Trabalhos de tubulação do Ribeirão Arrudas em 1895 nas imediações da Praça da Estação onde se vê as duas primeiras bicicletas que chegaram ao arraial de Belo Horizonte.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

    15 de Abril é o Dia do Ciclista. A bicicleta, como se vê na imagem acima sempre esteve presente no cotidiano do belorizontino desde a construção da capital. Ela figurava nos primeiros anos da nova capital como uma alternativa para o deslocamento da população, pois o transporte público ainda engatinhava e as áreas atendidas pelos Bondes se restringiam a área central e o bairro Funcionários.
   Com a popularização do automóvel individual ao longo dos anos e a incrementação do transporte coletivo, ainda que deficitário devido ao rápido crescimento urbano a bicicleta foi sendo deixada de lado, sendo utilizada apenas em pequenos deslocamentos ou no dia a dia por uma pequena parcela da população, geralmente a de baixa renda. A necessidade do rápido deslocamento da população também contribuiu para a diminuição do uso da bicicleta como meio de transporte diário. Ao longo das décadas a cidade cresceu, inflou, a área central de Belo Horizonte passou a não comportar mais o numero cada vez maior de veículos.
   O adensamento populacional, antes restrito na área central se espalhou pelos bairros adjacentes e em conseqüência o pedestre e o ciclista foram perdendo cada vez mais espaço para os automóveis. A bicicleta, para muitos iria servir apenas para lazer e para as crianças se divertirem tal a falta de incentivo e espaço para o seu uso e circulação.
    A popularização das bicicletas com um maior numero de marchas (Mountain Bikes) a partir dos anos 90, paralelamente as discussões sobre o meio ambiente e a qualidade de vida nos grandes centros urbanos retomou-se o conceito do uso da bicicleta como uma alternativa para a diminuição do uso dos automóveis, visando desafogar o transito e contribuindo para a melhoria da qualidade do ar entre outras coisas.
   A bicicleta é uma ótima alternativa para o caótico transito de Belo Horizonte. Tanto ela quanto o transporte coletivo deveria receber uma maior atenção do Poder Público, pois o rodízio de veículos e o incentivo no uso da bicicleta são as melhores soluções para a diminuição do transito na capital. A construção de mais ciclovias para difundir o uso da bicicleta se faz necessária para incentivar a população a usar tal meio de transporte. Atualmente, competir com os veículos motorizados é uma tarefa apenas para os corajosos amantes da bicicleta e para quem já a adotou como o principal meio de transporte.
    Belo Horizonte tem atualmente 22 km de ciclovias localizadas nas avenidas Tereza Cristina, Andradas, Saramenha, Deputado Álvaro Camargo, Vilarinho e na Orla da Lagoa da Pampulha, ou seja, são ciclovias fragmentadas utilizadas na sua maioria por pedestres ou para lazer. O Poder Público, ao que parece já se conscientizou da necessidade do incentivo da bicicleta como meio de transporte alternativo como se lê na citação abaixo, em conformidade com uma boa parcela da população mundial que já utiliza a bicicleta como alternativa.

“A BHTRANS reconhece os benefícios do uso da bicicleta como meio de transporte para a cidade e para os cidadãos. Além de desafogar o trânsito, a bicicleta não polui, promove a melhoria da saúde de quem pedala, é um veículo de baixo custo de aquisição e de manutenção, é silencioso e flexível em seus deslocamentos”.

    O projeto Pedala BH, lançado no inicio de 2011 tem como objetivo promover ou resgatar o uso da bicicleta na capital, criando facilidades para quem optar por esse meio de transporte. Está planejada a construção de cerca de 365 km de ciclovias espalhadas por toda Belo Horizonte interligadas com as Estações de Metrô, facilitando assim o deslocamento em curta distancia para quem optar também pelo uso dos trens urbanos. Atualmente as ciclovias das Avenidas Américo Vespúcio e Risoleta Neves e da Rua Professor Morais e Bernardo Monteiro estão em fase de implantação. O novo Plano Diretor de Belo Horizonte também orienta para a construção de ciclovias no vale do ribeirão Arrudas. Segundo o Projeto as ciclovias irão ocupar inicialmente a calha dos córregos (fundos de vale) que cortam a capital, hoje canalizados.


