Parte da Planta de 1895 onde se vê em destaque o Córrego dos Pintos.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

    O Córrego dos Pintos  é um dos cursos d’água pertencentes à bacia do Ribeirão Arrudas, afluente da sua margem direita¹. Totalmente canalizado em toda a sua extensão ele tem as suas nascentes localizadas nas encostas do bairro Gutierrez, nas proximidades da Rua Benjamin Jacob. A outra nascente se localiza nas proximidades da Avenida Raja Gabaglia, perto do Circulo Militar. Esse curso d’água seguia mais ou menos paralelamente à Avenida André Cavalcanti, indo-se juntar ao curso principal pouco abaixo do cruzamento desta avenida com a Avenida Francisco Sá. Nesse mesmo local existiu o arraial ou povoado dos Pintos, núcleo contemporâneo do arraial do Curral del Rey e demolido somente nos anos 30 devido a expansão urbana para essas áreas². A partir daí o córrego seguia o seu curso pelo vale onde foi aberta a Avenida Francisco Sá e Rua Jaceguai indo desaguar no Arrudas no local onde foi construída anos mais tarde a fábrica de móveis Minart.


O córrego dos Pintos e o arraial na Planta Geodésica e Topográfica de 1895.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

    Com exceção de algumas pontes construídas, como por exemplo, a ponte da Rua Erê, principal ligação do arraial do Calafate com a área central de Belo Horizonte nas primeiras décadas do Século XX e das casas ao longo de sua vertente na Avenida do Contorno o córrego manteve o seu leito praticamente intacto ate o inicio dos anos 30. A notável expansão urbana que se dá na capital a partir dessa década, motivada principalmente pelas inúmeras vilas que foram surgindo ao redor da zona urbana obrigou o Poder Público a investir nas áreas reservadas para expansão urbana e que na sua maioria pertenceu às terras das antigas colônias agrícolas, anexadas à zona suburbana no começo da década de 10 (o vale do córrego dos Pintos pertenceu a antiga colônia Carlos Prates).


O vale do córrego dos Pintos e o arraial em destaque na Planta Cadastral de 1928.
Fonte: APCBH

    No inicio de 1935 teve-se o inicio da canalização do córrego, desde a sua confluência com o Arrudas até a Rua Platina. Em 1940 com o prolongamento da Avenida Amazonas a canalização foi estendida até o cruzamento desta avenida. Sobre o córrego canalizado abriu-se a Avenida Francisco Sá, como lemos na citação abaixo, de 1940:

“O inicio da canalização do Córrego dos Pintos, em 1940, foi determinado pelo prolongamento da Avenida Amazonas, rumo ao grande centro industrial mineiro, que, em breve, será o Parque Industrial do Ferrugem, projetado e construído pelo governo do Estado. Cortando a citada corrente, foram as suas águas canalizadas em tubos de concreto armado, para que sobre eles passasse a avenida Amazonas. Fizeram-se então 97,00 metros de canalização. Mas, iniciado p serviço, chegamos à conclusão que todo o córrego dos Pintos deveria ser canalizado, isto é, do trecho já feito sob a avenida Amazonas, à rua Platina, pois dali até o Arrudas os trabalhos já se achavam concluídos. E sobre o leito do córrego, retificado e canalizado pelo sistema coberto, vem sendo aberta a avenida Francisco Sá”.(Relatório do Prefeito Juscelino Kubitschek de Oliveira, 1941).


Canalização do córrego dos Pintos em 1940.
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Juscelino Kubitschek de Oliveira,1941.


Vista das vertentes do córrego dos Pintos a partir da Caixa d'água do Barroca (Pedra Bonita). À direita uma pequena parte da Olaria que existiu no arraial dos Pintos.
Fonte: BH Nostalgia

    A canalização de fundo de vale propicia uma ocupação mais sistemática das vertentes de um curso d’água além de permitir a abertura de vias (Avenidas Sanitárias) que melhoram o escoamento do trânsito e proporcionam alternativas em caso de congestionamentos. Na maioria das vezes essas avenidas tornam-se o principal eixo de ligação entre as vias arteriais, responsáveis pela ligação centro-bairro e as vias locais. Podemos citar a Avenida Prudente de Morais e a Avenida Silviano Brandão como exemplos de vias coletoras construídas em fundo de vale. No caso do córrego dos Pintos a sua canalização facilitou a ocupação das suas vertentes, primeiramente a área compreendida entre o reservatório dos Pintos (Pedra Bonita) e a Avenida Francisco Sá. Nas décadas seguintes com o adensamento do bairro Gutierrez a canalização foi estendida até as suas nascentes além da necessidade de ampliação das suas galerias até o ribeirão Arrudas. Ao mesmo tempo em que o córrego era canalizado a Avenida Francisco Sá era estendida sobre ele, tornando-se a principal ligação entre o bairro Gutierrez e a área central. Na década de 90 o córrego foi novamente descoberto para a ampliação da galeria na Avenida Francisco Sá.


