Conseqüência do crescimento que tem caracterizado ultimamente, o movimento imobiliário de Belo Horizonte, principalmente voltado para as construções de apartamentos, em altura, passou a ser objeto do maior interesse a questão da chamada zona comercial e sua ampliação, porquanto só nela se permitem edifícios de vários pavimentos”. Sylvio de Vasconcelos, em artigo de 1956 sobre a construção de edifícios na região central de Belo Horizonte.


Imagem noturna da Avenida Afonso Pena na década de 50, um retrato da Belo Horizonte com ares de Metrópole.
Fonte: APM

A formação da Metrópole Industrial

   Em 1950 Belo Horizonte já havia entrado no caminho para a metropolização, apresentando uma população de cerca de 352.000 habitantes. A industrialização iniciada na década de 40 na capital incentivou o aumento do fluxo migratório em direção a Belo Horizonte e o parcelamento do solo, que empurrou o crescimento urbano para todas as direções, principalmente as regiões norte e oeste devido ao seu relevo de menor declividade. Nessa década o adensamento na área central já chamava a atenção pela rapidez que se concretizava, incentivado pela verticalização, um fenômeno que se tornou incontrolável na década seguinte.
Esse crescimento urbano acentuou ainda mais os conhecidos problemas que a capital sofria havia décadas: os serviços básicos, onde se destaca o abastecimento de água e o transporte público que acompanhava precariamente a expansão urbana. Para tentar acompanhar o crescimento urbano foram inaugurados em 1952 os serviços de trolebus, ônibus movidos a eletricidade. A expansão urbana e a falta de investimentos nos serviços de Bondes tornavam o transporte cada vez mais obsoleto, restringindo-o a poucas linhas em comparação com o transporte feito por ônibus, extremamente deficiente ao comparar com o crescimento da malha urbana¹.


Mapa do Município de Belo Horizonte do ano de 1953. Pode-se observar a expansão urbana para os eixos Oeste e para o Norte motivadas pela Cidade Industrial e pela Pampulha, respectivamente.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP; 1997.

   As Avenidas Amazonas e Antonio Carlos, consolidadas na década passada foram responsáveis pela articulação entre o centro e os bairros periféricos que iam surgindo no entorno das vias. Mesmo sendo grande o aumento populacional nessa década ainda existiam diversos locais que apresentavam uma baixíssima taxa de adensamento populacional, que formavam “ilhas” entre as vilas e bairros nas proximidades das vias principais. Com a consolidação da Cidade Industrial o crescimento urbano se acentuou para o oeste, atingindo a região do Barreiro e posteriormente para o norte, na direção da Pampulha. Foi durante a década de 50 que se deu a conurbação de Venda Nova, distrito anexado a Belo Horizonte em 1949. Essa conurbação teve inicio quando da criação dos bairros Jardim Pampulha, Jardim Leblon, Santa Branca entre outros bairros que tiveram como eixos norteadores de criação do Complexo da Pampulha, a Cidade Universitária e posteriormente a Cidade Industrial.


Bonde em trânsito na Rua São Paulo.
Fonte: APCBH/ASCOM


Bonde na Avenida Cristovão Colombo.
Fonte: APCBH/ASCOM


Trólebus em circulação na Praça Raul Soares em 1952.
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Américo Renne Giannetti, 1952.


Bonde fechado em trânsito na Avenida Carandaí.
Fonte: William Janssen/The Tramways of Brazil.


Bonde na Rua Campos Sales.
Fonte: William Janssen/The Tramways of Brazil.

   Em 1950 Belo Horizonte já se destacava no cenário nacional como uma dos mais importantes centros urbanos do país, mas ainda apresentava problemas de infra estrutura datados do inicio do Século, no que diz respeito ao abastecimento de água e de energia.
   A criação da CEMIG em 1952 impulsionou o crescimento industrial, limitado até o inicio da década de 50 devido à pequena demanda energética, motivo que desde o inicio do Século atrasava o desenvolvimento industrial da capital. A Cidade Industrial, incorporada a Contagem em 1953 se consolidou nessa década, recebendo mais indústrias e criando vilas operarias para facilitar o deslocamento para as indústrias. Com energia elétrica abundante e sendo servido exclusivamente pelo Manancial da Catarina, construído exclusivamente para atender a sua demanda hídrica a Cidade Industrial do Ferrugem caminhava a passos largos.
   Deve-se entender que o acentuado crescimento urbano que se verificou a partir de 1950 está estritamente ligado ao desenvolvimento industrial. Os anos 50 podem ser considerados de fato como a década da industrialização no Estado. Esse desenvolvimento da Cidade Industrial deu-se por três motivos cruciais: ao abastecimento de água, proveniente do manancial da Catarina, a regularização do fornecimento de energia, com a criação da CEMIG e com a abertura das rodovias ligando Belo Horizonte ao Rio de Janeiro e a São Paulo, principais mercados consumidores do Brasil. A construção das rodovias beneficiou enormemente a capital e a partir da construção de Brasília Belo Horizonte ficou a meio caminho dela e passagem obrigatória de quem vinha do Rio de Janeiro.


A Cidade Industrial nos seus primeiros anos vista desde a atual Avenida Eugênio Pacelli.
Fonte: APCBH/ASCOM


Companhia Cimenteira Itaú e a Vila dos Operários (Vila Itaú).
Fonte: APCBH/ASCOM


A Rodovia BR-3 recém aberta nas proximidades de Belo Horizonte.
Fonte: Acervo IBGE

   Se o problema energético se encontrava resolvido, já com o abastecimento de água não era bem assim. Desde os primeiros anos da nova capital o abastecimento de água era deficitário em relação à demanda populacional e ao longo das décadas esse déficit só aumentou, mesmo com a captação sendo estendida para os mananciais do Mutuca no final dos anos 40 e dos Fechos em 1953, além dos córregos cujas nascentes se localizam nas vertentes da Serra do Rola Moça.
   Na década de 50 o problema se agravou ainda mais, a ponto de faltar água na região central da capital em alguns horários do dia. Em muitas vilas mais distantes e nas favelas o abastecimento regular de água ainda era um sonho distante. Visando reverter esse caótico quadro a Municipalidade resolve adotar ao longo da década de 50 uma série de medidas visando normalizar o abastecimento.

   Os cursos d’água começavam a apresentar os resultados do crescimento desenfreado de Belo horizonte. Os emissários de esgotos existentes haviam sido projetados dentro do contexto do período em que foram construídos, ou seja, uma cidade com residências de poucos andares, com uma população que crescia em ritmo lento, dentro de todo o contexto social e urbano da época.
   A partir dos anos 50 o problema dos lançamentos dos esgotos in natura nos cursos d’água se agravou, devido principalmente a incapacidade dos emissários de receberem tantos resíduos, na sua maioria domésticos. Nesse período o Poder Público nada fez para ao menos resolver em parte esse problema, limitando-se apenas a executar obras de pequeno porte nas redes já existentes. E os cursos d’água, em particular o ribeirão Arrudas foram entrando em rota de colisão com a sociedade, que passou então a enxerga-los como um “problema”. Problema esse que seria “resolvido” nas décadas seguintes. Data desse período o saneamento do Parque Municipal, cujas águas poluídas do Córrego do Acaba Mundo desaguava nos lagos, tornando-os insalubres devido aos esgotos e detritos trazidos pelas águas.