Projeto da Rota Cicloviária Leste.
Fonte: PBH/BH TRANS


Projeto da Roda Cicloviária Noroeste.
Fonte: PBH/BH TRANS


Projeto da Rota Cicloviária Américo Vespúcio.
Fonte: PBH/BH TRANS

    A necessidade de conscientização da população para o uso de um transporte alternativo se faz necessária, pois a maioria dos motoristas vêem o ciclista como um empecilho em meio ao caótico transito belorizontino. Observa-se que a maioria acredita que as vias foram feitas para automóveis, desconhecendo os reais motivos que levaram a Comissão Construtora a conceber a Planta da capital nos moldes que conhecemos. Além disso, a cidade não foi projetada para automóveis, recém inventado naquele momento, ela foi projetada visando à qualidade de vida da população e a salubridade, entre outras finalidades na qual não se tem necessidade de expor aqui nesse momento.
     Atualmente o ciclista é visto pela maioria dos motoristas como “persona non grata” no trânsito da capital, um obstáculo no fluxo viário. Por isso é que vemos tanto desrespeito ao ciclista diariamente, que são obrigados a se defenderem como podem das “feras de aço”.
     Finalizando: “mataram” o transporte coletivo (leia-se ferrovias ou tudo que se movimenta sobre trilhos) para viverem engarrafados dentro de si no cotidiano viário. Ainda há tempo de reverter esse quadro, falta apenas iniciativa e boa vontade para investir e afastar todo e qualquer tipo de interesse individual que persiste em atrasar o desenvolvimento urbano. E tomara que toda a malha cicloviária realmente saia do papel.


Projeto da Ciclovia Savassi (Rua Professor Morais e Avenida Bernardo Monteiro).
Fonte: PBH/BH TRANS


Implantação da Ciclovia na Rua Professor Morais em Abril de 2011.
Fonte: Foto do Autor.


Implantação da mesma Ciclovia.
Fonte: Foto do Autor.


Folder explicativo da BH Trans sobre o espaço destinado aos veiculos e pedestres na Rota Cicloviária Leste.
Fonte: PBH/BH TRANS

Parte da Planta de 1895 onde se vê em destaque o Córrego dos Pintos.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

    O Córrego dos Pintos  é um dos cursos d’água pertencentes à bacia do Ribeirão Arrudas, afluente da sua margem direita¹. Totalmente canalizado em toda a sua extensão ele tem as suas nascentes localizadas nas encostas do bairro Gutierrez, nas proximidades da Rua Benjamin Jacob. A outra nascente se localiza nas proximidades da Avenida Raja Gabaglia, perto do Circulo Militar. Esse curso d’água seguia mais ou menos paralelamente à Avenida André Cavalcanti, indo-se juntar ao curso principal pouco abaixo do cruzamento desta avenida com a Avenida Francisco Sá. Nesse mesmo local existiu o arraial ou povoado dos Pintos, núcleo contemporâneo do arraial do Curral del Rey e demolido somente nos anos 30 devido a expansão urbana para essas áreas². A partir daí o córrego seguia o seu curso pelo vale onde foi aberta a Avenida Francisco Sá e Rua Jaceguai indo desaguar no Arrudas no local onde foi construída anos mais tarde a fábrica de móveis Minart.


O córrego dos Pintos e o arraial na Planta Geodésica e Topográfica de 1895.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

    Com exceção de algumas pontes construídas, como por exemplo, a ponte da Rua Erê, principal ligação do arraial do Calafate com a área central de Belo Horizonte nas primeiras décadas do Século XX e das casas ao longo de sua vertente na Avenida do Contorno o córrego manteve o seu leito praticamente intacto ate o inicio dos anos 30. A notável expansão urbana que se dá na capital a partir dessa década, motivada principalmente pelas inúmeras vilas que foram surgindo ao redor da zona urbana obrigou o Poder Público a investir nas áreas reservadas para expansão urbana e que na sua maioria pertenceu às terras das antigas colônias agrícolas, anexadas à zona suburbana no começo da década de 10 (o vale do córrego dos Pintos pertenceu a antiga colônia Carlos Prates).


