se em um dos caminhos utilizados pelos moradores das Favelas adjacentes para se chegar a Avenida do Contorno ou aos serviços de transporte publico que existiam no bairro Serra e Anchieta. O barranco criado pela abertura do dito trecho em 1940 foi ocupado por diversos barracos pertencentes a Favela do Pindura Saia.

Prolongamento da Avenida Afonso Pena em 1940. À direita parte da Favela do Pindura Saia e a caixa d'água do Cruzeiro. 
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Juscelino Kubitschek de Oliveira, 1941.

A Avenida em destaque na Planta Cadastral de 1928. Segundo a Planta acima já se cogitava estender a Avenida acima do cruzamento com a Avenida do Contorno até uma Praça, que também se destaca na Planta e que seria construída um pouco acima da caixa d'água do Cruzeiro.  
 Fonte: APCBH

A Avenida em imagem de Satélite de 1953. Em destaque o prolongamento iniciado em 1940. 
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte; FJP. 1997.

A Avenida na década de 50, nas proximidades da Praça Sete. 
Fonte: APM 

    A avenida continuou de acordo com o projeto original da CCNC: dentro dos limites da Avenida do Contorno. O prolongamento de 1940 permaneceu até a década de 60 como uma larga estrada de terra que terminava um pouco acima da caixa d’água do Cruzeiro. 
     A década de 60, em particular o ano de 1963 foi marcado por uma das mais profundas transformações da paisagem urbana de Belo Horizonte: o corte dos Fícus da Avenida Afonso Pena, com a justificativa da melhoria do fluxo viário na região central e da extinção dos “tripés”, praga que acometia os Fícus desde o final da década de 50. A arborização da Afonso Pena era a marca registrada da capital mineira e o seu desaparecimento da noite para o dia deixou marcas profundas na sociedade, que podem ser vistas até os dias atuais, nas lembranças dos moradores contemporâneos ao corte. A Avenida e suas arvores haviam sobrevivido praticamente intactas as transformações ocorridas no seu entorno durante a primeira metade do Século XX, mas não sobreviveriam ao processo de metropolização que passava a capital nesse período, responsável pelas mudanças na paisagem urbana que também sepultariam os principais cursos d’água da capital, em prol da mobilidade urbana, uma politica vigente até os dias atuais. Nesse período também foi retirado o obelisco da Praça Sete, inaugurado em 1924 em comemoração ao centenário da independência do Brasil, visando a melhoria do fluxo viário, intenso no local nos horários de pico e amenizar os congestionamentos diários, que se estendiam até a região da Lagoinha.

Corte dos Ficus da Avenida Afonso Pena em 1963. 
Fonte: Acervo Estado de Minas 

    Nessa mesma década, após a criação da Ferrobel todas as terras delimitadas por uma extensa cerca que havia nas proximidades da Avenida Bandeirantes passaram a pertencer a essa Companhia, com a finalidade de expansão da exploração do minério de ferro ao longo dos anos, nos locais que havia tal rocha. Porém, em 1966 foi criado através de um Decreto o Parque das Mangabeiras nos terrenos onde a Ferrobel havia apenas iniciado a sua exploração. 
   Com o Decreto, a Companhia entregou a iniciativa privada os terrenos de sua propriedade que se localizavam abaixo da Mina das Mangabeiras, com a finalidade de se criar um grande loteamento visando às classes mais abastadas da capital, que nesse momento procuravam fugir da iminente congestão urbana da região central e bairros adjacentes, como o bairro de Lourdes. 
   Em 1967 visando melhorar a comunicação viária entre o recém-criado bairro Mangabeiras e a zona urbana da capital teve inicio a expansão da avenida, primeiro com o encascalhamento do prolongamento iniciado em 1940 e posteriormente da finalização e asfaltamento da avenida até a Praça da Bandeira, inaugurada em 1966 ou seja, bem antes do prolongamento da Avenida e a construção da Praça Milton Campos, inaugurada em 1972. Essas intervenções realizadas pelo Poder Público também tinham como objetivo a urbanização das terras ocupadas pelo Pindura Saia e Vila Santa Isabel, que foram fragmentadas e praticamente extintas no período entre 1968 e 1975. A extinção de grande parte do Pindura Saia permitiu a expansão do bairro Cruzeiro, a abertura de diversas ruas e a construção do Mercado do Cruzeiro em 1975. O prolongamento da Avenida Afonso Pena, assim como a sua porção inserida dentro da Avenida do Contorno apresentava uma função mista, com a presença, inclusive de prédios institucionais.