Construção do Reservatório do Morro Redondo na segunda metade dos anos 50.
Fonte: APCBH/ASCOM


Construção do mesmo reservatório, ao fundo, em primeiro plano a área onde se construiu a Barragem Santa Lúcia e os bairros Santo Antônio e Luxemburgo.
Fonte: APCBH/ASCOM


Obras do Reservatório em 1958.
Fonte: APCBH/ASCOM


Inicio das obras da Estação de Tratamento de Água do Morro Redondo. Ao fundo as áreas ocupadas atualmente pelos bairros São Bento, Luxemburgo e Avenida Raja Gabaglia.
Fonte: APCBH/ASCOM


Ribeirão Arrudas nos anos 50 no Barro Preto.
Fonte: APCBH/ASCOM


Canalização do Córrego do Acaba Mundo no Parque Municipal.
Fonte: APCBH/ASCOM


Preparação do solo para a canalização e desvio do mesmo córrego.
Fonte: APCBH/ASCOM

   A especulação imobiliária nessa década cresceu significativamente. Ela foi na verdade um prefácio dos anos 60, década em que inicia de fato a derrubada em massa de grande parte das primeiras construções da capital¹¹.
Esse adensamento da área central foi motivo de criticas em vários segmentos da sociedade, que não via com bons olhos a construção de edifícios de uso residencial em uma área que deveria ser exclusivamente de comércio e de serviços, funções que a região central passou a exercer de fato no final dos anos 20. Mas como o regulamento de construções feito alguns anos antes pelo Poder Municipal permitia a verticalização apenas na área central e restrito ao resto da zona urbana e adjacências, era natural que ai se instalasse os grandes condomínios residenciais que ainda existem alternados com o comercio e serviços. Uma verdadeira miscelânea de funcionalidades, como escreveu Sylvio de Vasconcelos em 1956:

“Edifícios de apartamento não é comercio. É habitação, residência, e, portanto, tais obras, devem ser construídas em zona residencial e não comercial. Por um lapso do atual regulamento de construções da municipalidade (que, parece, não os previa) ficaram enquadrados no centro da cidade, sujeitos as mesmas determinações e regalias dos edifícios para fins exclusivamente comerciais”. 

 Certamente o Regulamento de Construções da Prefeitura foi elaborado para permitir a ocupação residencial na região central. O concreto armado permitiu a verticalização e o adensamento da área central a partir da década de 30. E como o regulamento restringia a construção de edifícios acima de três pavimentos na região central era natural que o regulamento apresentasse uma brecha para a construção de edifícios exclusivamente residenciais. Os construtores, que nessa altura já faziam pressão para o aumento da área permitida para a verticalização acumulariam mais capital e a Municipalidade, por sua vez arrecadaria mais impostos, ou seja, um excelente negócio para todos. Em contrapartida a qualidade de vida da população se deteriorou em poucos anos, ao mesmo tempo em que o comércio na região central entrava em uma lenta decadência, como se verá nas décadas seguintes.
  A especulação se espalhou por toda a capital, principalmente na área central. Os grandes edifícios residenciais tiveram a sua construção iniciada nessa década. Podemos destacar o Condomínio Solar, construído em 1955 e o Conjunto Archangelo Maletta, construído em 1957 como exemplos. Alguns edifícios exclusivamente comerciais também merecem destaque, tais como os edifícios do antigo Banco Mineiro da Produção, construído em 1954 e o edifício Clemente Faria, sede do Banco da Lavoura, inaugurado em 1950, ambos localizados na Praça Sete.
   Outro edifício que não pode deixar de ser citado é o edifício Niemeyer, construído na Praça da Liberdade em 1954, no local onde existiu uma pequena residência construída nos primeiros anos da capital e o Colégio Estadual Central, construído na área ocupada anteriormente pelo Regimento de Cavalaria, transferida para o Prado Mineiro. Foi nessa década que se iniciou a construção do Conjunto JK, nos terrenos doados pelo então Governador Juscelino Kubitschek e pertencentes ao Governo. Projetados pelo Arquiteto Oscar Niemeyer para ser um espaço multifuncional as obras do Conjunto se arrastaram por mais de uma década, sendo entregue para uso residencial apenas no final dos anos 60. Os edifícios alteraram toda a paisagem da região central da capital, se destacando no espaço urbano belorizontino até os dias atuais.

Área central de Belo Horizonte nos anos 50.
Fonte: Acervo IBGE


Praça Raul Soares nos anos 50, onde se vê logo acima os quarteirões onde se construiu o Conjunto JK. Fonte: BH Nostalgia

  Durante toda a década de 50 Belo Horizonte teve o lançamento de 22 novos loteamentos¹². Em comparação com a década anterior verifica-se que houve um decréscimo em relação aos anos 40, mesmo que muitos loteamentos já ocupados foram aprovados nessa década.
   A primeira parte da década de 50 se destaca devido à grande aprovação de loteamentos, motivados pelo crescimento da Cidade Industrial. Foram aprovados 106 loteamentos num total de 79.000 lotes espalhados pela capital. Esse vertiginoso crescimento imobiliário é uma conseqüência da pressão exercida pelos construtores no Poder Municipal daquele período. Deve-se entender que a classe era um dos alicerces das campanhas eleitorais dos prefeitos após o Estado Novo que, ao serem eleitos atendia prontamente as demandas dos grupos aliados.
   Na segunda metade houve um desaquecimento imobiliário motivado pela construção de Brasília, os fluxos migratórios se converteram para lá ate o inicio dos anos 60.


Região central de Belo Horizonte na década de 50.
Fonte: APM


Edifícios do antigo Banco Mineiro da Produção e Clemente Faria, localizados na Praça Sete.
Fonte: Foto do Autor


Conjuntos Residenciais Solar e IAPB, e a esquerda o Conjunto Archangelo Maletta, edificado no local onde existia anteriormente o Grande Hotel, demolido para a sua construção.
Fonte: Foto do Autor


Edifício Niemeyer na Praça da Liberdade.
Fonte: Rodrigo Eyer Cabral


Edifício Panorama, construído em 1959 na Praça ABC.
Fonte: Foto do Autor


Vista do Edifício Clemente Faria nos anos 50.
Fonte: Acervo IBGE


Colégio Estadual Central nos anos 50.
Fonte: APCBH/ASCOM


Construção do Conjunto JK na segunda metade da década de 50.
Fonte: APCBH Coleção José Góes

     O primeiro Plano diretor de Belo Horizonte foi criado em Setembro de 1951 com o objetivo de regular, orientar e organizar o crescimento da capital. Para a sua elaboração foram convidados o urbanista Francisco Prestes Maia, o arquiteto Oscar Niemeyer e o paisagista Burle Max.
   Na primeira metade da década o vertiginoso crescimento urbano dos últimos anos da década de 40 já gerava preocupações por parte da administração municipal, que com os recursos reduzidos via se obrigada a diminuir as obras decorrentes desse crescimento, fato que gerou muita discussão ao longo da década.
   Definitivamente já havia consciência que a capital influenciava o crescimento dos municípios vizinhos, um centro de atração, um embrião da região metropolitana.


Alargamento da Avenida Getúlio Vargas no cruzamento da Avenida do Contorno.
Fonte: APCBH/ASCOM


Cidade Jardim e Avenida do Contorno. Ao fundo a Favela do Querosene.
Fonte: APCBH/ASCOM


Ponte sobre o Córrego da Serra na Rua Monte Alegre.
Fonte: APCBH/ASCOM


Palácio Hotel no local que abrigou o Congresso quando da inauguração da capital no cruzamento da Rua da Bahia e Avenida Afonso Pena.
Fonte: APM

      Para agravar ainda mais o problema os recursos se tornavam cada vez mais escassos devido a política de repasse dos recursos do governo federal, talvez um reflexo da construção da nova capital federal que obrigava o governo federal a direcionar todo e qualquer tipo de investimento para o Planalto Central. Como a capital havia conquistado a autonomia plena na década anterior em relação ao Estado, a verba antes destinada a manutenção da capital foi cortada¹³. Daí que se acentua a desigualdade entre o aumento populacional e os investimentos na infra-estrutura urbana para dar suporte a esse crescimento, fato que se agravou nas décadas seguintes em todos os setores.