O vale do córrego dos Pintos e o arraial em destaque na Planta Cadastral de 1928.
Fonte: APCBH

    No inicio de 1935 teve-se o inicio da canalização do córrego, desde a sua confluência com o Arrudas até a Rua Platina. Em 1940 com o prolongamento da Avenida Amazonas a canalização foi estendida até o cruzamento desta avenida. Sobre o córrego canalizado abriu-se a Avenida Francisco Sá, como lemos na citação abaixo, de 1940:

“O inicio da canalização do Córrego dos Pintos, em 1940, foi determinado pelo prolongamento da Avenida Amazonas, rumo ao grande centro industrial mineiro, que, em breve, será o Parque Industrial do Ferrugem, projetado e construído pelo governo do Estado. Cortando a citada corrente, foram as suas águas canalizadas em tubos de concreto armado, para que sobre eles passasse a avenida Amazonas. Fizeram-se então 97,00 metros de canalização. Mas, iniciado p serviço, chegamos à conclusão que todo o córrego dos Pintos deveria ser canalizado, isto é, do trecho já feito sob a avenida Amazonas, à rua Platina, pois dali até o Arrudas os trabalhos já se achavam concluídos. E sobre o leito do córrego, retificado e canalizado pelo sistema coberto, vem sendo aberta a avenida Francisco Sá”.(Relatório do Prefeito Juscelino Kubitschek de Oliveira, 1941).


Canalização do córrego dos Pintos em 1940.
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Juscelino Kubitschek de Oliveira,1941.


Vista das vertentes do córrego dos Pintos a partir da Caixa d'água do Barroca (Pedra Bonita). À direita uma pequena parte da Olaria que existiu no arraial dos Pintos.
Fonte: BH Nostalgia

    A canalização de fundo de vale propicia uma ocupação mais sistemática das vertentes de um curso d’água além de permitir a abertura de vias (Avenidas Sanitárias) que melhoram o escoamento do trânsito e proporcionam alternativas em caso de congestionamentos. Na maioria das vezes essas avenidas tornam-se o principal eixo de ligação entre as vias arteriais, responsáveis pela ligação centro-bairro e as vias locais. Podemos citar a Avenida Prudente de Morais e a Avenida Silviano Brandão como exemplos de vias coletoras construídas em fundo de vale. No caso do córrego dos Pintos a sua canalização facilitou a ocupação das suas vertentes, primeiramente a área compreendida entre o reservatório dos Pintos (Pedra Bonita) e a Avenida Francisco Sá. Nas décadas seguintes com o adensamento do bairro Gutierrez a canalização foi estendida até as suas nascentes além da necessidade de ampliação das suas galerias até o ribeirão Arrudas. Ao mesmo tempo em que o córrego era canalizado a Avenida Francisco Sá era estendida sobre ele, tornando-se a principal ligação entre o bairro Gutierrez e a área central. Na década de 90 o córrego foi novamente descoberto para a ampliação da galeria na Avenida Francisco Sá.


Canalização do córrego dos Pintos na Rua Jaceguai.
Fonte: APCBH/ASCOM


Canalização do córrego dos Pintos nas proximidades da confluência com o Arrudas. Ao fundo a Avenida Teresa Cristina.
Fonte: APCBH/ASCOM


Canalização do mesmo córrego na Avenida Francisco Sá.
Fonte: APCBH/ASCOM


Canalização do córrego dos Pintos na confluência com o Arrudas. Atualmente o córrego neste local está sob o quarteirão compreendido entre a Avenida Teresa Cristina e Rua Ituiutaba.
Fonte: APCBH/ASCOM

Canalização (alargamento) da calha do córrego dos Pintos na Avenida Francisco Sá em 1966. As obras executadas nesse período faziam parte do projeto Nova BH 66. 
Fonte: APCBH/ASCOM

     O córrego dos Pintos faz parte dos cursos d’água esquecidos pela capital uma vez que a sua canalização foi iniciada há mais de setenta anos ocultando-o completamente da paisagem urbana e inserido nos quase 200 quilômetros de canalizações em canal fechado existentes sob as vias urbanas de Belo Horizonte. Como acontece com outros cursos d’água da capital, periodicamente nos períodos de chuva as enchentes são inevitáveis e consequentemente problemáticas, pois o volume d’água que escoa das vertentes é grande devido principalmente a impermeabilização do solo, apesar de muitas ruas dos bairros Gutierrez e Barroca serem calçadas, o que felizmente permite a penetração de parte da água no solo. São cursos d’água lembrados pelo Poder Público apenas nesse período, ainda que a maioria da população desconheça a sua existência sob as vias.


Traçado atual do córrego dos Pintos nos bairros Gutierrez e Prado.
Fonte: Google Earth


Foz do córrego dos Pintos na Avenida Teresa Cristina.
Fonte: Foto do Autor


Mapa da sub-bacia do córrego dos Pintos.