Praça do Cruzeiro em 1955. 
Fonte: APCBH Coleção José Góes

O prolongamento de 1940 ocupado por barracos de madeira pertencentes ao Pindura Saia em 1966. 
Fonte: APCBH/ASCOM

O Prefeito e autoridades visitam o prolongamento em 1966. Abaixo a "Catedral" que existia na Praça do Cruzeiro e demolida quando do inicio das obras. 
Fonte: APCBH/ASCOM

Imagem aérea do ano de 1967 onde se vê na parte superior à esquerda o exato local do prolongamento da Avenida Afonso Pena até a Praça da Bandeira, concluída um ano antes desse registro. Na imagem ainda se vê parte das Favelas do Pindura Saia e do Pombal, além da Vila Santa Isabel e o córrego das Mangabeiras em seu leito natural. À direita o Clube Mineiro de Caçadores.
Fonte: APCBH

Obras de prolongamento da Avenida Afonso Pena em 66/68 até a Praça da Bandeira. 
Fonte: APCBH Coleção José Góes

Inauguração da Praça da Bandeira em 1966. A inauguração se deu bem antes da conclusão do prolongamento da Avenida Afonso Pena, por motivos óbvios. 
Fonte: APCBH/ASCOM

Inauguração da mesma Praça em 1966. Ao fundo a Serra do Curral. 
Fonte: APCBH/ASCOM

A Avenida Afonso Pena em 1964, no cruzamento da Rua Professor Morais. 
Fonte: APCBH/ASCOM

A Avenida após a conclusão das obras de prolongamento. 
Fonte: APCBH/ASCOM

Parte do mesmo trecho em 1970. Ao fundo as obras de abertura da Avenida Agulhas Negras e mais ao fundo a Serra do Curral com o seu perfil alterado pela Mina das Mangabeiras. 
Fonte: APCBH/ASCOM

A Avenida Afonso Pena antes e depois das obras de prolongamento da Avenida. 
Fonte: APCBH/ASCOM

Praça Sete na década de 70. 
Fonte: BH Nostalgia 

    A canalização das cabeceiras do córrego das Mangabeiras no período 68/72 permitiu o prolongamento da avenida acima da Praça da Bandeira, porém batizada como Avenida Agulhas Negras, que termina no sopé do paredão da Serra do Curral, onde se construiu o Hospital Hilton Rocha. 
   Atualmente a Avenida Afonso Pena continua exercendo o papel de principal eixo articulador da zona urbana inserida dentro da Avenida do Contorno. Com um pouco mais de quatro quilômetros de extensão ela continua sendo a Artéria responsável pelo recebimento dos fluxos viários de grande parte das zonas sul e oeste da capital e abriga ainda a Estação Rodoviária e a Praça Sete, principal marco simbólico da capital e marco do hipercentro. 
   O prolongamento finalizado na primeira metade da década de 70 alterou o plano inicial da avenida que transpôs a fronteira estabelecida pela CCNC e levou os equipamentos urbanos para as áreas antes ocupadas pelas primeiras Favelas da capital que foram praticamente extintas quando do seu prolongamento. A verticalização, expandida para os bairros que cresceram no seu entorno contribuíram, assim como os grandes edifícios existentes ao longo da avenida para o aumento da temperatura na região central, em particular a Praça Sete, que se apresenta como uma “ilha de calor” devido ao excesso de edifícios, intensa impermeabilização do solo e a vegetação escassa, praticamente resumida ao canteiro central da avenida³.
  Apesar dos 115 anos e das transformações sofridas ao longo das décadas a Avenida Afonso Pena continua exercendo a função para a qual foi criada: a artéria principal, responsável pela ligação direta entre a parte mais baixa da capital, localizada na calha do Ribeirão Arrudas às partes mais altas, no sopé da Serra do Curral, atravessado toda a zona planejada e canalizando os fluxos provenientes dela, tanto populacional quanto viário. Sem duvida uma Avenida que apresenta grandes contrastes e diversidades ao longo de sua existência.