Avenida Nossa Senhora de Fátima no final da década de 50.
Fonte: APCBH/ASCOM


Veículos adquiridos pela Prefeitura na década de 50.
Fonte: APCBH/ASCOM


Avenida Afonso Pena após a poda das árvores na década de 50.
Fonte: APM


Avenida do Contorno nas proximidades do Hospital Militar. Ao fundo as Torres da Igreja de Santa Teresa em construção.
Fonte: APCBH/ASCOM

   A região da Pampulha começava a se adensar, devido principalmente a abertura da Avenida Antonio Carlos que acelerou a expansão para o norte da capital. No entorno da Represa foram surgindo residências modernistas, construídas pelas classes mais abastadas que começavam a deixar a região central. Ao mesmo tempo iam surgindo novos bairros ao longo da Antonio Carlos, habitado em grande parte pela classe media e pelo contingente que vinha do interior. É bom lembrar que os fluxos migratórios foram constantes a partir da década de 20, alternando ao longo das décadas grandes fluxos e alguns decréscimos no movimento migratório.
   Voltando a Pampulha: em 1954 foi constatada que a barragem apresentava rachaduras e o acesso a ela foi impedido em caráter de emergência. Para piorar as comportas existentes estavam emperradas e houve uma tentativa de se abrir um canal, conforme sugerido por engenheiros da Mannesmann que foram chamados as pressas. Em 1954 a Barragem rompeu devido ao subdimensionamento na época da sua construção. A nova barragem foi construída somente em 1958, com o dobro de largura da anterior. Quando do rompimento da barragem as áreas situadas mais abaixo na região do Matadouro ficaram completamente alagadas.


Barragem da Pampulha no momento do seu rompimento em 1954.
Fonte: Desconhecida.

Incêndio da antiga sede da Câmara dos Vereadores em 1959, no cruzamento das Avenidas Augusto de Lima e Alvares Cabral, abaixo do Edifício do Conselho Deliberativo. O edifício existiu no local onde se construiu posteriormente a sede do Prevminas.
Fonte: Desconhecida

As Favelas da Capital

   A questão das favelas em Belo Horizonte era antiga. Desde a construção da capital já existiam favelas dentro da zona urbana planejada. Elas abrigaram desde o inicio os operários que trabalhavam na construção da nova capital e a população de baixa renda, a sua maioria expulsa do arraial de Belo Horizonte, antigo Curral Del Rey. As duas Favelas mais citadas pelos autores nesse período são o Alto da Estação, que se localizava na Rua Sapucaí e a Favela do Leitão, que existiu ao longo do Córrego nas proximidades dos bairros de Lourdes e Barro Preto. As duas Favelas foram removidas pelo governo em 1902 e os seus habitantes se assentaram na área atualmente ocupada pela Praça Raul Soares e na região do Santo Agostinho, além da criação de uma Vila Operária no Barro Preto pelo Poder Público. 
   Ao longo das décadas as favelas foram sendo removidas da zona urbana e gradativamente empurradas para a suburbana. Porem os moradores após a remoção se assentava nas proximidades do antigo núcleo, e a favela voltava a existir. Nessa época não existia uma política efetiva de reassentamento, a população era simplesmente removida do local e obrigada a procurar outro local para morar, geralmente em áreas mais afastadas do centro de Belo Horizonte.
   A partir de 1930 as Favelas foram surgindo com uma maior intensidade na capital, sendo compostas na sua maioria pela população originaria do interior, atraídas pelo crescimento econômico da capital.
   Somente nos anos 40 é que se extinguiu um dos últimos aglomerados dentro do perímetro da Avenida do Contorno motivados pelo capital imobiliário, a Favela da Barroca, ao mesmo tempo em que outras iam aparecendo, motivadas pelo crescimento urbano e econômico da capital, empurradas para cada vez mais longe da região central e liberando as áreas pleiteadas pelo capital para serem ocupadas pelas camadas mais abastadas. Nesse contexto a Pedreira Prado Lopes se destacou das demais favelas surgidas no período. Surgida em 1920 nos terrenos da antiga Pedreira da Viação ela foi removida no inicio dos anos 40 com a abertura da Avenida Pedro Lessa. Porém, em 1946 os terrenos da antiga favela voltaram a ser ocupados, permanecendo assim até os dias atuais.
   Na década de 50 existiam cerca de 60 Favelas no município de Belo Horizonte, sendo que a maioria se localizava na Zona Suburbana empurradas para às margens dos rios, então áreas marginalizadas pelo capital e pela população, ocasionadas pela pressão urbana, exceção à Favela Universidade que ocupava os terrenos destinados ao Campus Universitário no bairro Santo Agostinho. Com o constante aumento populacional da capital as Favelas iam surgindo na mesma intensidade em que surgiam as vilas, porém careciam de qualquer equipamento urbano e grande parte da população favelada viviam em condições sub-humanas. O Poder Público Municipal começa a tratar a favelização como uma questão social e cria em 1955 o Departamento de Bairros Populares, órgão que se tornou responsável pela questão. Uma das principais diretrizes do órgão era remover a população somente se ela pudesse ser reassentada em bairros populares. Infelizmente essa medida não foi adotada e o velho sistema de remoção continuou a ser adotado nas décadas seguintes, sendo incrementado até pelo corte do fornecimento de água e luz para a favela que estava em vias de ser removida, uma medida absurda para acelerar a remoção da população²¹. Pode citar como exemplo desse antigo sistema de remoção a Favela da Barroca, no Santo Agostinho. Após a expulsão dos moradores nos anos 40 eles passaram a ocupar uma parte da vertente do Córrego do Leitão na Cidade Jardim, formando o Morro do Querosene já na Zona Suburbana²².


Favela do Pau Comeu no bairro São Lucas.
Fonte: APCBH/ASCOM


Favela do Perrela em formação.
Fonte: APCBH/ASCOM


Favela do Pombal no bairro Serra. Ao fundo a Serra do Curral ainda intacta.
Fonte: APCBH/ASCOM


Buraco do Peru no bairro Carlos Prates.
Fonte: APCBH/ASCOM


Placa em agradecimento ao DBP na Vila São Vicente.
Fonte: APCBH/ASCOM


Caminhão Pipa do Departamento de Bairros Populares fornecendo água para as Comunidades.
Fonte: APCBH/ASCOM

   Belo Horizonte se consolidou nessa década como o principal centro de atração migratório do Estado, o que se traduz nos números demográficos. No final da década a população da capital havia crescido em quase 100%, atingindo a marca de 693.000 habitantes no final de 1959. O êxodo rural, marca das migrações internas, a procura por serviços especializados, encontrados somente nos grandes centros urbanos e a procura pela melhoria de vida foram os principais fatores para tamanho crescimento. A conurbação em direção a Contagem (eixo oeste) e a Venda Nova (eixo norte) era um fato concreto já no final dos anos 50. Era a materialização da Metrópole, um fenômeno que aconteceu nas principais capitais brasileiras entre as décadas de 40 e 70 e que culminou com a criação das regiões metropolitanas. No caso de Belo Horizonte, cidade planejada e racional nos moldes positivistas a metropolização implantou a desordem e o caos, ainda que houvesse diversas tentativas por parte do Poder Municipal para tentar conter e ordenar o crescimento.
  A disparidade entre os equipamentos urbanos necessários para a manutenção da cidade e o seu crescimento era visível e a falta de maiores investimentos por parte do Poder Público agravou ainda mais o problema, que perdurou por grande parte da década seguinte, quando a capital, que crescia sem nenhuma ordenação e em ritmo constante esteve à beira de um colapso, no que diz respeito aos serviços públicos e a infra estrutura urbana.


Vista da região centro-sul de Belo Horizonte em 1960.
Fonte: BH Nostalgia


¹ A Epopéia do Transporte Público de Belo Horizonte é sem dúvida um capitulo a parte na história da capital e será abordado em artigos posteriores.

¹¹ Devo lembrar que Belo Horizonte sempre foi uma cidade em constante obra. É na verdade a contradição de todo o planejamento urbano: da cidade pensada, planejada e organizada ao crescimento desordenado que ocorreu a partir dessa década. Na verdade, desde os anos 20 Belo Horizonte é uma cidade de demolições e construções intermináveis.

¹² Plambel, O Processo de desenvolvimento de Belo Horizonte, 1897-1970.