* Adoto o topônimo "Pintos" por causa do "Arraial do Pinto", habitado por inúmeros membros da família Pinto, ainda que nas plantas da CCNC seja utilizado o topônimo "Pinto" para o curso d'água e no relatório de JK (1941) seja usado "Pintos".

¹ Impressiona o pesquisador a falta de critério em relação aos nomes dos cursos d’água da capital. Com exceção dos córregos que atravessam a área planejada dentro dos limites da Contorno os outros cursos d’água existentes, na sua maioria, simplesmente constam nas cartas confeccionadas pela Prefeitura como “sem nome” ou com os nomes trocados. Muitos deles aparecem com dois ou três nomes ao longo do seu curso, adotando sempre o nome das ruas ou avenidas que existem sobre ele. Se o curso d’água não deixou de existir não justifica, propositalmente, trocar o seu nome ou simplesmente esquecê-lo, lembrando que grande parte das denominações dos córregos foram dadas há mais de duzentos anos, em conformidade com a tradição portuguesa na escolha dos nomes (Toponímia). Atualmente se encontram disponibilizadas em meio digital as cartas e plantas cadastrais de Belo Horizonte, inclusive as confeccionadas pela Comissão Construtora no final do Século XIX. Isso facilitou o acesso a estes documentos evitando assim algumas burocracias perante os órgãos detentores das plantas e cartas citadas. Poucas horas de pesquisa são suficientes para corrigir todos os lamentáveis equívocos que se vê nas cartas atuais das sub-bacias de Belo Horizonte e região.

² Certamente o fato das terras do povoado terem sido inseridas na colônia agrícola Carlos Prates ajudou a prorrogar a sua existência até meados dos anos 30, data do inicio do seu desaparecimento. O povoado dos Pintos é um exemplo da persistência do rural nas áreas destinadas à zona suburbana de Belo Horizonte, visto que a Olaria que existia no povoado (na área abaixo ao Tribunal de Pequenas Causas) desde o Século XIX foi demolida somente no final dos anos 40.

Parte da Planta de 1895 onde se vê em destaque o Córrego do Mendonça (01) e o Córrego do Zoológico (02). Sinalizado em azul está o local em que se abriu um desvio das águas do córrego no inicio do Século XX.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

    Conforme publicado no Artigo “Qualquer semelhança não é mera coincidência – os cursos d‘água que atravessam a capital” os córregos que atravessavam as áreas pertencentes ao arraial de Belo Horizonte e que foram incluídas nas zonas urbana e suburbana segundo a Planta Cadastral de 1895 foram ignorados pela Comissão Construtora da Nova Capital. A Planta elaborada não estava em concordância com o traçado dos cursos d’água que cortavam as ditas zonas dividindo, inclusive diversos quarteirões da zona urbana. A partir da década de 1920 os córregos da Serra, Leitão, Pastinho e Acaba Mundo foram retificados e canalizados em concordância com o traçado planejado de Belo Horizonte¹, primeiramente em canalização aberta. A partir dos anos 1960 eles foram revestidos e fechados, devido à necessidade de alargamento das vias por causa do aumento do fluxo viário e dos problemas acarretados pela poluição das águas. Os outros córregos que cortavam as zonas urbana e suburbana, em sua maioria foram também retificados e canalizados, porém revestidos e sobre eles foram abertas diversas ruas e avenidas. Podemos citar como exemplos os córregos do Gentio (Avenida Francisco Deslandes), das Piteiras (Avenida Barão Homem de Melo / Silva Lobo) e do Tejuco (Via Leste-Oeste).
   Abordaremos nesse artigo o Córrego do Mendonça / Zoológico que faz parte da rede hidrográfica existente sob a capital. Posteriormente serão publicados outros dois artigos referentes aos Córregos do Pastinho e dos Pintos. Esses cursos d’água fazem parte de uma extensa rede hidrográfica que existia por toda a capital e que na sua maioria transformaram-se em condutores de esgoto ou foram extintos. Muitos cursos d’água tributários desses córregos também deixaram de existir devido a ocupação e impermeabilização de suas nascentes.
   E porque estes córregos são malditos? Os córregos eram na verdade indesejados pela Comissão Construtora que os ignoraram ao projetar a Planta da Nova Capital. Muitos deles tinham as margens brejosas e pequenas lagoas em sua várzea, o que tornava em muitos casos a região insalubre para a ocupação. Para tornar as áreas adjacentes aos cursos d’água habitáveis e salubres era necessário vultuosos investimentos por parte do Poder Público além de uma dispendiosa mão de obra. Esse foi um dos principais motivos da ocupação inicial de Belo Horizonte ter sido propositalmente direcionada para a região central e parte do bairro Funcionários. Para que essas terras não permanecessem desocupadas as colônias agrícolas se instalaram nelas à partir de 1897 nos vales dos principais córregos, a saber: a Colônia Carlos Prates nos vales dos Córregos do Pastinho e dos Pintos, a Colônia Afonso Pena no vale do Leitão, a Colônia Adalberto Ferraz nos vales dos córregos do Gentio e Acaba Mundo, a Colônia Bias Fortes no córrego do Cardoso e a Colônia Américo Werneck no córrego da Mata. Anexadas a zona suburbana alguns anos mais tarde as ex colônias foram sendo sistematicamente loteadas e urbanizadas e os cursos d’água retificados e canalizados. E esquecidos, pois depois de canalizados e desviados do seu curso natural eles foram simplesmente “apagados” do meio urbano, lembrados somente nos períodos de chuva quando transbordam ou quando se faz necessária à intervenção para ampliação de galerias, reparos etc. Geralmente a população não tem noção de que ali havia um curso d’água “in natura” e muitos não conseguem compreender que um dia existiu um córrego no seu bairro. Belo Horizonte tem em seu município diversas micro-bacias. Atualmente para se conhecer os limites dessas bacias é necessário um estudo sistemático das Plantas antigas para se localizar com mais precisão o traçado dos cursos d’água pertencentes as tais bacias.