A Avenida Afonso Pena no ano de 2012 na região central. 
Fonte: Foto do Autor

A Avenida vista desde a Praça Milton Campos. 
Fonte: Foto do Autor

A Avenida vista da Serra do Curral, se destacando entre os edifícios da região central. 
Fonte: Fernando Góes/Panoramio

O prolongamento em destaque na imagem de Satélite de 2008. 
Fonte: Google Earth

A Avenida em destaque na imagem de Satélite do ano de 2008. 
Fonte: Google Earth


* Extraído do Artigo "O Embrião Metropolitano: o Poder Público e a produção do espaço em Belo Horizonte na década de 1920de minha autoria e da Engenheira Fernanda Guerra Lima Medeiros.

¹ Essas malhas formaram dezenas de “corta caminhos” dentro da zona urbana planejada. Nos engarrafamentos cotidianos de Belo Horizonte os atalhos formados, em alguns casos permitem uma maior mobilidade nos horários de pico, mesmo estando nos aproximando do “engarrafamento final”, quando, em um determinado horário ninguém irá à parte alguma, retidos no meio da congestão viária e da poluição resultante dos milhões de veículos individuais. 

² O Morro do Cruzeiro tinha essa denominação devido a uma cruz de madeira que ai existiu, erguida pelos habitantes do Arraial no Século XIX. 

³ Não se incluem ai o Parque Municipal e as partes mais altas da avenida que, apesar de estarem completamente urbanizadas ainda apresentam um clima mais ameno do que a Praça Sete, situada a uma altitude menor do que os bairros ao sul da avenida.
Parte da Usina de Freitas, que se localizava um pouco acima da primeira cachoeira do Ribeirão Arrudas, na divisa dos bairros Vera Cruz e Caetano Furquim. 
Fonte: Acervo pessoal do Sr. Flávio Santos. 

      As imagens publicadas nesse pequeno artigo nos remetem à década de 50, quando a Usina de Freitas ainda se encontrava em funcionamento, reforçando o abastecimento de energia para a capital.
    As fotos foram enviadas pelo Sr. Flavio Santos, neto do Sr. Pedro de Assis Pereira, que foi o administrador da Usina e ai morava com sua família, como se vê na imagem abaixo. 
    Segundo as informações fornecidas pelo Sr. Flávio o primeiro prédio à direita fazia parte da usina hidrelétrica que funcionava no desnível entre a pequena represa do Ribeirão Arrudas que existiu a poucos metros abaixo da ponte que liga os bairros Vera Cruz e Caetano Furquim. O segundo prédio é a parte termoelétrica da Usina. Funcionava com a queima de óleo combustível que gerava vapor para acionar as turbinas. Quase no meio da imagem é possível visualizar a tubulação que trazia o óleo do tanque até a usina. O tanque não aparece na foto. 
    A primeira casa na parte inferior esquerda da imagem é onde residia o administrador e sua família. As outras casas são de funcionários que também trabalhavam na Usina. Também se podem ver alguns galpões de apoio às atividades da usina. 
   Segundo o Sr. Flávio, embora a usina tivesse sido desativada, vários ex-funcionários permaneceram morando nas respectivas casas, inclusive o Sr. Pedro de Assis Pereira, cuidando de todas as instalações e prédios. Em 1971 a Cemig retirou todos os moradores do local, mas não teve o cuidado de protegê-lo. Ele foi invadido e completamente destruído, ocupado atualmente por parte do bairro Vera Cruz. Dos prédios que compunham a Usina sobrou apenas os alicerces da imagem postada no artigo de Janeiro de 2011 referente à Usina. 
    Na imagem, chama à atenção a presença de uma pequena casa no topo da montanha que segundo o Sr. Flavio era uma das primeiras casas do bairro Caetano Furquim onde hoje é a Rua Mayrink. 
    As imagens, gentilmente cedidas pela família do antigo administrador da Usina são importantíssimas para o resgate da memória de uma das mais importantes benfeitorias realizadas nos primeiros anos da nova capital de Minas e que infelizmente poucas pessoas têm conhecimento da sua existência e da importância para o desenvolvimento de Belo Horizonte nas primeiras décadas do Século XX, visto que a Usina foi por muitos anos a única fonte responsável pela energia elétrica necessária para o funcionamento dos Bondes da capital. E impressiona a mudança radical na paisagem do lugar, sendo praticamente impossível identificar o local onde existiu a Usina sem o auxilio de Plantas Cadastrais e fotos do período, nesse caso é a primeira vez que tenho conhecimento de fotos contemporâneas à Usina de Freitas, acredito que nem o Poder Público tenha tais registros. 
    Expresso aqui os meus sinceros agradecimentos pela grande contribuição dada pelo Sr. Flávio Santos e sua família para o nosso resgate e construção da memória urbana de Belo Horizonte.

