“Íamos ao outro extremo da cidade – subindo ao Cruzeiro. Galgávamos o barranco onde terminava a Avenida Afonso Pena e ganhávamos o campo de futebol onde está hoje a Praça Milton Campos (ele, nesse tempo, não praça, não estatua, às vezes conosco). Do pé da torre de alta voltagem e da Cruz de madeira que vinha o apelido de logradouro – olhávamos a cidade. Víamos a Avenida Afonso Pena como a Campos Elíseos de cima dum Arco do Triunfo. Estéril, de moledo solferino e terra escarlate, sem calçamento e com as beiradas escavadas pela erosão das grandes chuvas que faziam sulcos caprichosos como negativos de cordas torcidas”. Pedro Nava em trecho do livro Beira Mar.

Praça Sete de Setembro em 1966 após a retirada do obelisco em comemoração ao centenário da Independência, com a justificativa da melhoria do fluxo viário. No seu lugar se construiu o monumento em homenagem aos fundadores da nova capital, retirado anos mais tarde para a desobstrução da avenida. 
Fonte: APCBH/ASCOM 

   A Avenida Afonso Pena configura-se dentro da zona urbana planejada de Belo Horizonte como a principal via arterial da região central da capital, responsável pelo deslocamento de grande parte do fluxo viário e populacional oriundo dos bairros limítrofes a Avenida do Contorno em direção à região central. Criada para ser a principal via dentro da zona urbana, responsável pela ligação das zonas sul e norte ela apresenta um traçado retilíneo, assim como as demais avenidas planejadas, porém apresenta uma largura de 50 metros, enquanto as outras avenidas foram abertas com 35 metros de largura. Aarão Reis, em seu relatório para a Presidência do Estado em 1895 deu uma posição de destaque à Avenida, como se pode ler abaixo no trecho extraído do livro Memoria Histórica, de Abílio Barreto: 

“Apenas a uma das avenidas – que corta a zona urbana de norte a sul, e que é destinada à ligação dos bairros opostos – dei a largura de 50 m, para constitui-la em centro obrigado da cidade e, assim, forçar a população, quanto possivel, a ir se desenvolvendo do centro para a periferia, como convem à economia municipal, à manutenção da higiene sanitaria e ao prosseguimento regular dos trabalhos tecnicos”

    Ao se analisar a planta da nova capital percebe-se que Aarão Reis criou a cidade com duas malhas: as das ruas formando ângulos retos e as avenidas estrategicamente situadas, formando ângulos de 45º interagindo com as ruas¹. Essa interação tem, entre outras características evitar que sejam configuradas ruas em ziguezague, como o antigo Curral del Rey e as cidades surgidas no período colonial, que seguiam os traçados dos primeiros caminhos abertos. A Avenida Afonso Pena foi pensada como um eixo de passagem obrigatório para quem deseja ir de uma ponta a outra na cidade planejada. Observa-se também que a avenida segue cortando as curvas de nível do terreno ligando a parte baixa, na calha do Ribeirão Arrudas a parte alta, na época denominada Morro do Cruzeiro², atual Praça Milton Campos. A Avenida do Contorno apresenta-se como o limite da zona planejada, um “muro imaginário” separando a zona urbana da zona suburbana.

A Avenida Afonso Pena logo após a inauguração da capital, em frente ao Parque Municipal. 
Fonte: BARRETO, Abílio. Belo Horizonte: Memória Histórica e Descritiva Vol.2; FJP, 1997. 

    Nas duas primeiras décadas de existência da capital mineira a Avenida Afonso e a Rua da Bahia consolidaram-se como o principal espaço de articulação urbana da capital. Eram nessas vias, calçadas somente no final da década de 1900 que se davam o maior fluxo de pessoas e de veiculos, motorizados ou não de Belo Horizonte. Estas vias, mais os trechos compreendidos na Rua da Bahia entre Timbiras e Afonso Pena, Espirito Santo entre Afonso Pena e Avenida do Comércio, Afonso Pena entre as Ruas da Bahia e Espirito Santo, e por toda a Rua dos Caetés abrigavam grande parte das casas comerciais da nova capital e diversas residencias, muitas delas pertencentes aos funcionarios da administração vindos de Ouro Preto. A avenida, nos seus primeiros anos havia sido aberta desde o antigo Mercado até o cruzamento da Avenida Brasil. A partir daí ela se convertia em um caminho de terra que levava ao antigo Cruzeiro. Posteriormente ela foi estendida até o cruzamento da Avenida Paraúna, bem proxima ao Cruzeiro, ponto final da avenida segundo a Planta de 1895.

Avenida Afonso Pena no centro da Planta de 1895. 
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Parte do local onde seria construída a nova Matriz, no final da Avenida Afonso Pena (Praça do Cruzeiro). 
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Avenida Afonso Pena em 1902, aberta até o cruzamento da Avenida Brasil. Abaixo o córrego do Acaba Mundo ainda em seu leito natural. 
Fonte: BH Nostalgia

Cruzamento das Avenida Afonso Pena e Amazonas em 1899. Abaixo os trilhos da pequena linha férrea utilizada com o auxilio de tração animal, que partia da Pedreira Prado Lopes e amplamente utilizada para o transporte de materiais destinados à construção dos edifícios da Praça da Liberdade. 
Fonte: APCBH Coleção José Góes

Praça Doze de Outubro em 1905. Apenas em 1922 que a Praça formada pelas Avenidas recebeu a denominação atual. 
Fonte: APCBH Coleção José Góes

À direita da imagem pode-se ver a Avenida aberta até o cruzamento da Avenida Brasil. Acima ela se convertia em uma pequena trilha que levava ao Cruzeiro. 
Fonte: APCBH Coleção José Góes 

    A Praça do Cruzeiro foi o local escolhido pela CCNC para se edificar a nova Catedral da Boa Viagem, segundo a Planta elaborada por esta Comissão. Esse local, mais precisamente na extremidade sul da Avenida poderia também ser convertido em mirante, por apresentar uma visão privilegiada de grande parte da capital, como se lê no relatório do Prefeito Flavio Fernandes dos Santos em 1923: 
  
“Há muito que fazer nesta parte, mesmo não contando com a abertura de novas ruas ou trechos de ruas, nas zonas urbana e suburbana. Ninguém poderá negar que, ultimadas a Avenida Affonso Penna e a Praça do Cruzeiro, onde já foi executado grande movimento de terra, si não me engano, pela Comissão Construtora da Capital, muito terá a lucrar o bom aspecto da cidade. Para quem viesse visitar Bello Horizonte, desde que o accesso fosse um dos pontos forçados seria aquella praça, a que se poderia dar um aspecto, por sua vez, agradável, dotando-a de um jardim sem arborização espessa para não perturbar a vista”