Córrego do Mendonça (01) na Planta Geodésica e Topográfica de 1895.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP; 1997. 

   O Córrego do Mendonça tem a sua nascente localizada na Encosta do Ilídio, na parte aonde onde se inicia a Rua Viçosa. Totalmente canalizado ele segue por uma parte desta rua, atravessa a área onde se encontra o Clube Mackenzie, segue pelas ruas Benvinda de Carvalho e Arturo Toscanini. Atravessando a Avenida do Contorno ele segue pela Rua Levindo Lopes e Antonio de Albuquerque juntando-se ao Córrego do Zoológico, que tinha a sua nascente localizada na área ocupada atualmente pelo Minas Tênis Clube. A partir daí ele segue pelas ruas Felipe dos Santos e Rio de Janeiro, indo desaguar no Córrego do Leitão no cruzamento das ruas São Paulo e Gonçalves Dias. Antes de ter suas águas desviadas o córrego do Mendonça, após atravessar a Avenida do Contorno seguia mais ou menos paralelamente as ruas Alagoas e Pernambuco, indo desaguar no Acaba Mundo nas proximidades do antigo Largo da Boa Viagem, centro do arraial do Curral del Rey. Por se um curso d’água de pouca vazão ele sequer foi cogitado para o abastecimento da nova capital. Ele apresentava um maior volume d’água somente nos períodos chuvosos, quando causava transtornos para a população de parte do bairro dos Funcionários. Na época do arraial provavelmente ele não causava contratempos para a população adjacente, pois a maior parte do seu entorno se encontrava desocupada quando do inicio da construção da nova capital no final do Século XIX. Devido ao problema que ocorria nos períodos chuvosos o seu curso foi desviado logo nos primeiros anos da nova capital, como se vê no relatório do Prefeito Bernardo Monteiro, datado de 1900:

“Para desviar as águas, que em epochas de grandes chuvas, invadiam a Rua Alagoas, parte das de Santa Rita Durão e Pernambuco, ocasionando grandes estragos, foi preciso, alem de outras providencias já tomadas, abrir na “Garganta do Ilídio” uma grande valla para lhes dar passagem da bacia do Capaosinhos para a do Leitão”.

    Nos anos que se sucederam o desvio das águas do Córrego do Mendonça o restante do seu leito não sofreu alterações. Somente na década de 20 é que se inicia a ocupação sistemática das áreas adjacentes ao seu curso. Diante dessa expansão urbana a Prefeitura realizou nos últimos anos da década os serviços de canalização do Córrego do Zoológico (Mendonça) na Rua Levindo Lopes, segundo o relatório do Prefeito Christiano Machado em 1929:

“Este serviço foi feito a partir do ponto em que o córrego encontra a 1ª face da Avenida Contorno”. “A canalização foi conduzida por esta avenida ate a Rua Levindo Lopes e por esta ate a Rua Antonio de Albuquerque ligando-se ali a canalização já existente.” 