O Sr.Pedro de Assis Pereira, administrador da Usina e sua família. 
Fonte: Acervo pessoal do Sr. Flávio Santos.

Local da antiga Usina de Freitas. 
Fonte: Google Earth
Retificação do córrego do Leitão no bairro de Lourdes em 1928. 
Fonte: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC 

    A imagem acima nos remete à segunda metade da década de 20, período em que se empregou as canalizações dos cursos d'água que atravessam a zona urbana de Belo Horizonte. Abordado em artigos anteriores, a canalização do córrego do Leitão permitiu a continuidade da expansão do bairro de Lourdes, iniciada alguns anos antes na vertente à direita do córrego. 
   O registro fotográfico acima, datado de 1928 foi registrado no cruzamento da Avenida Alvares Cabral com Rua São Paulo e nos apresenta uma região ainda desabitada, porém com duas casas recém construídas e isoladas do restante do bairro, visto que o acesso a elas provavelmente se dava pelo Barro Preto para o transporte de materiais, mesmo que a imagem talvez tenha sido tirada de uma pequena ponte. A venda de terrenos urbanos em áreas que não apresentavam as mínimas condições para a sua urbanização, visto que esses locais ainda não possuíam uma infra-estrutura mínima para tal ocupação (equipamentos urbanos) é uma característica peculiar que Belo Horizonte apresentou entre os anos de 1926/1935. É um incomodo à visão do observador a presença dessas casas no meio de uma paisagem ainda inóspita, e soa mais estranho ainda se imaginarmos que em 1928 essa paisagem tipicamente rural estava a apenas 1200 metros da Praça Sete e a 700 metros do Palácio da Liberdade!
    A inexistência das vias projetadas pela CCNC em 1894 é marcante na imagem, além da presença de terras anteriormente utilizadas para pastagem e para o plantio de grãos. É bom ressaltar que parte das terras que se vê na imagem pertenciam anteriormente a Fazenda do Leitão, desapropriada em 1894 pela CCNC. As cabeceiras do córrego, atualmente ocupadas pelos bairros São Bento e Santa Lúcia se destacam ao fundo da imagem, assim como uma pequena parte do Complexo da Serra do Curral. Pode-se ver à esquerda o antigo Quartel da Cavalaria e a continuação da Rua São Paulo à sua direita. A ponte que existiu na Avenida Alvares Cabral e o emissário de esgotos da margem direita do Leitão também podem ser vistos na imagem. Esse emissário fazia parte do plano estabelecido pelo Governo para a captação dos efluentes destinados ao tratamento em uma ETE que seria construída logo abaixo da Avenida do Contorno no bairro Santa Efigênia. Os emissários evitariam o despejo direto do esgoto doméstico nos cursos d'água da capital, mas a falta de investimentos por parte do Poder Público acabaram por converte-los em verdadeiros emissários a céu aberto nas décadas seguintes. O resquício de uma mata à direita na imagem e a inexistência de terraplanagem necessária para a abertura de vias e quarteirões corrobora a persistência do rural no vale do Leitão, mesmo após as desapropriações das terras compreendidas dentro da Avenida do Contorno e a extinção das colônias agrícolas que circundavam a zona urbana da capital.
    A imagem, de extrema importância para a compreensão da mudança espacial e da ocupação urbana no bairro de Lourdes mostra a transição de uma paisagem tipicamente rural para o urbano e nos apresenta a perspectiva imaginada pela Comissão, ao locarem a Planta da nova capital na base da Serra do Curral. Essa visão privilegiada do Complexo da Serra, que seria visualizada de quase toda a zona urbana infelizmente foi esquecida pelo Poder Público, ao permitir a verticalização desenfreada dentro e fora dos limites da Contorno.