    *A retomada dos investimentos por parte do Poder Publico na década de 20 permitiu a finalização da Avenida na segunda metade da decada. Em 1927 foi concluída a terraplanagem da Praça do Cruzeiro planejada pela CCNC, mas realizada exatos trinta anos depois de extinta a mesma Comissão no local que deveria ter sido erguida a nova Matriz da Boa Viagem. A terraplanagem removeu o barranco que impedia a finalização da Avenida e a terra removida do local foi utilizada para aterrar o antigo leito do córrego do Acaba Mundo, retificado e canalizado para a Avenida Afonso Pena entre a Rua Professor Morais e o Parque Municipal, obra realizada no mesmo período. 
   No trecho aberto entre a Praça 21 de Abril (Praça Tiradentes) e a Praça do Cruzeiro (Praça Milton Campos) a avenida se caracterizava pela predominância de casas residenciais, ainda presentes na paisagem urbana. É bom ressaltar que muitas delas já existiam mesmo estando a Avenida ainda inacabada até 1927. A região abaixo da Praça Tiradentes, continuava apresentando uma função mista, com predominância de casas comerciais e edifícios institucionais, concentrados na sua maioria nas proximidades do Parque Municipal. Até a década de 40 ainda existiam muitos sobrados de dois pavimentos, destinados ao uso comercial e residencial. Grande parte dos sobrados da Avenida deu lugar aos edifícios construídos a partir de 1932, pioneiros no processo de verticalização da capital.

Obras de conclusão da Avenida em 1927, até a Praça do Cruzeiro. 
Fonte: APM

A Avenida no cruzamento da Avenida Brasil na década de 30. À esquerda o canal do córrego do Acaba Mundo. 
Fonte: APM

A Avenida na década de 30, em frente ao Parque Municipal. 
 Fonte: APM

Panorama da Avenida desde a Feira de Amostras no final da década de 30. 
Fonte: APM 

    No inicio da década de 40, na gestão JK teve inicio o prolongamento da Avenida, com a finalidade da melhoria da comunicação viária entre a capital e a cidade de Nova Lima, e para o Rio de Janeiro. A obra de prolongamento também previa a construção de um túnel na Serra do Curral, obra nunca realizada. 
    As obras foram interrompidas pouco tempo após o seu inicio, sendo abertos apenas 700 metros. Desde a interrupção do prolongamento da Avenida o local que já havia sido aberto converteu-se em um dos caminhos utilizados pelos moradores das Favelas adjacentes para se chegar a Avenida do Contorno ou aos serviços de transporte publico que existiam no bairro Serra e Anchieta. O barranco criado pela abertura do dito trecho em 1940 foi ocupado por diversos barracos pertencentes a Favela do Pindura Saia.

Prolongamento da Avenida Afonso Pena em 1940. À direita parte da Favela do Pindura Saia e a caixa d'água do Cruzeiro. 
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Juscelino Kubitschek de Oliveira, 1941.

A Avenida em destaque na Planta Cadastral de 1928. Segundo a Planta acima já se cogitava estender a Avenida acima do cruzamento com a Avenida do Contorno até uma Praça, que também se destaca na Planta e que seria construída um pouco acima da caixa d'água do Cruzeiro.  
 Fonte: APCBH

A Avenida em imagem de Satélite de 1953. Em destaque o prolongamento iniciado em 1940. 
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte; FJP. 1997.

A Avenida na década de 50, nas proximidades da Praça Sete. 
Fonte: APM 

    A avenida continuou de acordo com o projeto original da CCNC: dentro dos limites da Avenida do Contorno. O prolongamento de 1940 permaneceu até a década de 60 como uma larga estrada de terra que terminava um pouco acima da caixa d’água do Cruzeiro. 
     A década de 60, em particular o ano de 1963 foi marcado por uma das mais profundas transformações da paisagem urbana de Belo Horizonte: o corte dos Fícus da Avenida Afonso Pena, com a justificativa da melhoria do fluxo viário na região central e da extinção dos “tripés”, praga que acometia os Fícus desde o final da década de 50. A arborização da Afonso Pena era a marca registrada da capital mineira e o seu desaparecimento da noite para o dia deixou marcas profundas na sociedade, que podem ser vistas até os dias atuais, nas lembranças dos moradores contemporâneos ao corte. A Avenida e suas arvores haviam sobrevivido praticamente intactas as transformações ocorridas no seu entorno durante a primeira metade do Século XX, mas não sobreviveriam ao processo de metropolização que passava a capital nesse período, responsável pelas mudanças na paisagem urbana que também sepultariam os principais cursos d’água da capital, em prol da mobilidade urbana, uma politica vigente até os dias atuais. Nesse período também foi retirado o obelisco da Praça Sete, inaugurado em 1924 em comemoração ao centenário da independência do Brasil, visando a melhoria do fluxo viário, intenso no local nos horários de pico e amenizar os congestionamentos diários, que se estendiam até a região da Lagoinha.

Corte dos Ficus da Avenida Afonso Pena em 1963. 
Fonte: Acervo Estado de Minas 

    Nessa mesma década, após a criação da Ferrobel todas as terras delimitadas por uma extensa cerca que havia nas proximidades da Avenida Bandeirantes passaram a pertencer a essa Companhia, com a finalidade de expansão da exploração do minério de ferro ao longo dos anos, nos locais que havia tal rocha. Porém, em 1966 foi criado através de um Decreto o Parque das Mangabeiras nos terrenos onde a Ferrobel havia apenas iniciado a sua exploração. 
   Com o Decreto, a Companhia entregou a iniciativa privada os terrenos de sua propriedade que se localizavam abaixo da Mina das Mangabeiras, com a finalidade de se criar um grande loteamento visando às classes mais abastadas da capital, que nesse momento procuravam fugir da iminente congestão urbana da região central e bairros adjacentes, como o bairro de Lourdes. 
   Em 1967 visando melhorar a comunicação viária entre o recém-criado bairro Mangabeiras e a zona urbana da capital teve inicio a expansão da avenida, primeiro com o encascalhamento do prolongamento iniciado em 1940 e posteriormente da finalização e asfaltamento da avenida até a Praça da Bandeira, inaugurada em 1966 ou seja, bem antes do prolongamento da Avenida e a construção da Praça Milton Campos, inaugurada em 1972. Essas intervenções realizadas pelo Poder Público também tinham como objetivo a urbanização das terras ocupadas pelo Pindura Saia e Vila Santa Isabel, que foram fragmentadas e praticamente extintas no período entre 1968 e 1975. A extinção de grande parte do Pindura Saia permitiu a expansão do bairro Cruzeiro, a abertura de diversas ruas e a construção do Mercado do Cruzeiro em 1975. O prolongamento da Avenida Afonso Pena, assim como a sua porção inserida dentro da Avenida do Contorno apresentava uma função mista, com a presença, inclusive de prédios institucionais.