Canalização do Córrego do Mendonça na Rua Levindo Lopes no final dos anos 20. Ao fundo a Rua Leopoldina, parte do bairro Santo Antônio e o bairro Sion em formação.
Fonte: APM


Canalização do Córrego do Zoológico nos terrenos do Minas Tênis Clube (Parque Santo Antônio) em 1929.
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Christiano Monteiro Machado, 1929.


Canalização do córrego do Zoológico e calçamento da Rua Rio de Janeiro, nas proximidades do cruzamento com a Rua Alvarenga Peixoto.
Fonte: APM

    Pode-se observar que a canalização ocorreu somente nas áreas atravessadas pelo córrego dentro da Contorno. As áreas mais próximas da sua nascente localizadas na zona suburbana correspondente a parte dos bairros Santo Antonio e São Pedro foram ocupadas de fato a partir dos anos 50 sendo o córrego então canalizado ate as proximidades da sua nascente. Com o saneamento dos quarteirões correspondentes ao local onde se estabeleceria o Zoológico no inicio dos anos 30 o Córrego do Zoológico, que recebia grande parte das águas desviadas do Córrego do Mendonça foi também canalizado até a sua confluência com o Córrego do Leitão. Durante um período os Córregos do Mendonça e do Zoológico ficaram livres dos esgotos, apesar do crescimento urbano de Belo Horizonte ter se expandido para essas áreas. A partir de 1930 os emissários construídos para tal finalidade ainda suportavam a quantidade de efluentes gerados pela população. Com o vertiginoso crescimento a partir dos anos 40 eles se converteram em emissários de esgotos, pois o Poder Público não acompanhou o crescimento populacional no que diz respeito aos equipamentos urbanos.


Foto aérea de 1953 e 1956 respectivamente onde está destacado o leito do Córrego do Mendonça na área onde atualmente está o Clube Mackenzie e a Rua Benvinda de Carvalho. É importante lembrar que nos períodos chuvosos os quarteirões e construções edificadas sobre o leito dos cursos d'água costumam apresentar sérios problemas em decorrência do aumento do volume d'água no canal.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte: FJP. 1997. 


Alargamento das galerias do Córrego do Mendonça na Rua Arturo Toscanini no final dos anos 60.
Fonte: APCBH/ ASCOM


Canalização do Córrego do Zoológico/Mendonça na Rua Rio de Janeiro.
Fonte: APCBH/ ASCOM


Canalização do mesmo córrego no cruzamento das ruas Rio de Janeiro e Antônio Aleixo.
Fonte: APCBH/ ASCOM

    Nos anos 60 o canal do córrego foi reaberto com a finalidade de aumentar a sua galeria ao longo da Rua Rio de Janeiro até sua confluência com o Leitão. Desde então foram feitas apenas algumas manutenções periódicas em suas galerias. O córrego do Mendonça é o exemplo clássico de como os cursos d’água de menor importância para Belo Horizonte foram erradicados do meio urbano em prol do embelezamento da capital e do progresso. No caso a canalização do Mendonça foi realizada entre as décadas de 30 e 60 permitindo a abertura de quarteirões no seu antigo leito e a ocupação de uma parte significativa do bairro São Pedro.


Córrego do Zoológico em foto de 2008.
Fonte: Acervo SUDECAP


Manutenção das galerias do Córrego do Mendonça no ano de 2011 sob a Rua Congonhas.
Fonte: Foto do Autor


Traçado atual do Córrego do Mendonça/Zoológico e o antigo leito do Mendonça canalizado no bairro Funcionários.
Fonte: Google Earth


¹ Foram abertas três novas ruas quando da canalização do córrego do Leitão: Padre Belchior, Marilia de Dirceu e Bárbara Heliodora. Já o córrego do Pastinho foi canalizado de acordo com o projeto da Avenida Sanitária (Pedro II) elaborado no final dos anos 1920.
Parte da Planta Cadastral de 1931 na qual se destaca o projeto da Cidade Universitária.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte: FJP. 1997. 103 p.