Canalização do córrego dos Pintos na Rua Jaceguai.
Fonte: APCBH/ASCOM


Canalização do córrego dos Pintos nas proximidades da confluência com o Arrudas. Ao fundo a Avenida Teresa Cristina.
Fonte: APCBH/ASCOM


Canalização do mesmo córrego na Avenida Francisco Sá.
Fonte: APCBH/ASCOM


Canalização do córrego dos Pintos na confluência com o Arrudas. Atualmente o córrego neste local está sob o quarteirão compreendido entre a Avenida Teresa Cristina e Rua Ituiutaba.
Fonte: APCBH/ASCOM

Canalização (alargamento) da calha do córrego dos Pintos na Avenida Francisco Sá em 1966. As obras executadas nesse período faziam parte do projeto Nova BH 66. 
Fonte: APCBH/ASCOM

     O córrego dos Pintos faz parte dos cursos d’água esquecidos pela capital uma vez que a sua canalização foi iniciada há mais de setenta anos ocultando-o completamente da paisagem urbana e inserido nos quase 200 quilômetros de canalizações em canal fechado existentes sob as vias urbanas de Belo Horizonte. Como acontece com outros cursos d’água da capital, periodicamente nos períodos de chuva as enchentes são inevitáveis e consequentemente problemáticas, pois o volume d’água que escoa das vertentes é grande devido principalmente a impermeabilização do solo, apesar de muitas ruas dos bairros Gutierrez e Barroca serem calçadas, o que felizmente permite a penetração de parte da água no solo. São cursos d’água lembrados pelo Poder Público apenas nesse período, ainda que a maioria da população desconheça a sua existência sob as vias.


Traçado atual do córrego dos Pintos nos bairros Gutierrez e Prado.
Fonte: Google Earth


Foz do córrego dos Pintos na Avenida Teresa Cristina.
Fonte: Foto do Autor


Mapa da sub-bacia do córrego dos Pintos.

* Adoto o topônimo "Pintos" por causa do "Arraial do Pinto", habitado por inúmeros membros da família Pinto, ainda que nas plantas da CCNC seja utilizado o topônimo "Pinto" para o curso d'água e no relatório de JK (1941) seja usado "Pintos".

¹ Impressiona o pesquisador a falta de critério em relação aos nomes dos cursos d’água da capital. Com exceção dos córregos que atravessam a área planejada dentro dos limites da Contorno os outros cursos d’água existentes, na sua maioria, simplesmente constam nas cartas confeccionadas pela Prefeitura como “sem nome” ou com os nomes trocados. Muitos deles aparecem com dois ou três nomes ao longo do seu curso, adotando sempre o nome das ruas ou avenidas que existem sobre ele. Se o curso d’água não deixou de existir não justifica, propositalmente, trocar o seu nome ou simplesmente esquecê-lo, lembrando que grande parte das denominações dos córregos foram dadas há mais de duzentos anos, em conformidade com a tradição portuguesa na escolha dos nomes (Toponímia). Atualmente se encontram disponibilizadas em meio digital as cartas e plantas cadastrais de Belo Horizonte, inclusive as confeccionadas pela Comissão Construtora no final do Século XIX. Isso facilitou o acesso a estes documentos evitando assim algumas burocracias perante os órgãos detentores das plantas e cartas citadas. Poucas horas de pesquisa são suficientes para corrigir todos os lamentáveis equívocos que se vê nas cartas atuais das sub-bacias de Belo Horizonte e região.

² Certamente o fato das terras do povoado terem sido inseridas na colônia agrícola Carlos Prates ajudou a prorrogar a sua existência até meados dos anos 30, data do inicio do seu desaparecimento. O povoado dos Pintos é um exemplo da persistência do rural nas áreas destinadas à zona suburbana de Belo Horizonte, visto que a Olaria que existia no povoado (na área abaixo ao Tribunal de Pequenas Causas) desde o Século XIX foi demolida somente no final dos anos 40.

2 comentários:

  1. Alessandro,
    Acabo de visitar este site sem saber no inicio que era de sua autoria.
    Achei muito legal e me trouxe de volta lembranças da infância.
    Um abraço.
    Mauricio Santiago ( encontro na Prodabel semana passada)

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  2. Excelente texto. Precisamos de mais arquivos como este.

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