Praça do Cruzeiro em 1955. 
Fonte: APCBH Coleção José Góes

O prolongamento de 1940 ocupado por barracos de madeira pertencentes ao Pindura Saia em 1966. 
Fonte: APCBH/ASCOM

O Prefeito e autoridades visitam o prolongamento em 1966. Abaixo a "Catedral" que existia na Praça do Cruzeiro e demolida quando do inicio das obras. 
Fonte: APCBH/ASCOM

Imagem aérea do ano de 1967 onde se vê na parte superior à esquerda o exato local do prolongamento da Avenida Afonso Pena até a Praça da Bandeira, concluída um ano antes desse registro. Na imagem ainda se vê parte das Favelas do Pindura Saia e do Pombal, além da Vila Santa Isabel e o córrego das Mangabeiras em seu leito natural. À direita o Clube Mineiro de Caçadores.
Fonte: APCBH

Obras de prolongamento da Avenida Afonso Pena em 66/68 até a Praça da Bandeira. 
Fonte: APCBH Coleção José Góes

Inauguração da Praça da Bandeira em 1966. A inauguração se deu bem antes da conclusão do prolongamento da Avenida Afonso Pena, por motivos óbvios. 
Fonte: APCBH/ASCOM

Inauguração da mesma Praça em 1966. Ao fundo a Serra do Curral. 
Fonte: APCBH/ASCOM

A Avenida Afonso Pena em 1964, no cruzamento da Rua Professor Morais. 
Fonte: APCBH/ASCOM

A Avenida após a conclusão das obras de prolongamento. 
Fonte: APCBH/ASCOM

Parte do mesmo trecho em 1970. Ao fundo as obras de abertura da Avenida Agulhas Negras e mais ao fundo a Serra do Curral com o seu perfil alterado pela Mina das Mangabeiras. 
Fonte: APCBH/ASCOM

A Avenida Afonso Pena antes e depois das obras de prolongamento da Avenida. 
Fonte: APCBH/ASCOM

Praça Sete na década de 70. 
Fonte: BH Nostalgia 

    A canalização das cabeceiras do córrego das Mangabeiras no período 68/72 permitiu o prolongamento da avenida acima da Praça da Bandeira, porém batizada como Avenida Agulhas Negras, que termina no sopé do paredão da Serra do Curral, onde se construiu o Hospital Hilton Rocha. 
   Atualmente a Avenida Afonso Pena continua exercendo o papel de principal eixo articulador da zona urbana inserida dentro da Avenida do Contorno. Com um pouco mais de quatro quilômetros de extensão ela continua sendo a Artéria responsável pelo recebimento dos fluxos viários de grande parte das zonas sul e oeste da capital e abriga ainda a Estação Rodoviária e a Praça Sete, principal marco simbólico da capital e marco do hipercentro. 
   O prolongamento finalizado na primeira metade da década de 70 alterou o plano inicial da avenida que transpôs a fronteira estabelecida pela CCNC e levou os equipamentos urbanos para as áreas antes ocupadas pelas primeiras Favelas da capital que foram praticamente extintas quando do seu prolongamento. A verticalização, expandida para os bairros que cresceram no seu entorno contribuíram, assim como os grandes edifícios existentes ao longo da avenida para o aumento da temperatura na região central, em particular a Praça Sete, que se apresenta como uma “ilha de calor” devido ao excesso de edifícios, intensa impermeabilização do solo e a vegetação escassa, praticamente resumida ao canteiro central da avenida³.
  Apesar dos 115 anos e das transformações sofridas ao longo das décadas a Avenida Afonso Pena continua exercendo a função para a qual foi criada: a artéria principal, responsável pela ligação direta entre a parte mais baixa da capital, localizada na calha do Ribeirão Arrudas às partes mais altas, no sopé da Serra do Curral, atravessado toda a zona planejada e canalizando os fluxos provenientes dela, tanto populacional quanto viário. Sem duvida uma Avenida que apresenta grandes contrastes e diversidades ao longo de sua existência.

A Avenida Afonso Pena no ano de 2012 na região central. 
Fonte: Foto do Autor

A Avenida vista desde a Praça Milton Campos. 
Fonte: Foto do Autor

A Avenida vista da Serra do Curral, se destacando entre os edifícios da região central. 
Fonte: Fernando Góes/Panoramio

O prolongamento em destaque na imagem de Satélite de 2008. 
Fonte: Google Earth

A Avenida em destaque na imagem de Satélite do ano de 2008. 
Fonte: Google Earth


* Extraído do Artigo "O Embrião Metropolitano: o Poder Público e a produção do espaço em Belo Horizonte na década de 1920de minha autoria e da Engenheira Fernanda Guerra Lima Medeiros.

¹ Essas malhas formaram dezenas de “corta caminhos” dentro da zona urbana planejada. Nos engarrafamentos cotidianos de Belo Horizonte os atalhos formados, em alguns casos permitem uma maior mobilidade nos horários de pico, mesmo estando nos aproximando do “engarrafamento final”, quando, em um determinado horário ninguém irá à parte alguma, retidos no meio da congestão viária e da poluição resultante dos milhões de veículos individuais. 

² O Morro do Cruzeiro tinha essa denominação devido a uma cruz de madeira que ai existiu, erguida pelos habitantes do Arraial no Século XIX. 

³ Não se incluem ai o Parque Municipal e as partes mais altas da avenida que, apesar de estarem completamente urbanizadas ainda apresentam um clima mais ameno do que a Praça Sete, situada a uma altitude menor do que os bairros ao sul da avenida.
Parte da Usina de Freitas, que se localizava um pouco acima da primeira cachoeira do Ribeirão Arrudas, na divisa dos bairros Vera Cruz e Caetano Furquim. 
Fonte: Acervo pessoal do Sr. Flávio Santos. 