O Campus Universitário ou Cidade Universitária, em que se vê acima em parte da Planta Cadastral de 1931 estava projetado para ser construído dentro da zona urbana de Belo Horizonte, nos limites da Avenida do Contorno. A área do Campus corresponde hoje a cerca de 30 quarteirões distribuídos pelos bairros de Lourdes e Santo Agostinho. No caso do bairro Santo Agostinho a área do Campus corresponde a quase 90%de todo o bairro atualmente. Segundo a Planta, o Campus faria limite com a Barroca, área que se localizava no final da Avenida Amazonas, no cruzamento com a Avenida Itacolomi, atual Barbacena.
Entre 1897, ano da inauguração da capital e o final dos anos 20 as áreas situadas no sul da capital praticamente permaneceram despovoadas, pois eram áreas reservadas pelo Poder Público para a expansão das classes mais abastadas da capital, planejamento de fato consolidado com a expansão do bairro de Lourdes, nas vertentes do Córrego do Leitão a partir dos anos 20 e posteriormente com a criação do bairro Cidade Jardim Fazenda Velha no inicio dos anos 40. A Planta acima não levava em consideração a Favela da Barroca, que existiu até meados dos anos 40 nas áreas ocupadas atualmente pela Assembléia Legislativa e por parte dos bairros Santo Agostinho e Lourdes. Essa ocultação da real ocupação urbana era comum nas primeiras Plantas de Belo Horizonte pois o Estado procurava preservar ao máximo a imagem da capital como um exemplo de organização e bem estar social.
A imagem abaixo, obtida do local aproximado aonde hoje se encontra a Trincheira da Raja Gabaglia mostra parte da margem esquerda do Leitão e algumas cafuas pertencentes à dita Favela em área que ainda não estava regularizada conforme a Planta da CCNC de 1895.

Imagem obtida das proximidades da Trincheira da Avenida Raja Gabaglia, onde se vê parte da margem esquerda do Córrego do Leitão com a presença de algumas cafuas que pertenceram a Favela da Barroca. Ao fundo o bairro de Lourdes e a direita a Avenida do Contorno.
Fonte: BH Nostalgia

O inicio da ocupação dessa região, assim como a construção do bairro Cidade Jardim iniciou-se pouco tempo após esse registro fotográfico. Essa parte da cidade integrava o projeto de expansão projetado pelo Poder Público que se consolidou na Gestão JK que planejava ai um bairro ocupado pelas elites, ou seja, planejado apenas para uma pequena parcela da população belorizontina e servindo como exemplo para a difusão de Belo Horizonte como uma cidade moderna, imagem que JK buscava materializar a qualquer custo.
Como o Campus Universitário seria instalado nas terras da recém desapropriada (1942) Fazenda Dalva (Campus da UFMG na Pampulha) as áreas antes reservadas para a sua construção na zona urbana foram loteadas e vendidas a particulares como parte de um projeto de maior controle de expansão urbana promovida na gestão JK que atingiu também a zona suburbana. A Cidade Jardim, como dito anteriormente foi um bairro planejado para a população mais abastada teve a sua construção iniciada no inicio dos anos 40. Nessa mesma década foram doadas a Igreja terras para a edificação de instituições de ensino Católicas e posteriormente foram construídas as Faculdades de Farmácia e de Odontologia, esta em frente ao Museu.

Calçamento e regularização da Rua Conde de Linhares. A direita parte do bairro de Lourdes e ao fundo a área central de Belo Horizonte.
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Octacílio Negrão de Lima, 1948.

Calçamento e regularização da Avenida Olegário Maciel.
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Octacílio Negrão de Lima, 1948.

O bairro de Lourdes, visto a partir da Rua Tomás Gonzaga, no cruzamento da Avenida Olegário Maciel.
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Octacílio Negrão de Lima, 1948.

Parte dos bairros Cidade Jardim e Santo Agostinho em fotografia aérea de 1956. Nesse periodo os bairros ainda não estavam densamente ocupados, como se pode ver na imagem diversos quarteirões ainda vazios.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte: FJP. 1997. 103 p.

Área projetada para a Cidade Universitária em destaque. Nessa imagem, do ano de 2008 é notável o adensamento dos bairros abordados, consequência do processo de verticalização iniciado em meados dos anos 70 e acentuado à partir do ano de 2005.
Fonte: Google Earth