¹³ Entre 1897 e 1946 o Governo do Estado era responsável pela nomeação dos Prefeitos de Belo Horizonte. Em contrapartida, o Estado dispunha uma verba para ser utilizada na infra-estrutura urbana da capital. Essa intervenção foi necessária nas primeiras décadas pois Belo Horizonte, inaugurada as pressas não dispunha de recursos para ter autonomia em relação ao Estado.

²¹ Não há a mínima necessidade de se comentar uma coisa dessas...

²² Muitos dos antigos moradores da Favela da Barroca formaram posteriormente a Vila dos Marmiteiros que foi durante muito tempo a maior Favela do Município de Belo Horizonte. Desse aglomerado existem atualmente pequenos núcleos ao longo da Avenida Tereza Cristina.

Panorama de Belo Horizonte, extraído do mapa do município de 1922.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP; 1997.

   A Serra do Curral é um monoclinal¹ que faz parte de uma pequena extensão de serras que se estende desde a região de Carmo do Cajuru até as proximidades da cidade de Caeté, a oeste da Serra do Espinhaço. O conjunto de serras se estende por cerca de 93 km na direção leste-oeste e pertence ao Quadrilátero Ferrífero, mais precisamente a sua borda norte. As serras que compõem a borda norte se apresentam com diversas denominações regionais, a saber:
   De oeste para leste: Serra de Itatiaiuçu e Igarapé, Serra Azul, Serra dos Três Irmãos, Serra da Jangada, Serra do Rola Moça, Serra do José Vieira, Serra da Mutuca, Serra da Água Quente, Serra do Curral, Serra do Taquaril e Serra da Piedade. As serras são atravessadas por dois rios: o rio Paraopeba, pouco abaixo de Brumadinho na garganta denominada Fecho do Funil; e o Rio das Velhas na altura de Sabará e que pode ser denominada Fecho de Sabará ou Fecho do Rio das Velhas.


Mapa do Quadrilátero Ferrífero onde se vê na borda norte o Complexo de Belo Horizonte (Complexo da Serra do Curral).

     Nesse artigo o nosso foco será a Serra do Curral, uma das serras pertencentes a esse complexo e que emoldura a cidade de Belo Horizonte, servindo como referencia geográfica para quase toda a região metropolitana.
   Bem conhecida e explorada desde o Século XVIII a Serra das Congonhas, nome primitivo da Serra do Curral não foi alvo dos mineradores que se espalhavam por toda a região das Minas durante todo o Século XVIII, salvo algumas exceções, como as concessões de lavras auríferas na Serra do Mutuca, da qual ainda existem vários vestígios pouco estudados¹¹ e da pequena exploração que existiu na Serra do Taquaril, em meados do Século XIX, da qual dos deu noticia o viajante e explorador inglês Richard Burton no livro “Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho” em 1865.
   Com um dos maiores depósitos de minério de ferro de Minas Gerais e devidamente guardadas pelos portugueses¹¹² as serras permaneceram praticamente intocadas até o inicio do Século XX, quando se começa a explorar o minério de ferro com uma maior intensidade. Atualmente existem algumas minas de ferro em funcionamento no Complexo da Serra do Curral¹², a sua maioria localiza-se nos municípios de Brumadinho, Itatiaiuçu e Igarapé.


O Complexo da Serra do Curral e suas denominações, em imagem de Satélite do ano 2000.

   A Serra do Curral é basicamente composta por itabiritos e hematita, que geralmente se localizam nas partes mais altas formando a crista da serra por serem mais resistentes ao intemperismo. Nas partes mais baixas da Serra tem-se uma predominância de dolomitos e filitos dolomíticos, rochas mais susceptíveis ao intemperismo e responsáveis pela formação dos terraços existentes na região da Lagoa Seca*. Acredita-se que a erosão desse trecho da Serra, compreendido atualmente entre a estrada da Mina de Águas Claras e a MG–30 ocorreu devido a atuação dos agentes intempéricos sobre essa porção da Serra¹³. Daí entende-se o porquê da elevação da temperatura de Belo Horizonte quando se verticalizou o Belvedere no final dos anos 90. Os processos naturais (principalmente a ação dos ventos) que ocorrem nessa porção da Serra foram profundamente modificados a partir da ocupação desenfreada da região². Os prédios construídos nessa região bloquearam as massas de ar provenientes das regiões situadas mais ao sul.
   É na vertente norte da Serra do Curral que nascem grande parte dos córregos que banham a capital e parte da região metropolitana, todos afluentes da margem direita do Ribeirão Arrudas. O Ribeirão Arrudas e alguns córregos que atravessam o Barreiro e parte de Ibirité como os córregos do Clemente e Capão da Posse também tem as suas nascentes localizadas no complexo da Serra do Curral. No município de Belo Horizonte se pode citar os Corregos do Cercadinho, Acaba Mundo e Serra como exemplos de cursos d’água que tem as suas nascentes localizadas na Serra do Curral. Com exceção do Córrego da Serra, cujas cabeceiras se encontram em grande parte preservadas os demais córregos citados apresentam profundas modificações em suas cabeceiras. O Cercadinho teve a sua calha cortada pelas rodovias BR-356 e MG-30. Já no Acaba Mundo existe uma sistemática exploração mineral desde o final do Século XIX.


Mapa Geológico do Quadrilátero Ferrífero (que ainda não havia recebido essa denominação) cuja autoria é de Peter Claussen na primeira metade do Século XIX. Dentro do circulo branco está sinalizado o arraial do Curral del Rey.


A Serra e a cidade

    A Serra do Curral era considerada o marco geográfico do arraial do Curral Del Rey, povoado que surgiu aos seus pés na primeira década do Século XVIII. Desde os tempos coloniais ela representava um marco geográfico para quem vinha pelos caminhos dos Sertões, a Serra funcionava como uma referencia para o arraial e para os outros arraiais e vilas que foram fundadas nas suas imediações. Era mais ou menos o que o Pico do Itacolomi foi para os viajantes, a principal referência geográfica de Vila Rica e Mariana.
   Um dos motivos da escolha do arraial de Belo Horizonte para sede da nova capital de Minas foi o clima e os cursos d’água que nascem na serra, abundantes e que foram durante muitas décadas após a construção da capital os principais mananciais de água que abasteciam a população.
   A Comissão Construtora da Nova Capital, ao se instalar no arraial em 1894 começou a fazer os estudos necessários para a confecção da Planta da capital. Após o termino dos estudos decidiu-se que a cidade projetada seria locada na base da Serra do Curral, principal marco geográfico da região. Quando Aarão Reis apresentou a Planta em 1895 pôde se compreender que o projeto dava maior importância à vista da Serra do Curral, que então podia ser observada de toda a cidade planejada e ela ficava nos seus limites, encaixada entre a serra e o vale do ribeirão Arrudas. Era como uma moldura para a nova capital e muito utilizada como propaganda pelo governo como uma bela cidade serrana, ideal para se viver e para se passar temporadas recuperando-se de moléstias, como já acontecia com Campos do Jordão, famosa pela salubridade de seu clima.


Parte da Planta Geodésica e Topográfica de 1895 aonde está representada a Serra do Curral, de oeste para leste.
Fonte: APCBH Acervo CCNC


Vista do Cruzeiro em primeiro plano e ao fundo a Serra do Curral. À esquerda pode-se ver o Pico do Curral del Rey, atual Pico Belo Horizonte.
Fonte: APCBH Acervo CCNC

   Após a inauguração da capital a Serra do Curral permaneceu praticamente intocada nas primeiras décadas do Século XX²¹. As terras situadas abaixo do paredão da serra, inclusive a Lagoa Seca pertenciam a Fazenda do Capão, de propriedade de Ilídio Ferreira da Luz e desapropriada pelo governo em 1894, quando do inicio da construção da nova capital. Os córregos do Cercadinho e da Serra, cujas nascentes localizam-se na borda norte da Serra tiveram suas terras desapropriadas e foram os primeiros mananciais responsáveis pelo abastecimento de água da capital.
   Com o aumento populacional já nas primeiras décadas do Século XX o abastecimento de água da capital ficou seriamente comprometido, principalmente na Zona Suburbana, área de maior concentração populacional de Belo Horizonte. Para se resolver tal problema o governo iniciou na década de 20 a captação dos cursos d’água que nascem na região do Barreiro e Ibirité, cujas nascentes se localizam no complexo da Serra do Curral (Serras do José Vieira, Capão da Posse e Rola Moça) além de estender a captação para o Córrego da Mangabeira, afluente do Córrego da Serra.