Parte da Planta Cadastral de 1928 onde se destaca o local em que se obteve a imagem acima. 
Fonte: APCBH


A barra de Menu superior do site possibilita uma busca rápida de alguns artigos do blog relacionados ao desenvolvimento urbano de Belo Horizonte. 

Caso queira efetuar uma busca mais detalhada recomendo o uso do menu "Search" e dos Arquivos do blog, ambos na coluna direita. No menu "Arquivos" você encontrará a lista completa de todos os artigos publicados relacionados ao desenvolvimento urbano de Belo Horizonte, aspectos do arraial do Curral del Rey, Ferrovias entre outros, assim como os links da barra de menu.

Na barra de Menu superior também estão alguns artigos publicados e apresentados em alguns Congressos e Revistas.

*Para os replicantes das imagens e artigos do Curral del Rey nas redes sociais e demais publicações de minha autoria, peço a fineza de citar corretamente a fonte, pois as informações do site são disponibilizadas para o público gratuitamente, exigindo apenas a citação da fonte, caso sejam utilizadas qualquer informação, ressaltando que já se constatou algumas dezenas de vezes pelo Autor deste site a omissão das fontes reais. 

**(2019) Para os discentes de graduação e pós graduação, peço que sigam as regras da ABNT para citação correta do site, pois, se um artigo, texto, ou qualquer link que se encontre disponível ou publicado no site, isso não desobriga o pesquisador de referenciar o trecho ou texto que atraia o seu interesse, ressaltando que ideias podem surgir a partir da leitura dos artigos e essa é uma das minhas pretensões, possibilitar a reflexão a partir de uma linguagem simples, direta e acessível, e criar discussões que possam não só contribuir para a Geografia Histórica de Belo Horizonte, mas também reflexões que possibilitem a sociedade, a partir do conhecimento do passado, construir uma cidade e um futuro melhor, com maior harmonia com o meio do qual fazemos parte. 

Aproveito para pedir aos docentes orientadores que atentem para tal questão, na medida do possível, ressaltando que pesquisa não é competição, e a busca por uma desnecessária primazia ou pseudovisibilidade não possui a menor importância em meio às demandas coletivas-urbano ambientais que caracterizam a geohistória da capital mineira e que deve ser analisada de maneira interdisciplinar e imparcial. 

Portanto, caso utilizem alguma pista, parágrafo ou frase deixada nos artigos, por favor, peço que referenciem de maneira correta, para evitar problemas e constrangimentos futuros, ressaltando que os artigos do site, quando passam por nova revisão e acréscimos, as mesmas se encontram devidamente ASSINALADAS, ou seja, os artigos não são editados de maneira displicente e nem com intenções de primazia. Caso tenham dúvida, estou a inteira disposição para esclarecer e explicar como se referencia uma citação, tanto em meio impresso quanto digital.

Gostaria de ressaltar que o plágio é crime, e como observado por Ramos e Pimenta (2006) 

"O plágio é uma prática antiga, entretanto, as características da sociedade contemporânea – rapidez, tecnologias digitais e globalização – podem contribuir para sua banalização na atualidade. Entende-se por plágio, não apenas a reprodução integral de uma propriedade intelectual e ou artística como defende Hartmann (2006), mas também a produção acadêmica que contenha partes de uma obra pertencente a outrém sem lhe destinar o crédito, conforme previsto na Lei 9.610/98". 

Portanto, peço a gentileza de observarem e seguirem a lei, sob o risco de responderem judicialmente pelos atos, sendo expressamente proibida a comercialização de qualquer informação do blog, como já verificado pelo autor inclusive, ao se deparar com seus textos em uma publicação local.

Qualquer dúvida favor entrar em contato através do email borsagli@gmail.com

Obrigado a todos!
O Autor

Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

gif maker Córrego do Acaba Mundo 1928/APM - By Belisa Murta/Micrópolis