Fonte: Portal PBH - Regional Centro-Sul

Publico hoje um Mapa referente ao Artigo "Qualquer semelhança não é mera coincidência – o destino dos cursos d’água que atravessam a capital". O mapa, de autoria da PBH nos mostra a situação atual dos três cursos d'água abordados no Artigo e que atravessam a área central de Belo Horizonte, no caso o Acaba Mundo, o Leitão e o Serra. Além disso podemos visualizar no mapa os limites das três sub-bacias que integram a Bacia do Ribeirão Arrudas além de parte da bacia do dito Ribeirão e também a sub-bacia do Córrego dos Pintos. No mapa também consta o tipo de canalização empregada nos cursos d'água. Conforme dito no Artigo o destino dos três cursos d'água foi o mesmo: foram integrados a rede de esgoto da capital. Como se encontram revestidos sob as ruas e avenidas de Belo Horizonte para identifica-los muitas vezes é necessária uma consulta as antigas Plantas da cidade de Belo Horizonte.
Capa do processo de desapropriação da Fazenda do Freitas em 1895. Em suas terras foi construída em 1897 a Usina de Freitas.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

A Usina de Freitas foi responsável pela iluminação publica e particular nos primeiros anos da nova capital. As obras de construção foram iniciadas no inicio de 1897 nas proximidades do local aonde se encontra a Estação de tratamento do Arrudas, nas terras da antiga Fazenda do Freitas. Foi construída uma represa um pouco acima da cachoeira existente no local sendo então a Usina construída na margem esquerda do ribeirão. Em 1900 a prefeitura, visando aumentar a capacidade do reservatório executou obras na barragem com o intuito de elevá-la, aumentando sensivelmente a geração de energia da Usina.
Ate a inauguração da Usina do Rio de Pedras em 1906 a Usina de Freitas foi a única fornecedora de energia elétrica para Belo Horizonte e devido a sua limitada capacidade de geração de energia a prefeitura restringia a instalação de eletricidade nas residências. Com a instalação dos serviços de Bondes em 1902 o serviço que já era deficiente tornou-se ainda pior devido a priorização por parte da prefeitura do fornecimento a esses serviços em detrimento da iluminação publica e particular.
O fornecimento de energia era deficiente ao ponto da prefeitura ser obrigada a racionar energia devido a baixa do Arrudas. Devemos lembrar que o ribeirão sempre foi um curso d água de pouca vazão. Para se ter idéia da precariedade dos serviços, em 1905 com a finalidade de reparar um motor elétrico da usina a prefeitura suspendeu por 15 dias o transporte de bondes após as 18:30.
Com a entrada em funcionamento da Usina de Rio de Pedras em 1906 a Usina de Freitas foi perdendo gradativamente sua importância devido à baixa produção de energia. Suas funções eram de abastecer os serviços de viação urbana e luz da capital e após a inauguração da Usina do Rio de Pedras ela passou a abastecer exclusivamente a Viação. Mesmo assim esse serviço era extremamente prejudicado devido ao baixo volume d’água do Arrudas sendo que no período das secas o reservatório praticamente se esvaziava durante a noite. Ainda assim ela era importante, pois com as constantes interrupções do Rio de Pedras era a Usina de Freitas quem abastecia a cidade de eletricidade. Essa precariedade da Usina do Rio de Pedras devia-se principalmente pelo fato das poucas indústrias da capital absorver nos primeiros anos de funcionamento praticamente toda a sua produção de energia, ao mesmo tempo de que a Usina ainda não estava funcionando em plena capacidade para a geração de energia.

Usina de Freitas sinalizada na Planta Cadastral de Belo Horizonte de 1940. O primeiro circulo destaca a primeira Usina construída em 1897 e o segundo circulo destaca a segunda, ainda em funcionamento. Grande parte dos arruamentos que se vê na Planta ainda não estavam abertos em 1940 existindo somente no papel.
Fonte: Acervo MHAB

Alguns anos mais tarde foi construída uma nova Usina um pouco abaixo da primeira com a finalidade de reforçar o abastecimento de energia de Belo Horizonte. Essa segunda Usina ainda existe e é utilizada atualmente para o abastecimento de energia de uma Indústria de Fertilizantes, mas a primeira Usina de Freitas após a sua desativação foi abandonada e atualmente existem apenas as suas ruínas, como vemos nas fotos abaixo.

Ruínas da primeira Usina de Freitas, um pouco abaixo da Cachoeira do Ribeirão Arrudas. Além do tempo, o aumento da vazão do Ribeirão devido a impermeabilização do solo e da canalização do ribeirão e de seus afluentes contrubuíram para a deteriorização do prédio pois o volume d'água nos periodos chuvosos aumentou consideravelmente, afetando diretamente a Usina.
Fonte: Foto do Autor

Outra parte das ruínas da mesma Usina.
Fonte: Foto do Autor

Imagem de Satélite do ano de 2008 onde estão sinalizadas as duas Usinas.
Fonte: Google Earth

Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

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