Planta Cadastral de 1936 onde se vê grande parte do Complexo da Serra do Curral.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP;1997.


Ilustração existente no "Mapa de Belo Horizonte" datado de 1939 onde se contempla diversas partes do Complexo.
Fonte: PANORAMA de Belo Horizonte; Atlas Histórico. Belo Horizonte, FJP; 1997. 

   Nas décadas de 40 e 50 teve o inicio da captação do Ribeirão Catarina, para atender exclusivamente a Cidade Industrial e do Córrego do Mutuca. É nessa década que se tem a vinda das grandes mineradoras no complexo da Serra do Curral, iniciada pela Mannesmann em meados dos anos 50.


Área central de Belo Horizonte em 1948. Ao fundo a Serra do Curral e a região da Lagoa Seca.
Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Octacilio Negrão de Lima, 1948.


Crista da Serra do Curral na direção leste onde se vê a área explorada pela Ferrobel pouco tempo depois desse registro.
Fonte: Acervo IBGE


Imagem obtida do alto da Serra do Curral onde se vê a região da Lagoa Seca e adjacências.
Fonte: Acervo IBGE


Imagem do inicio dos anos 60 onde se vê a mina do Acaba Mundo à esquerda e ao fundo as áreas da serra atualmente ocupadas pelos bairros Serra e Mangabeiras.
Fonte: Acervo IBGE


Mina da Mannesmann na Serra da Mutuca, bairro Olhos D'água e pertecente ao Complexo da Serra do Curral. Imagem obtida das margens da antiga Rodovia BR-3.
Fonte: Acervo IBGE


Serra Três Irmãos e Fecho do Funil em Brumadinho, pertecente ao Complexo.
Fonte: Acervo IBGE

   No inicio da década de 60 é autorizada a exploração na Serra do Curral. A Ferrobel (Ferro Belo Horizonte S/A), de capital misto foi criada em 1961 pela Lei Municipal Nº 898 e se instalou na área hoje ocupada pelo Parque das Mangabeiras (Mina das Mangabeiras). A extração de ferro no local durou por quase 20 anos, sendo a mina desativada em 1979 para a implantação do Parque. Essa mina, junto com a Mina de Águas Claras²² mudou drasticamente a fisionomia da serra no local, que atualmente apresenta um rebaixamento do relevo que não existia, à direita do Pico Belo Horizonte.


Implantação da mina da Ferrobel na Serra do Curral.
Fonte: APCBH/ASCOM


Mina da Ferrobel em funcionamento.
Fonte: Portal PBH/URBEL

   A partir dos anos 60 as partes mais altas da capital passaram a ser ocupadas pelas camadas mais abastadas da população vindas da área central da cidade, que começava a entrar em decadência devido ao inchaço populacional. A área ocupada atualmente pelo bairro Mangabeiras pertencia a mina da Ferrobel e foi parcelada em lotes de 1000 m², destinados a população de maior poder aquisitivo e que buscavam uma melhor qualidade de vida, o que as partes mais baixas, extremamente adensadas não ofereciam mais.
   A expansão do bairro Anchieta em direção as nascentes do córrego do Gentio, a expansão dos bairros do Cruzeiro e Serra paralelamente ao prolongamento da Avenida Afonso Pena e a abertura dos bairros Mangabeiras e Comiteco selou a ocupação das áreas mais baixas da serra tombadas pelo IPHAN em 1961 exatamente com o intuito de se preservar a serra contra a especulação imobiliária e contra a expansão das mineradoras, ao mesmo tempo em que garantiria em parte a integridade da serra. Vale lembrar que essa expansão praticamente extinguiu a Favela do Pindura Saia que ficava nas áreas ao entorno da Avenida Afonso Pena. Em conseqüência disso o Aglomerado da Serra se adensou ainda mais, pois grande parte da população do Pindura Saia foi deslocada para a Serra e os moradores se assentaram nas áreas mais altas, pertencentes a Serra do Curral.


Prolongamento da Avenida Afonso Pena nos anos 60 em direção às partes mais altas da capital. No seu entorno se vê fragmentada a Favela do Pindura Saia.
Fonte: APCBH/ASCOM


Serra do Curral nos anos 1970. As duas setas sinalizam as áreas mineradas pela Ferrobel e MBR que mudaram a fisionomia da serra.
Fonte: APCBH/ASCOM

Mina da Ferrobel em plena atividade no ano de 1977. Imagem obtida exatamente na divisa dos municípios de Belo Horizonte e Nova Lima, no local aonde a Serra foi rebaixada pela mineração.
Fonte: APCBH Coleção José Góes

Parte da Mina de Águas Claras na década de 1970.
Fonte: Desconhecida

    Poema de Drummond publicado em 1976, no período em que a MBR e a Ferrobel alteravam o perfil da serra com a intensa exploração mineral:

"Esta serra tem dono. Não mais a natureza 
a governa. Desfaz-se, com o minério, 
uma antiga aliança, um rito da cidade. 
Desiste ou leva bala. Encurralados todos, 
a Serra do Curral, os moradores 
cá embaixo".

    Já na década de 1970 é cedido ao Instituto Hilton Rocha uma parte da serra para a construção de um centro oftalmológico. Essa construção teve impacto direto no complexo da serra, a tal ponto do edifício ser visualizado de diversos pontos da cidade e da região metropolitana. Nessa mesma década a exploração do minério de ferro atingiu a crista da serra modificando profundamente a sua fisionomia, que atualmente apresenta um perfil mais baixo em relação ao complexo da Serra do Curral. Esse impacto teve uma repercussão significativa na sociedade, gerando protestos de diversas entidades (o slogan “Olhe bem para as montanhas” data dessa época) e que culminou com a criação do Parque das Mangabeiras que já existia no papel desde 1966. O Parque foi implantado em 1982 na área da mina da Ferrobel desativada em 1979.


Implantação do Parque das Mangabeiras em 1981 e 1982.
Fonte: Desconhecida


Serras do Rola Moça e Jangada, pertencentes ao Complexo da Serra do Curral em foto de 1985.
Fonte: Desconhecida


Imagem do ano de 2009 onde se vê as mesmas serras com significativas mudanças devido a ação antrópica, onde se destaca a Mina da Jangada, responsável pelo rebaixamento da serra nesse trecho.
Fonte: Foto do Autor

   Atualmente, devido à excessiva verticalização das Zonas Urbana e Suburbana modificou inteiramente o espaço urbano alterou-se a perspectiva da Serra do Curral que se tinha de todas as zonas, singular devido ao traçado feito por Aarão Reis, que dava maior ênfase a Serra. Das partes mais baixas da capital vêem-se apenas fragmentos da Serra tamanha foi a verticalização. A única parte bem visível é o paredão da serra, protegido por ser praticamente impossível de ser ocupado devido ao seu relevo acidentado. O Parque Paredão da Serra e o Parque das Mangabeiras tem como finalidade preservar todo o paredão da serra e suas vertentes, atualmente cobiçadas pelas grandes construtoras que desejam construir condomínios de luxo na região. Em relação a todo o Complexo as mudanças ocorridas foram significativas, principalmente na porção compreendida entre a Serra do Rola Moca e a Serra de Igarapé, transformações que ocorreram e ainda ocorre devido à grande exploração do ferro na região.
   Mesmo com toda a mudança espacial ocorrida nesses quase 115 anos de Belo Horizonte que transformou toda a paisagem a Serra do Curral Del Rey continua sendo a “guardiã” da capital, como foi para o Curral Del Rey e que merece todo o respeito do Poder Público e de toda a população.