      As imagens publicadas nesse pequeno artigo nos remetem à década de 50, quando a Usina de Freitas ainda se encontrava em funcionamento, reforçando o abastecimento de energia para a capital.
    As fotos foram enviadas pelo Sr. Flavio Santos, neto do Sr. Pedro de Assis Pereira, que foi o administrador da Usina e ai morava com sua família, como se vê na imagem abaixo. 
    Segundo as informações fornecidas pelo Sr. Flávio o primeiro prédio à direita fazia parte da usina hidrelétrica que funcionava no desnível entre a pequena represa do Ribeirão Arrudas que existiu a poucos metros abaixo da ponte que liga os bairros Vera Cruz e Caetano Furquim. O segundo prédio é a parte termoelétrica da Usina. Funcionava com a queima de óleo combustível que gerava vapor para acionar as turbinas. Quase no meio da imagem é possível visualizar a tubulação que trazia o óleo do tanque até a usina. O tanque não aparece na foto. 
    A primeira casa na parte inferior esquerda da imagem é onde residia o administrador e sua família. As outras casas são de funcionários que também trabalhavam na Usina. Também se podem ver alguns galpões de apoio às atividades da usina. 
   Segundo o Sr. Flávio, embora a usina tivesse sido desativada, vários ex-funcionários permaneceram morando nas respectivas casas, inclusive o Sr. Pedro de Assis Pereira, cuidando de todas as instalações e prédios. Em 1971 a Cemig retirou todos os moradores do local, mas não teve o cuidado de protegê-lo. Ele foi invadido e completamente destruído, ocupado atualmente por parte do bairro Vera Cruz. Dos prédios que compunham a Usina sobrou apenas os alicerces da imagem postada no artigo de Janeiro de 2011 referente à Usina. 
    Na imagem, chama à atenção a presença de uma pequena casa no topo da montanha que segundo o Sr. Flavio era uma das primeiras casas do bairro Caetano Furquim onde hoje é a Rua Mayrink. 
    As imagens, gentilmente cedidas pela família do antigo administrador da Usina são importantíssimas para o resgate da memória de uma das mais importantes benfeitorias realizadas nos primeiros anos da nova capital de Minas e que infelizmente poucas pessoas têm conhecimento da sua existência e da importância para o desenvolvimento de Belo Horizonte nas primeiras décadas do Século XX, visto que a Usina foi por muitos anos a única fonte responsável pela energia elétrica necessária para o funcionamento dos Bondes da capital. E impressiona a mudança radical na paisagem do lugar, sendo praticamente impossível identificar o local onde existiu a Usina sem o auxilio de Plantas Cadastrais e fotos do período, nesse caso é a primeira vez que tenho conhecimento de fotos contemporâneas à Usina de Freitas, acredito que nem o Poder Público tenha tais registros. 
    Expresso aqui os meus sinceros agradecimentos pela grande contribuição dada pelo Sr. Flávio Santos e sua família para o nosso resgate e construção da memória urbana de Belo Horizonte.

O Sr.Pedro de Assis Pereira, administrador da Usina e sua família. 
Fonte: Acervo pessoal do Sr. Flávio Santos.

Local da antiga Usina de Freitas. 
Fonte: Google Earth
Retificação do córrego do Leitão no bairro de Lourdes em 1928. 
Fonte: Fundação Getúlio Vargas/CPDOC 

    A imagem acima nos remete à segunda metade da década de 20, período em que se empregou as canalizações dos cursos d'água que atravessam a zona urbana de Belo Horizonte. Abordado em artigos anteriores, a canalização do córrego do Leitão permitiu a continuidade da expansão do bairro de Lourdes, iniciada alguns anos antes na vertente à direita do córrego. 
   O registro fotográfico acima, datado de 1928 foi registrado no cruzamento da Avenida Alvares Cabral com Rua São Paulo e nos apresenta uma região ainda desabitada, porém com duas casas recém construídas e isoladas do restante do bairro, visto que o acesso a elas provavelmente se dava pelo Barro Preto para o transporte de materiais, mesmo que a imagem talvez tenha sido tirada de uma pequena ponte. A venda de terrenos urbanos em áreas que não apresentavam as mínimas condições para a sua urbanização, visto que esses locais ainda não possuíam uma infra-estrutura mínima para tal ocupação (equipamentos urbanos) é uma característica peculiar que Belo Horizonte apresentou entre os anos de 1926/1935. É um incomodo à visão do observador a presença dessas casas no meio de uma paisagem ainda inóspita, e soa mais estranho ainda se imaginarmos que em 1928 essa paisagem tipicamente rural estava a apenas 1200 metros da Praça Sete e a 700 metros do Palácio da Liberdade!
    A inexistência das vias projetadas pela CCNC em 1894 é marcante na imagem, além da presença de terras anteriormente utilizadas para pastagem e para o plantio de grãos. É bom ressaltar que parte das terras que se vê na imagem pertenciam anteriormente a Fazenda do Leitão, desapropriada em 1894 pela CCNC. As cabeceiras do córrego, atualmente ocupadas pelos bairros São Bento e Santa Lúcia se destacam ao fundo da imagem, assim como uma pequena parte do Complexo da Serra do Curral. Pode-se ver à esquerda o antigo Quartel da Cavalaria e a continuação da Rua São Paulo à sua direita. A ponte que existiu na Avenida Alvares Cabral e o emissário de esgotos da margem direita do Leitão também podem ser vistos na imagem. Esse emissário fazia parte do plano estabelecido pelo Governo para a captação dos efluentes destinados ao tratamento em uma ETE que seria construída logo abaixo da Avenida do Contorno no bairro Santa Efigênia. Os emissários evitariam o despejo direto do esgoto doméstico nos cursos d'água da capital, mas a falta de investimentos por parte do Poder Público acabaram por converte-los em verdadeiros emissários a céu aberto nas décadas seguintes. O resquício de uma mata à direita na imagem e a inexistência de terraplanagem necessária para a abertura de vias e quarteirões corrobora a persistência do rural no vale do Leitão, mesmo após as desapropriações das terras compreendidas dentro da Avenida do Contorno e a extinção das colônias agrícolas que circundavam a zona urbana da capital.
    A imagem, de extrema importância para a compreensão da mudança espacial e da ocupação urbana no bairro de Lourdes mostra a transição de uma paisagem tipicamente rural para o urbano e nos apresenta a perspectiva imaginada pela Comissão, ao locarem a Planta da nova capital na base da Serra do Curral. Essa visão privilegiada do Complexo da Serra, que seria visualizada de quase toda a zona urbana infelizmente foi esquecida pelo Poder Público, ao permitir a verticalização desenfreada dentro e fora dos limites da Contorno.

Parte da Planta Cadastral de 1928 onde se destaca o local em que se obteve a imagem acima. 
Fonte: APCBH


A barra de Menu superior do site possibilita uma busca rápida de alguns artigos do blog relacionados ao desenvolvimento urbano de Belo Horizonte. 

Caso queira efetuar uma busca mais detalhada recomendo o uso do menu "Search" e dos Arquivos do blog, ambos na coluna direita. No menu "Arquivos" você encontrará a lista completa de todos os artigos publicados relacionados ao desenvolvimento urbano de Belo Horizonte, aspectos do arraial do Curral del Rey, Ferrovias entre outros, assim como os links da barra de menu.

Na barra de Menu superior também estão alguns artigos publicados e apresentados em alguns Congressos e Revistas.

*Para os replicantes das imagens e artigos do Curral del Rey nas redes sociais e demais publicações de minha autoria, peço a fineza de citar corretamente a fonte, pois as informações do site são disponibilizadas para o público gratuitamente, exigindo apenas a citação da fonte, caso sejam utilizadas qualquer informação, ressaltando que já se constatou algumas dezenas de vezes pelo Autor deste site a omissão das fontes reais. 

**(2019) Para os discentes de graduação e pós graduação, peço que sigam as regras da ABNT para citação correta do site, pois, se um artigo, texto, ou qualquer link que se encontre disponível ou publicado no site, isso não desobriga o pesquisador de referenciar o trecho ou texto que atraia o seu interesse, ressaltando que ideias podem surgir a partir da leitura dos artigos e essa é uma das minhas pretensões, possibilitar a reflexão a partir de uma linguagem simples, direta e acessível, e criar discussões que possam não só contribuir para a Geografia Histórica de Belo Horizonte, mas também reflexões que possibilitem a sociedade, a partir do conhecimento do passado, construir uma cidade e um futuro melhor, com maior harmonia com o meio do qual fazemos parte. 

Aproveito para pedir aos docentes orientadores que atentem para tal questão, na medida do possível, ressaltando que pesquisa não é competição, e a busca por uma desnecessária primazia ou pseudovisibilidade não possui a menor importância em meio às demandas coletivas-urbano ambientais que caracterizam a geohistória da capital mineira e que deve ser analisada de maneira interdisciplinar e imparcial. 

Portanto, caso utilizem alguma pista, parágrafo ou frase deixada nos artigos, por favor, peço que referenciem de maneira correta, para evitar problemas e constrangimentos futuros, ressaltando que os artigos do site, quando passam por nova revisão e acréscimos, as mesmas se encontram devidamente ASSINALADAS, ou seja, os artigos não são editados de maneira displicente e nem com intenções de primazia. Caso tenham dúvida, estou a inteira disposição para esclarecer e explicar como se referencia uma citação, tanto em meio impresso quanto digital.

Gostaria de ressaltar que o plágio é crime, e como observado por Ramos e Pimenta (2006) 

"O plágio é uma prática antiga, entretanto, as características da sociedade contemporânea – rapidez, tecnologias digitais e globalização – podem contribuir para sua banalização na atualidade. Entende-se por plágio, não apenas a reprodução integral de uma propriedade intelectual e ou artística como defende Hartmann (2006), mas também a produção acadêmica que contenha partes de uma obra pertencente a outrém sem lhe destinar o crédito, conforme previsto na Lei 9.610/98". 

Portanto, peço a gentileza de observarem e seguirem a lei, sob o risco de responderem judicialmente pelos atos, sendo expressamente proibida a comercialização de qualquer informação do blog, como já verificado pelo autor inclusive, ao se deparar com seus textos em uma publicação local.

Qualquer dúvida favor entrar em contato através do email borsagli@gmail.com

Obrigado a todos!
O Autor
Posto Telegráfico de General Carneiro que existiu à beira do Ramal de Belo Horizonte da EFCB.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

    As ferrovias representam um capitulo a parte na história de Minas Gerais. No caso especifico de Belo Horizonte, desde o inicio da construção da nova capital ela foi de suma importância para a logística relacionada ao transporte de materiais. Para atender o prazo estabelecido pela Câmara Mineira para a entrega da nova capital uma das primeiras medidas da Comissão Construtora foi construir um Ramal da Estrada de Ferro Central do Brasil¹ desde a linha principal que seguia de Sabará em direção ao norte de Minas, na altura de General Carneiro até o local que posteriormente se construiu a Estação Ferroviária de Belo Horizonte.
   Segundo Abílio Barreto, em sua “Memoria Histórica²” foram feitos três estudos para a construção da variante da linha da Central, uma das opções estudadas seria pela região do Rabelo e Lagoa Seca, inviável devido a grande declividade desde Nova Lima até o sitio onde se construiria a nova capital. A transposição da Serra do Curral não era necessária segundo a Comissão, e o traçado da variante teria uma extensão de 32.000m, quase vinte a mais que o ramal seguindo o vale do Arrudas. A outra opção seria pela garganta do Taquaril, que obrigaria a Comissão a construir um túnel de cerca de 400m de extensão para transpor a garganta e atingir o vale do Arrudas.
   Por fim, optaram pela construção do ramal desde o entroncamento da linha da Central (General Carneiro) até Belo Horizonte seguindo pela margem esquerda do Arrudas. É bom observar que, possivelmente as obras do ramal foram aprovadas em tempo recorde devido ao fato de Aarão Reis ter exercido cargo de chefia na EFCB antes de assumir a chefia da CCNC. O ramal foi inaugurado em Setembro de 1895 acelerando o transporte do material necessário para a edificação da nova capital. O ramal proporcionou a melhoria do fluxo de pessoas entre o canteiro de obras e as cidades de Sabará e Ouro Preto. Antes o transporte era feito a cavalo ou por diligencias desde os locais onde a linha férrea ainda não tinha alcançado, e é bom ressaltar que a linha do Centro da EFCB só chegou a Sabará em 1890.