Foto aérea onde se vê parte da Serra do Curral, as suas vertentes e áreas mais baixas ocupadas pelo Aglomerado da Serra, Mangabeiras e bairro Serra e as três minas que existiam na serra e atualmente desativadas, a saber:
1 - Mina da Ferrobel; 2 - Mina de Águas Claras; 3 - Mina da Baleia ou Corumi
Fonte: Emerson R. Zamprogno/Panoramio


Imagem obtida das proximidades da Pampulha onde é possível visualizar grande parte da Serra. Em destaque as áreas que apresentam os maiores impactos no seu conjunto.
Fonte: Foto do Autor


Montagem feita a partir dos vários registros da Serra do Curral ao longo dos 115 anos da ocupação urbana da capital.

A metamorfose da paisagem: a Serra do Curral em três períodos distintos, antes, durante e depois das Minas de Águas Claras e das Mangabeiras (Ferrobel).


¹ Monoclinal ou homoclinal é uma dobra que ocorre quando se dá apenas o encurvamento de uma parte da camada (relevo monoclinal).

¹¹ Essas concessões datam da primeira metade do Século XVIII e juntas elas formavam um complexo minerário que se estendia desde a Serra do Mutuca até a Serra da Moeda. Muitas dessas lavras eram ilegais e foram desmanteladas pela Coroa ou mesmo abandonadas, quando do inicio da decadência da exploração do ouro. Ainda é possível identificá-las a olho nu em diversos pontos da Serra.

¹¹² Os primeiros viajantes estrangeiros que pisaram em Minas Gerais após a abertura dos Portos em 1808 se assustaram com a quantidade de minério de ferro existente nas Serras da então Capitania de Minas Gerais. Segundo eles (Saint-Hilaire, Martius, Mawe entre outros), este foi um dos segredos mais bem guardados pela Coroa no Século XVIII.

¹² Defino como Complexo da Serra do Curral todo o conjunto de serras alinhadas e que se estende de oeste para leste, como descrevi no inicio do artigo e não apenas a porção do Complexo localizado no município de Belo Horizonte. O extenso alinhamento montanhoso recebe tal denominação por se tratar do topônimo mais conhecido entre todos de grande importância, lembrando que a palavra "complexo" tem como um dos seus significados a "construção composta de numerosos elementos interligados ou que funcionam como um todo".

¹³ A curva do Ponteio e as partes mais altas da Avenida Raja Gabaglia, em parte também apresentam essa composição de solo, daí o motivo dos deslizamentos nessas áreas serem constantes, devido à fragilidade do solo. Nesses locais, o processo foi desencadeado devido a abertuda da Rodovia nos anos 50 e da Avenida Raja Gabaglia nos anos 70. Um estudo sobre a orogênese de toda essa região seria muito bem vindo e muito esclarecedor, ou mesmo uma divulgação caso já exista esse estudo.

² Isso também ocorreu na verticalização dos bairros Serra, Cruzeiro e Anchieta. Os edifícios construídos barraram a circulação de ar proveniente do sul ou seja, a massa de ar vem de trás da Serra do Curral, esquentando ainda mais as áreas mais baixas da capital e favorecendo a formação de ilhas de calor na região central. Em suma: quem mora nos edifícios “congela” e quem mora nas áreas mais baixas “derrete”.

²¹ Existia uma pequena extração de minério de ferro na Serra, cujo beneficiamento do minério extraído era realizado em uma pequena fábrica que se localizava as margens do Ribeirão Arrudas, no local onde se encontra atualmente o Boulevard Shopping. Além disso, já existia uma extração de Calcário na cabeceira do Acaba Mundo, área que faz parte do complexo da Serra do Curral e que contém Dolomito e Magnesita, minerais que passaram a ser explorados em larga escala na região a partir de 1951. Esse calcário foi largamente usado pela CCNC na construção e no embelezamento dos Edifícios públicos da Praça da Liberdade.

²² Mina que pertencia a MBR (Minerações Brasileiras Reunidas S/A, atualmente pertencente a Vale) e que se localizava na vertente sul da Serra do Curral, no município de Nova Lima. Depois de cerca de trinta anos de funcionamento a Mina foi desativada em 2002.

* A Lagoa Seca recebeu essa denominação ainda no período colonial por causa das águas que ali se acumulavam nos períodos chuvosos. Na época de estiagem a água ali acumulada desaparecia, da mesma forma que ocorre na Lagoa do Sumidouro na região cárstica de Lagoa Santa, devido ao rebaixamento do lençol freático e da porosidade do solo. Considera-se a Lagoa Seca como uma das nascentes do córrego do Leitão, visto que uma parte das suas águas subterrâneas provavelmente afloram na região do bairro Santa Lúcia.   
Hoje (01/06) eu li numa reportagem um parágrafo dizendo que, nos anos 70 um determinado córrego da capital trazia transtornos para a população da região em questão, perturbando-os e atrasando a ocupação e o desenvolvimento urbano. Infelizmente esse pensamento ainda está vigente na cabeça das pessoas, usufruir de um bem natural e descartá-lo quando melhor convém. Como já escrevi em artigos anteriores, as cinco colônias agrícolas que se criou em Belo Horizonte a partir de 1897 foram assentadas nas vertentes dos principais córregos da capital, lembrando que a ocupação se restringia ao perímetro da Avenida do Contorno e adjacências (Zona Suburbana). Algum tempo após a anexação das colônias agrícolas a zona suburbana da capital os córregos foram sendo erradicados um a um, pois a política vigente da época os tratava como um “problema” que deveria deixar de existir e grande parte da população concordava com essa política, pois com água encanada e energia elétrica quem é que ia até um córrego buscar água ou lavar roupa, uma acomodação compreensível devido à melhoria das condições de vida iniciada no final do Século XIX e tão sonhada pelas populações periféricas. E um curso d’água não serve apenas para matar a sede e andar limpo, ele também ajuda a amenizar o clima de uma região, lembrando que as condições ambientais associadas a eles proporcionam um habitat único, com uma biodiversidade extremamente rica entre outros fatores.
Torço para que um dia as pessoas entendam a importância que um curso d’água tem para o meio ambiente e que passem a tratá-los com o respeito que eles merecem. Não posso dizer o mesmo para os que estão sepultados debaixo das construções e das vias de Belo Horizonte, que a meu ver eles foram erradicados do meio por um largo período de tempo. Realmente, no que diz respeito ao desenvolvimento urbano eles podem ser considerados por alguns um entrave, mas atualmente existem inúmeras possibilidades para uma bem sucedida harmonização entre a cidade e os cursos d’água. Mas os considerar perturbadores, sem comentários.
A citação abaixo, que eu escrevi no artigo “Qualquer semelhança não é mera coincidência: os cursos d’água que atravessam a capital” retrata exatamente o pensamento retrógado que eu, equivocadamente achei que havia ficado canalizado e coberto junto com os córregos nos anos 60 e 70. As imagens abaixo servem como exemplo para ilustrar o que eu escrevi acima. Em grande parte da área urbana da capital todos tiveram o mesmo destino do Córrego do Acaba Mundo.

"A falta de conscientização da população naquela época era alarmante, os cursos d’água eram simplesmente tratados como deposito de lixo, pois para ela a água leva tudo que é indesejável nos centros urbanos como o lixo, esgotos, animais mortos etc. O Poder Público por sua vez não ajudava, faltava investimentos na área e o sistema de coleta de lixo estava à beira de um colapso. As enchentes, freqüentes nesse período levava para as ruas e avenidas todo o material depositado nos cursos d’água, aumentando ainda mais o desejo de ver os córregos erradicados da área urbana, ou seja, na verdade era esconder o “problema” debaixo do tapete. E a população apoiou e aplaudiu o fechamento dos cursos d’água".


Córrego do Acaba Mundo canalizado na Rua Professor Morais em 1963. É notável a harmonia da paisagem entre o córrego e o seu entorno. A foto acima foi tirada quando do inicio da cobertura do córrego para o alargamento da Rua Professor Morais e Avenida Afonso Pena e principalmente para a melhoria da salubridade da região.
Fonte: APCBH/ASCOM


O mesmo córrego sob a Rua Professor Morais em 2010.
Fonte: Foto do Autor



Única na história é essa ideia de isolar uma região, na qual toda a vida civil foi subordinada à exploração de um bem exclusivo da coroa.

Spix & Martius. Viagem pelo Brasil.

 *Escrito por Alessandro Borsagli


Introdução

 

A descoberta de ricas jazidas no final do Século XVII levou ao imediato deslocamento de grandes contingentes populacionais para a região das Minas. Uma consequência disso foi o surgimento de numerosos núcleos urbanos nas imediações das áreas de mineração. Com o passar do tempo, sendo necessária por parte da Metrópole um maior controle da região, alguns desses núcleos situados em locais estratégicos e geralmente próximos das lavras foram elevados à condição de Vila, recebendo um maior aparato governamental. Na região do Serro Frio apareceram inúmeros núcleos mineradores que depois de certo tempo se tornaram arraias, como nas outras partes da região.

Em 1720 foi criada a Capitania de Minas Gerais, desmembrada de São Paulo, porque a Coroa precisava ter mais controle sobre essa parte da Colônia, que mesmo com a instalação do aparato administrativo português na região das Minas ainda apresentava sérios problemas em relação ao cumprimento das leis e impostos. A Metrópole se ocupou em instruir os governadores para lá enviados, para que agissem no sentido de impor a ordem e o controle sobre a população, não apenas quanto à atividade econômica central – a mineração – mas também quanto à vida social que se constituía, sobretudo nos núcleos urbanos.

O Arraial do Tejuco, atual Diamantina, surgiu como os outros núcleos urbanos do seu tempo, em função da existência e posterior exploração aurífera. Os arraiais foram proliferando ao ritmo das descobertas de novos veios nos regatos e grupiaras espalhavam-se por áreas contíguas, por conta disso foram compondo uma rede urbana "ao longo dos caminhos e estradas nas encruzilhadas ou nas travessias de cursos d'água, a margem dos locais onde o ouro e o diamante eram encontrados" (Silva Telles, 1978, p.46). Normalmente os arraiais, assentavam-se ao redor de capelas, orientavam-se pelos caminhos, configuração que se observa nos primeiros núcleos de povoamento, como se lê nas palavras de Silvio de Vasconcellos:

 

(...) suas ruas são sempre antigas estradas. Por isso mesmo, foram a princípio chamadas de rua da Praça, da Matriz, da Câmara, etc. Não porque nelas se localizassem estas edificações, mas porque a elas conduziam. Por isso mesmo ainda hoje os habitantes da zona rural tratam a cidade como 'a rua', no singular, como uma reminiscência do trecho único da estrada onde se construíram estabelecimentos comerciais. 'Vou à rua fazer compras', dizem. E, realmente, à rua quase só vão com essa finalidade (VASCONCELLOS, 1959)

 

Inicialmente o núcleo primitivo do Tejuco assentou-se na vertente do Córrego São Francisco onde estão às ruas de Santa Catarina e do Burgalhau. A ocupação deu-se nesse lugar por ele estar próximo às lavras auríferas e pela estrada de acesso a Vila do Príncipe e a Vila Rica cortar o arraial. Por essas é que chegavam os víveres necessários para a sobrevivência da população local.

As cidades mineiras do século XVIII surgiram todas pelos caminhos abertos pelos primeiros exploradores. O caminho que interligava arraiais, tornaram-se estradas, precipitando a institucionalização do espaço destes arraiais por conta do comércio e das rotas de abastecimento, caracterizando a apreensão deste chão já não mais como somente "espaço de produção", sendo a nascente ordenação e normatização urbana, sinais de um "espaço de reprodução" que se define (Monte-Mór,1999).

A declaração da descoberta dos diamantes em 1729 fez com que um grande número de pessoas se deslocasse para o arraial. Segundo relatos da época os diamantes já eram explorados na região havia vários anos e o anuncio da descoberta só se deu por causa dos boatos existentes na Corte, sendo impossível esconder o segredo. Um comerciante, Francisco da Cruz morador da Vila de Sabará relatou que a Vila estava ficando deserta, pois todos corriam para a região diamantina[1].

A chegada de tamanha população fez com que o arraial se expandisse para além do núcleo inicial. Ele foi crescendo em direção ao Morro de Santo Antônio e o centro do arraial foi então deslocado para uma área menos tortuosa, onde hoje se localiza a Praça da Matriz, atual centro de Diamantina. O arraial cresceu tanto em pouco tempo que o Governador da Capitania, Dom Lourenço de Almeida reconheceu que a população do arraial já ultrapassara em muito a da Vila do Príncipe, embora esta fosse a cabeça da comarca.

A influência do Tejuco já se espalhara por todo o norte de Minas. A economia do arraial sofreu um grande impulso com a descoberta e com o grande número de pessoas que se deslocaram para lá. Apareceram negociantes, comerciantes e tantas outras funções que a Coroa então percebeu que era necessário um maior controle sobre a região, para não haver prejuízos para o Erário Real.

Dos novos moradores era cobrado certo valor para que pudessem explorar a área, eram as cartas de data, que anteriormente eram válidas para a extração aurífera. Foi rigorosamente proibido o estabelecimento de lojas e vendas próximas às lavras e foi estipulada uma distância mínima para tal. Com o intuito de evitar que os escravos tirassem proveito da extração, era expressamente proibida a compra de diamante deles e quem os comprasse estaria sujeito a penas extremamente severas.

Em 1731 foi enviado ao Governador um decreto impedindo a exploração dos diamantes em todos os rios que os tivessem, decretando então o monopólio real sobre as gemas. A Metrópole queria ter maior lucro com as jazidas, pois estava sendo cobrado apenas o imposto da Captação. Contudo, o decreto não foi posto em pratica e o comércio do diamante voltou a ser franqueado em toda a região e o arraial do Tejuco, centro do comércio do diamante continuava recebendo mais pessoas vindas de várias regiões, até mesmo de Portugal.

 

A Demarcação Diamantina

 

O decreto de julho de 1734 determinou a proibição da exploração dos diamantes e o fechamento da região diamantina pela Coroa. A proibição da exploração se deu pelo fato de o diamante ser encontrado com abundância nos rios próximos ao Tejuco e a sua exploração desenfreada fez seu valor despencar no mercado internacional.

Até 1734 os limites do Distrito ainda não se encontravam bem definidos e os decretos proibindo a mineração faziam apenas menção aos rios e ribeirões proibidos. Então realizou-se uma delimitação mais precisa dos limites do Distrito, por Martinho de Mendonça Pina e Proença e pelo Engenheiro Militar Rafael Pires Pardinho, com a colocação de seis marcos cuidadosamente fixados nas divisas estabelecidas e, cerca de oito postos fiscais que controlavam a entrada e saída do distrito. O Distrito Diamantino era como um Estado dentro do Estado, uma região distinta do resto da Capitania por encerrar diamantes no solo e nos cursos d'água. A Coroa, percebendo a necessidade de uma administração especial na região resolve criar no mesmo ano a Intendência dos Diamantes, com leis próprias e válidas somente no Distrito. O Intendente, autoridade suprema no Distrito só prestava obediência à Junta Diamantina localizada em Lisboa e nem o governador da Capitania de Minas e mesmo o Vice-Rei do Brasil não tinham autoridade dentro do Distrito, salvo em alguns casos isolados de intervenção a mando de Lisboa.

Após cinco anos de proibição da exploração das lavras, em 1739 foi estabelecido o sistema de exploração das lavras diamantinas por contrato, levando então a população residente no Distrito a procurar novas formas de sobrevivência.

A corrupção foi grande no período dos contratos e a administração era bastante ineficaz, mesmo com as diversas mudanças nos inúmeros decretos visando combater a corrupção. Na verdade, era uma tarefa quase impossível, pois ela envolvia uma rede de contrabando já organizada que ia desde o Tejuco até Lisboa.