Estação de General Carneiro em 1896 (já demolida).
Fonte: APCBH Acervo CCNC

     No mesmo ano da inauguração do Ramal foram construídos diversos ramais férreos urbanos para atender a necessidade de transporte do material oriundo da Estação Central e das Pedreiras, imprescindíveis para a construção dos edifícios públicos e do calçamento de ruas. Posteriormente alguns quilômetros desses trilhos foram utilizados pelos Bondes implantados em 1902 e responsáveis pelo transporte da população da capital.
   O Ramal de General Carneiro foi incorporado pela EFCB em 1899 adquirido do espolio da extinta Comissão Construtora. Ao longo do Ramal existiam as paradas de Marzagão, Freitas, Cardoso e Arrudas até a Estação Central. Esse trecho apresentava algumas deficiências devido à declividade do terreno que limitava o numero de vagões puxados pelas Locomotivas no trecho entre Marzagão e Belo Horizonte além da obrigatoriedade da baldeação em Conselheiro Lafaiete para quem viajava desde a Capital Federal devido a diferença de bitola entre as linhas. Para corrigir tais incômodos o Governo Federal iniciou em 1910 a construção do Ramal do Paraopeba visando também encurtar a distancia entre Belo Horizonte e a Capital Federal sem a necessidade de baldeação em Conselheiro Lafaiete. O Ramal, inaugurado em 1917 proporcionou a melhoria de comunicação entre as localidades próximas a capital e o fluxo populacional uma expansão ao longo de suas linhas que também passavam pelo Barreiro e Ibirité, algumas das paradas existentes ao longo da linha. Outras paradas importantes eram as Estações do Ferrugem, Gameleira e Calafate.
    Outra importante ferrovia que viria a servir Belo Horizonte era a Estrada de Ferro Oeste de Minas, posteriormente renomeada Rede Mineira de Viação. Essa ferrovia já havia chegado a diversas cidades do interior de Minas quando o Governo autorizou o inicio dos estudos em 1898 para a construção do ramal entre Itapecerica e Belo Horizonte. As obras tiveram inicio alguns anos mais tarde e em 1910 foi inaugurado o pequeno trecho entre Belo Horizonte e Betim e em 1912 foi inaugurado o trecho entre a capital e Pará de Minas, sendo que os trens passaram a sair diariamente da capital em direção as diversas cidades do centro oeste do estado atendidas pelas linhas da EFOM.
    O trecho da RMV que cortava a capital seguia paralelamente os trilhos da Central da Linha do Paraopeba até a altura da Rua Pouso Alegre, daí ele atravessava a região da Lagoinha seguindo pela Rua Mauá (Rua do Ramal, atual Nossa Senhora de Fátima) até o Ribeirão Arrudas, onde voltava a correr paralelamente aos trilhos da Central. Nesse local, nas proximidades da Rua Santa Quitéria existiu até a década de 70 a Estação Carlos Prates e os armazéns de cargas da RMV ainda existentes.
    É importante destacar que a eletrificação da Rede Mineira empregada nos anos 50 no trecho entre Divinópolis e Belo Horizonte terminava nessa estação. Os trilhos das duas ferrovias corriam paralelamente até a travessia do Ribeirão Arrudas na Gameleira. A partir daí os trilhos da EFCB iam em direção ao Barreiro e ao vale do Paraopeba e os da RMV seguia em direção a Estação Bernardo Monteiro, Betim e para a região centro oeste de Minas Gerais, tendo como paradas Camargos, Berlarmino, Gameleira e Seminário, todas dentro do perímetro da capital.

Projeto do Ramal Férreo de Belo Horizonte em 1894. No projeto é possivel ver a variante de Capitão Eduardo, em estudos desde essa época e parcialmente implantada anos mais tarde.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

Linhas da EFCB e EFOM que atravessavam a capital em 1928.
Fonte: Acervo MHAB

    Para se entender a importância da linha férrea em relação à expansão da malha urbana da capital, um dos motivos para o crescimento urbano de Belo Horizonte ter se direcionado nas primeiras décadas para oeste foi devido a passagem dos ramais da EFCB e da EFOM por essa região, no caso da EFCB seguindo ao longo do Vale do Arrudas e da EFOM em direção ao ainda Distrito de Contagem e Betim. A Vila Oeste (parada Berlarmino) por exemplo, surgiu na década de 30 às margens da linha de Rede Mineira de Viação e figurou durante anos como uma "ilha" no meio do nada, isolada do resto da capital cuja principal comunicação com a região central era feito através dos trens de subúrbio.
   Outra coisa que é interessante observar é o fato das linhas férreas terem surgido antes da plena urbanização de Belo Horizonte, ao contrario do que aconteceu em outros centros urbanos onde foi necessária a demolição e desapropriação de grandes áreas para a implantação das linhas. Salvo a região central de Belo Horizonte que, como se verá mais adiante, para resolver os problemas relacionados ao tráfego e aos inúmeros acidentes que ocorriam todas as semanas nas passagens de nível foi necessária na década de 70 uma demolição em massa de diversos quarteirões na região da Lagoinha com o intuito de se resolver os inconvenientes gerados pelos trilhos que atravessavam uma das áreas mais movimentadas da capital. Mesmo assim, a implantação das linhas logo nos primeiros anos da nova capital proporcionou na década de 80 uma maior facilidade na implantação do metrô de superfície, visto que ele utilizou, em grande parte o leito das linhas da RFFSA (EFCB e RMV).
    Existiu também na capital outro ramal que atendia a população, a linha Horto Florestal - Matadouro que trafegava com trens de subúrbio entre essa região e o Barreiro. Esse ramal era destinado aos trens de carga que faziam a ligação com o Matadouro do bairro São Paulo e com os depósitos da Esso que se situavam na beira da linha. Considerado antieconômico esse ramal foi desativado em 1969. O interessante é que a construção desse ramal foi cogitado pela CCNC quando da construção do Ramal de Belo Horizonte em 1894, como solução para as dificuldades da transposição do vale do Arrudas. Na década de 20 a sua construção também foi estudada pela EFCB para solucionar o problema da travessia da região central de Belo Horizonte pelos trens de carga. Na verdade a Central chegou a construir algumas pontes na década de 20 e na década de 70 a RFFSA preparou todo o terreno para a implantação da variante, que foi abandonado pouco tempo depois por falta de verba. Ainda é possível identificar o traçado dessa variante, assim como as pontes que ainda existem na região, mesmo que todo o seu entorno encontra-se atualmente muito adensado.