Com o maior rigor a Coroa passou a ter mais controle sobre o comércio no arraial, que era o centro de convergência do comércio do Distrito e mesmo de fora dele. Era de extrema importância para a metrópole o controle, pois o contrabando era extremamente forte e servia como base econômica para inúmeras famílias do Tejuco e em muitos casos, os contrabandistas eram acobertados pela própria Intendência[2]. Segundo os cálculos de Eschwege, no início do século XIX o volume do contrabando era igual ao da produção. Daí poder-se concluir a importância do contrabando para a economia do Tejuco no período colonial.

Segundo Felício dos Santos (1976, p.119), foi no período dos Contratadores que o Tejuco aumentou consideravelmente sua população e o comércio se desenvolveu, mesmo com as leis e bandos em vigor, que procuravam controlar e até mesmo          extingui-lo.

Uma das características da economia do Arraial no período colonial eram os rearranjos da população em torno das leis e decretos que vinham da metrópole, restringindo ou mudando a forma de exploração e ocupação do território. A Metrópole poderia e realmente tinha a intenção de inibir o máximo que pudesse a acumulação gerada pelo comércio no Distrito, mas a população sempre encontrava uma saída para a sobrevivência, estabelecendo redes de contrabando de diamantes na qual a Coroa não conseguia desarticula-la e alugando escravos para os Contratadores e posteriormente para a Real Extração, quanto se empregando na Administração, como veremos adiante. Mas, se por um lado a Coroa tentava controlar o Distrito para evitar a acumulação de Capital por outro, essa acumulação favorecia o Mercantilismo entre Colônia-Metrópole com a compra de produtos vindos de Portugal por alguns moradores do Arraial que acumulavam fortunas devido ao contrabando de diamantes.

O Mercantilismo era à base da economia brasileira no período colonial no qual Portugal detinha os monopólios do comércio sobre os produtos enviados para a colônia e esse monopólio perdurou até 1808 com a vinda de D. João VI para o Brasil. O Mercantilismo era na verdade, a transferência da riqueza da colônia para a metrópole e no caso de Diamantina o enviado era os diamantes, pequena quantidade de ouro e pedras preciosas, tudo severamente controlado pela Coroa.

Em 1753, foi promulgada uma lei em que El-Rei toma para sua proteção os contratos do diamante, monopolizando o comércio. Esta lei proibia qualquer tipo de comércio de diamante nos domínios do Reino, nem mesmo ele poderia ser extraído sem permissão do Contratador.

Na dificuldade de combater os descaminhos do diamante, em 1771 o Marques de Pombal decreta o monopólio real dos diamantes extinguindo o sistema de exploração por contrato e criando a Real Extração dos Diamantes, custeando ela mesma o serviço[3] e aumentando ainda mais o controle sobre a região. Esse fechamento da região a singularizou mais ainda do resto da Capitania, passando a possuir leis próprias, reunidas no Livro da Capa Verde que continha todo o Regimento Diamantino, necessário para o controle da exploração do diamante e da sociedade e submetendo a população a um singular modo de vida, regida por leis que visavam apenas o lucro para a Coroa.


O Tejuco e os destacamentos militares nas estradas.
Fonte: BN

A população do Distrito soube se reorganizar em torno do novo sistema de exploração dos diamantes e passou a tirar daí o seu sustento. A dita classe média do Tejuco, por exemplo, passou a compor a guarda responsável pelo patrulhamento do distrito. A classe dominante composta de portugueses e descendentes passou a ocupar os cargos da Real Extração. Os escravos que antes trabalhavam para os contratadores foram alugados para a real Extração, que pagava aos seus senhores diárias pelo serviço. Mesmo com essa mudança na exploração dos diamantes as outras atividades continuaram tendo importância, atividades que eram exercidas dentro e fora da demarcação e que tinham participação de alguns cidadãos do arraial.

Uma grande parcela da população possuía escravos alugados para a Real Extração e muitos deles viviam do aluguel pago pela Junta. Quando a Coroa pensou em revogar o monopólio dos diamantes em 1803, a população que vivia desse aluguel ficou temerosa de perder essa importante fonte de renda e para evitar um colapso da economia local foi necessário que a Coroa desistisse por um tempo dessa medida. Uma revogação do monopólio prejudicaria consideravelmente a população do arraial que já tinha consolidada a sua economia na Real Extração e a coroa suprimindo o monopólio certamente levaria o arraial e região à ruína.

O naturalista Auguste de Saint-Hilaire observou em 1817 no livro Viagem pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil algumas singularidades de Diamantina como, por exemplo, o forte comércio existente no arraial, mesmo este sendo rigorosamente controlado pelo Intendente. Esse é um indício de como Diamantina era o centro do comércio de toda a região. Observa também que ela se tratava do segundo núcleo populacional mais importante de Minas depois da capital, Vila Rica, atual Ouro Preto.

O Distrito Diamantino existiu até o ano de 1821 quando então foi extinto devido à incompatibilidade do Regimento com as leis promulgadas na Revolução Liberal do Porto.

 

Considerações Finais

 

Durante cerca de 85 anos existiu o Distrito Diamantino, um Estado dentro do Estado, com leis e administração próprias. Porém observou-se que o Distrito não permaneceu totalmente isolado do resto da Capitania e o Intendente não dispôs de grande autonomia, como mandava o Regimento.

Porém o isolamento que ainda existiu, além do fato de ter permanecido como arraial até o ano de 1831 fez com que Diamantina não sofresse um grande crescimento populacional no período colonial e a sua economia se baseasse principalmente na extração de pedras, aluguel de escravos para a Real extração e no comércio de vários artigos como chapéus, comestíveis, quinquilharias, louças, vidros e mesmo grande quantidade de artigos de luxo, conforme observou Saint-Hilaire em 1817.

Ao se observar os núcleos populacionais que existiam quando da existência do Distrito Diamantino e os núcleos urbanos atuais, percebe-se que as marcas deixadas pela Demarcação influenciaram a ocupação da região, pois as atuais cidades na região são todas remanescentes da época do Distrito. Eram postos de guardas ou registros como núcleos mineradores, as datas de diamantes.

Pode-se citar as cidades de Gouveia e Couto de Magalhães de Minas como exemplo de registros e como núcleos mineradores têm Curralinho (Extração), distrito de Diamantina, e Datas, atualmente cidade. Daí pode-se concluir que as marcas deixadas pela antiga Demarcação Diamantina tiveram grande influência na ocupação do território que ela abrangia.


Referências

BARBOSA, Waldemar Almeida. Dicionário Histórico e Geográfico de Minas Gerais. São Paulo: Livraria Itatiaia, 1995.

ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von. Pluto Brasiliensis. São Paulo: Editora Itatiaia, 1979, 2° volume.

FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o Contratador dos Diamantes. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

FURTADO, Júnia Ferreira. O Livro da Capa Verde, o Regimento Diamantino de 1771 e a Vida no Distrito Diamantino no Período da Real Extração. Editora Annablume: 1ª edição 1996.

JUNIOR, Caio Prado. Formação Histórica do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora brasiliense 1976 14ª edição.

SAINT-HILAIRE, A.; Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. São Paulo : Editora Itatiaia, 1974.

SAINT-HILAIRE, A.; Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil. São Paulo: Editora Itatiaia, 1974.

SANTOS, J.F.; Memórias do Distrito Diamantino. São Paulo: Editora Itatiaia 4ª edição, 1976.

SILVA TELLES, Augusto Carlos da. A ocupação do território e a trama urbana. Revista Barroco, Belo Horizonte, v. 10, 1978/79.

SPIX & MARTIUS, Viagem pelo Brasil. São Paulo: Editora Itatiaia, 1981, 2° volume.

VASCONCELLOS, Silvio de. A Arquitetura Colonial Mineira. In: Primeiro

Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte: UFMG, 1957.



[1] FURTADO, Chica da Silva, p.29.

[2] FURTADO, Livro da Capa Verde, p.65.

[3] ESCHWEGE, Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 89.

**Publicado no ano de 2010 no Web Artigos: https://www.webartigos.com/articles/35586/1/O-DISTRITO-DIAMANTINO-1734-1821/pagina1.html

Rios Invisíveis da Metrópole Mineira

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