Trem de Subúrbio da Central passando sob o Viaduto da Avenida do Contorno em construção no final da década de 20.
Fonte: APM

A mesma composição da EFCB nas proximidades do cruzamento com a Avenida Bernardo Monteiro.
Fonte: APM

Parte da zona suburbana de Belo Horizonte vista desde o bairro Floresta onde se vê sinalizados o leito das ferrovias que cruzavam a região central.
Fonte: APM

Os trilhos, a sociedade e os acidentes

    Os acidentes ferroviários sempre fizeram parte do cotidiano do Belorizontino. Os pontos mais críticos nas primeiras décadas do Século XX eram os cruzamentos da Avenida do Contorno nas proximidades da Estação Central e o cruzamento da Praça Vaz de Melo na Lagoinha, todos atravessados pela linha dos Bondes que atendiam a região. Os acidentes, frequentes foram se agravando ao longo das décadas e levou a construção do Viaduto da Floresta em 1937. Esse viaduto acabou com um dos cruzamentos mais perigosos que existiam na região central da capital, ao mesmo tempo que proliferavam as passagens de nível com a expansão da malha urbana ao longo das linhas férreas. As citações abaixo, extraídas da excelente Dissertação da Pesquisadora e Historiadora Helena Guimarães Campos nos revela uma parte do cotidiano vivido pelos moradores da capital nas décadas de 20 e 30:

1923 - 10 de janeiro. Um trem da Central colhe um bonde na travessia das suas linhas junto aos armazéns da av. do Contorno. Houve uma morte e vários passageiros do bonde feridos.” (PENNA, Notas Cronológicas, 1997; 189)

Na noite de 5 de abril de 1926, houve um grave desastre de bonde na travessia das Estradas de Ferro Central e Oeste de Minas, caminho do bairro Floresta, quando desabava sôbre a Capital um terrível aguaceiro. O bonde, de que era o motorneiro José Fontes, foi apanhado por uma composição, ao que parece em recuo, resultando o tombamento do coletivo que foi esmagado por uma das pranchas...” (MOURÃO, 1970; 378).

As linhas de bonde Carlos Prates e a da Oeste de Minas passam paralelas ali na rua do Ramal. Cruzam no princípio da Rua Peçanha e no fim da rua Paraíso. Aquela passagem é perigosíssima. Já não são poucos os desastres ali verificados. Para evitar encontros, há duas guaritas: uma da Força e Luz [Cia. operadora do bonde] e outra da Oeste. Mas ainda não é o suficiente, nós achávamos que se colocassem uma porteira na rua Paraíso, a coisa ficaria melhor e resolvida. Na rua do Ramal então, o perigo é permanente. As linhas de trem e de bonde correm paralelas, no meio da rua. Não há uma cerca, um muro que proteja o povo. Os habitantes daquela rua têm que andar sobressaltados eternamente.” (O CARLOS PRATES. A favela de Belo Horizonte. Estado de Minas. Belo Horizonte, 29 out. 1931. p. 8).

   Para se ter uma ideia da morosidade do Poder Público para se resolver tal problema o decreto autorizando a unificação dos trilhos na região central data de 1925 mas na verdade ele foi de fato cumprido apenas no inicio da década de 60.

Parte da Planta de 1928 onde estão destacadas as principais passagens de nível da região central.
Fonte: APCBH

Avenida do Contorno no local onde se construiu o Viaduto da Floresta na década de 30. Na imagem pode-se ver uma composição da RMV exatamente no local onde suas linhas se encontravam com as linhas do Bonde Floresta.
Fonte: BH Nostalgia

Rua do ramal na década de 40. Na parte mais elevada a direita pode-se ver o antigo leito da RMV.
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Octacílio Negrão de Lima, 1948.

Locomotiva da RMV saindo da Estação Central no final da década de 1940.
Fonte: Acervo Augusto Guerra Coutinho

    Os trilhos da Rede Mineira de Viação que atravessavam a Praça Vaz de Melo²¹ na Lagoinha e seguia pela Rua Mauá eram os que pediam uma maior urgência em sua remoção. Rara era a semana que o trem não descarrilhava em algumas das passagens de nível que existiam na Lagoinha. Com o peso da composição os trilhos afundavam e o trem descarrilhava. Quando acontecia tal imprevisto era necessário um trem rebocador para coloca-lo de volta nos trilhos, o que não acontecia em um curto espaço de tempo, o que gerava inúmeros transtornos para a população que tinha que se deslocar da região central para a Avenida Antônio Carlos e a região da Lagoinha.
   O problema gerado pelos trilhos na região central era tão grave que foi publicado na revista O Cruzeiro em 1960 uma matéria intitulada "Uma cidade contra os trilhos" na qual era exposto o grave problema dos trilhos na região central de Belo Horizonte. Para se ter uma ideia somente na região central da capital e mais próximas da Avenida do Contorno existiam 24 passagens de nível ao longo das linhas férreas que cortavam o tecido urbano, sendo que a maioria apresentava apenas como sinalização a "Cruz de Santo André". Daí pode-se imaginar o quanto eram frequentes os acidentes dentro do perímetro de Belo Horizonte. É bom ressaltar que grande parte dos acidentes eram causados pela imprudência dos motoristas e pedestres que se arriscavam em atravessar a linha mesmo quando a passagem já se encontrava fechada pelas cancelas.

Região da Lagoinha na década de 40.
Fonte: APCBH Coleção José Góes

Capa da matéria da Revista O Cruzeiro de 1960 sobre o caos causado pelos trilhos na região central de Belo Horizonte.
Fonte: Acervo Revista O Cruzeiro

Foto integrante da mesma matéria onde se vê o Trem de passageiros da RMV atravessando a Praça Vaz de Melo na Lagoinha.
Fonte: Acervo Revista O Cruzeiro
 
Linhas da EFCB (RFFSA) na Avenida do Contorno na década de 60. Na imagem à direita pode-se ver o Viaduto da Rodoviária em construção, com a finalidade de se eliminar as passagens de nível da região central.
Fonte: Desconhecida

Leito da EFCB e RMV na Planta de 1961.
Fonte: APM

    Diante do caos iminente causado por essa "guerra" antes silenciosa, mas que havia atingido o seu ápice em 1960 o Prefeito Jorge Carone, em uma das suas primeiras realizações como Prefeito da capital remove os trilhos da Rede Mineira de Viação que atravessavam a região da Lagoinha e que seguiam pela Avenida Nossa Senhora de Fátima, considerada as passagens de nível mais perigosas da capital, visto que era a principal ligação da região central com as Avenidas Pedro II e Antônio Carlos e aos bairros adjacentes às avenidas, sendo que passou a se utilizar apenas os trilhos da EFCB, de bitola mista e já sob a administração da RFFSA, ao longo da Avenida do Contorno até a altura da Estação Carlos Prates, pertencente a RMV, além da recomposição asfáltica das vias que abrigavam os trilhos. Era o inicio da lenta supressão das passagens de nível da região central, finalizada com a construção às pressas dos Viadutos da Rodoviária, marcando o inicio da requalificação e demolição, com objetivos específicos de parte da região da Lagoinha, que tem como principal marco a demolição da Praça Vaz de Melo em 1981.
   Ainda assim se tem registros ao longo da década de 70 de diversos acidentes nas passagens de nível, onde se destaca o grave acidente entre um ônibus e um trem na passagem de nível da Rua Conquista suprimida após esse acidente. Posteriormente os trilhos foram assentados ao lado da Avenida do Contorno, com a finalidade de alargamento da via devido aos frequentes congestionamentos que a região enfrentava nos horários de pico. A implantação do metrô na década de 80 veio a extinguir a maioria das passagens de nível mais problemáticas dentro do perímetro da capital mineira.

Obras na Praça Vaz de Melo quando da remoção dos trilhos da RMV na década de 60.
Fonte: APCBH/ASCOM

Rua Mauá nas proximidades da Rua Paraíso no inicio da década de 60 onde existia uma passagem de nível.
Fonte: APCBH/ASCOM

Obras de alargamento da Rua Mauá quando da remoção dos trilhos.
Fonte: APCBH/ASCOM

A mesma rua onde se vê os trilhos do Bonde e à direita o antigo leito da RMV.
Fonte: APCBH/ASCOM

Avenida do Contorno na Lagoinha na década de 60, onde se vê os trilhos unificados da Central do Brasil e da Rede Mineira na passagem de nível da antiga Rua Berilo. A Ponte em primeiro plano foi construída em 1940, na gestão JK e se configurava como uma das vias de ligação da Lagoinha com a região central via Rua Acre.
Fonte: Skyscrapercity/ViniciosBH  

    Os trens suburbanos tiveram durante varias décadas prioridade sobre os trens de cargas, pois eles faziam a ligação entre as vilas e cidades mais distantes do centro da capital. Essa realidade começou a mudar a partir da década de 50 com a instalação de diversas mineradoras em torno de Belo Horizonte, sendo o Ramal do Paraopeba o principal escoadouro do minério de ferro extraído da região, em particular o minério extraído pela Mannesmann e posteriormente pela MBR na Mina de Águas Claras. Foi também na década de 50 que as ferrovias começaram a apresentar um enorme déficit devido à diminuição do transporte de cargas e de passageiros causados pelo investimento do Governo na malha rodoviária e dos interesses da iniciativa privada, que via a ferrovia como um grande concorrente para o transporte rodoviário que começava a se consolidar de fato.
    A criação da Rede Ferroviária Federal - RFFSA encampou praticamente toda a malha ferroviária do estado e ao longo das décadas de 60 e 70 os trens de passageiros foram sendo suprimido aos poucos, permanecendo praticamente em operação os trens de subúrbio que atendiam a região metropolitana de Belo Horizonte, criada em 1973.

Vista aérea de Belo Horizonte no inicio da década de 70 onde se vê os Viadutos da Lagoinha e Rodoviária finalizados, o que levou a supressão das passagens de nível da região.
Fonte: BH Nostalgia

Estação Central no ano de 1976 onde se vê à esquerda o Trem de Suburbio que atendia a Rio Acima, Raposos e Sabará.
Fonte: http://tremriodoce.blogspot.com.br/ Paulo Roberto de Oliveira Cerezzo 1976.

    Em 1996 com a privatização das linhas administradas pela RFFSA o transporte de passageiros da RMBH foi suprimido, pois a licitação para a concessão do uso das linhas abrangia apenas os trens de carga, uma manobra bem pensada em favor dos segmentos da sociedade que defendiam (e ainda defendem) os seus interesses, em detrimento da mobilidade urbana.
     Dos trens resta apenas a memória de quem os utilizava e que faziam parte do cotidiano do Belorizontino e do Mineiro em geral. E passados mais de quinze anos da sua supressão ainda vemos essas mesmas classes impedirem o progresso do metrô de superfície, uma medida de urgência para o alivio, ainda que seja por um curto espaço de tempo do grave problema do tráfego que se espalhou por toda a capital. Infelizmente essas classes ainda agem como se estivéssemos há um Século atrás, em uma época que qualquer novidade ou beneficio para a população era vista com desconfiança pelas "sociedades tradicionais" que compunham a infante Belo Horizonte. Uma capital nova impregnada de velhos interesses.

Estação da Gameleira - EFCB na década de 40.
Fonte: Desconhecida

A mesma Estação no ano de 2012 em ruínas³¹.
Fonte: Foto do Autor

Antigos armazéns da Rede Mineira de Viação no bairro Carlos Prates.
Fonte: Foto do Autor

Passagem de nível no bairro São Geraldo, uma das últimas ainda existentes na capital.
Fonte: Foto do Autor

Locais das antigas passagens de nível na Lagoinha em imagem de Satélite de 2008.
Fonte: Google Earth

Antiga Estação Carlos Prates da Rede Mineira de Viação.
Fonte: Google Earth

Antigo leito da EFCB e da RMV na região central de Belo Horizonte.
Fonte: Google Earth



¹ EFCB – Estrada de Ferro Central do Brasil
  EFOM – Estrada de Ferro Oeste de Minas
  RMV ex EFOM – Rede Mineira de Viação
  RFFSA – Rede Ferroviária Federal S/A

² Fonte: BARRETO, Abílio. Belo Horizonte: Memória Histórica e Descritiva, Vol. II 1996.

²¹ A Praça Vaz de Melo se localizava mais ou menos no local hoje cortado por parte do Complexo da Lagoinha, um pouco abaixo das ruas Além Paraíba e Itapecerica. A passarela existente no local foi construída onde existiam as casas defronte à Praça.

³ Existem em meio digital diversos sites com um excelente conteúdo sobre a história das Ferrovias do Brasil. Recomendo, entre outros o site www.estacoesferroviarias.com.br e o www.oestedeminas.org . Existe também, como já citei no artigo a excelente tese da Historiadora Helena Guimarães Campos “Da inclusão a exclusão social: A trajetória dos trens de subúrbio da região metropolitana de Belo Horizonte (1976 - 1996)”.

³¹ É revoltante a forma que tratam o patrimônio remanescente do transporte de passageiros no Brasil. A maioria das antigas Estações ou foram demolidas ou estão caindo aos pedaços, em dezenas de lugares os trilhos foram removidos ou roubados (o Ramal Corinto - Diamantina é um exemplo clássico dessa supressão, mesmo que as Estações continuem "preservadas"). No caso de Belo Horizonte a única coisa que se tem a fazer em relação a essa Estação é torcer para que ela resista até o inicio das obras do Metrô do Barreiro, que só Deus sabe quando terá inicio... se é que não vão demolir o tal prédio, com a justificativa de que não tem verba para restaurá-lo, entre outras desculpas. Do Poder Público pode-se esperar qualquer coisa... 

Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

gif maker Córrego do Acaba Mundo 1928/APM - By Belisa Murta/Micrópolis